Manifestação na noite de terça ocorreu em bairro confinado, e cidade anunciou alívio das restrições pouco depois
Porto Velho, RO - Operários e moradores de Cantão, centro industrial no Sul da China, protestaram contra a política de Covid zero na noite de terça-feira e entraram em confronto com forças de segurança pela segunda vez nesta semana. O episódio, porém, foi localizado, em meio ao reforço da segurança e da censura para coibir as manifestações registradas no último fim de semana e a declarações oficiais de que haverá repressão à “sabotagem”.
Os protestos em Cantão ficaram concentrados no bairro Houjiao, do distrito de Haizhu, região sob confinamento onde alguns manifestantes lançaram garrafas contra policiais que vestiam roupas de proteção brancas e levavam escudos. Outros destruíram barreiras que protegiam centros e prédios comerciais. Viraram de cabeça para baixo uma tenda usada para testes de Covid e uma pequena van.
Gravações mostram centenas de policiais chegando à região, gritando e batendo seus cassetetes nos uniformes protetores, e abordando manifestantes. Outro vídeo mostra diversos homens, aparentemente algemados, sendo levados por policiais.
— A maioria dos trabalhadores crê que o confinamento já se prolonga por tempo demais. Já faz mais de um mês — disse ao New York Times um morador de Cantão que se identificou apenas pelo sobrenome Zhang.
Apesar das promessas do governo central de que as restrições anti-Covid seriam aplicadas com maior parcimônia, disse Zhang, autoridades locais lançaram mão de medidas extremas para fechar a área. De acordo com ele, a comida fornecida é inadequada, forçando parte da população a “comer macarrão instantâneo todo dia”.
Horas após os atos, o governo de Cantão anunciou o alívio das medidas nesta quarta-feira. O confinamento foi suspenso em dez dos 11 distritos da cidade, incluindo Haizhu, onde ocorreram os protestos, e substituído por abordagens mais direcionadas. Medidas como a proibição de sair de casa, contudo, permanecerão em áreas de alto risco, onde há surtos ativos de Covid, deixando o mapa local mais complexo.
Contatos de pessoas que tiveram testes positivos para o vírus, que até então eram enviados para se isolar em instalações do governo, foram autorizados a fazer quarentena em casa desde que se adequem a alguns padrões básicos.
O distrito de Haizhu é um centro da produção têxtil na China, onde centenas de milhares de trabalhadores que migraram de áreas rurais ganham a vida em pequenas fábricas, lojas e restaurantes. Eles foram particularmente impactados pelas restrições anti-Covid, especialmente os confinamentos — o mais recente começou na região no mês passado, com testagem diária obrigatória e barricadas erguidas para isolar regiões onde casos eram registrados. Protestos já haviam ocorrido no distrito há duas semanas.
Alívios similares foram anunciados hoje em Zhengzhou, cidade na região central da China onde fica a maior fábrica de iPhones do mundo. Neste mês, milhares de operários, revoltados com as medidas de isolamento e atrasos no pagamento de bônus, entraram em conflito com a polícia na cidade.
Os embates em Cantão ocorreram no mesmo dia em que a principal autoridade de segurança da China pôs pela primeira vez as manifestações na conta de “forças hostis” e “sabotagem”. Sem mencionar os protestos, o secretário-geral da Comissão do Partido Comunista para Assuntos Políticos e Legais, Chen Wenqing, disse durante uma reunião do órgão que “atos ilegais e criminosos que perturbem a ordem social” não serão tolerados, segundo um comunicado.
Chen, que é integrante do Politburo, o órgão decisório do PC, anunciou durante o encontro “decisões recentes e procedimentos”, sem detalhá-los. Com a censura e o policiamento reforçado nos últimos dias, o governo parece ter conseguido controlar os protestos na maior parte do país — entre sábado e segunda, segundo o Instituto de Políticas Estratégicas, organização sediada na Austrália, foram registrados 43 protestos em 22 cidades.
A China não via protestos nacionais com a mesma motivação desde as manifestação na Praça da Paz Celestial, em 1989, mas em nenhum momento representaram uma ameaça direta ao Partido Comunista da China. Há registros de críticas ao presidente Xi Jinping e à alta cúpula chinesa, mas foram minoritários: a frustração era centrada nas duras políticas anti-Covid, e em Pequim ecoavam nas manifestações o hino nacional e da Internacional Socialista.
O estopim para os atos mais recentes foi um um incêndio num edifício residencial em Urumqi, capital da província de Xinjiang, no Noroeste chinês, no dia 24, que deixou ao menos 10 mortos e nove feridos. Muitos chineses acreditam que as restrições anti-Covid impediram que as vítimas escapassem dos apartamentos em chamas.
Fonte: O GLOBO
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