Segundo o Acnur, mais de 8 milhões de pessoas deixaram o país desde a eclosão do conflito, em 24 de fevereiro
Victoria Antonenko levava uma vida tranquila com a família na pequena cidade de Smela, a 250km de Kiev, quando a Rússia invadiu o território ucraniano em 24 de fevereiro do ano passado. Aos 54 anos, ela e o marido, Vladimir, de 52, tinham um pequeno negócio e moravam com os dois filhos em uma casa de 80 metros quadrados que haviam acabado de construir.
Quando o conflito eclodiu, ela confessa que não acreditou que duraria muito tempo. Foi só depois de um mês se escondendo com a família de porão em porão — apavorados com o barulho ensurdecedor das sirenes de risco de bombardeio —, que ela enfim decidiu vir com a filha Sofia, de 18 anos, para o Brasil. Vladimir e o filho Marko, 20, ficaram, impedidos de sair da Ucrânia por causa de uma lei marcial que proíbe homens em idade adulta de cruzar a fronteira.
Diferentemente de algumas nações europeias que adotaram várias políticas específicas para atender ao grande volume de refugiados da Ucrânia, o Brasil está longe de ser um dos principais destinos das mais de 8 milhões de pessoas que fugiram do país desde o início da guerra, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). No último ano, o número de pessoas forçadas a se deslocar internamente chega a quase 6 milhões, informou a agência da ONU — a população do país no início da guerra era estimada em 41 milhões.
Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável por deliberar os pedidos de refúgio no Brasil, apenas 24 solicitações foram protocoladas desde 24 de fevereiro, apesar de os refugiados ucranianos terem o direito a visto e residência humanitária no país desde uma normativa de março de 2022 do governo.
Para Victoria Antonenko, a escolha pelo Brasil como novo lar surgiu após ela ter conhecido pela internet uma comunidade religiosa que se ofereceu para ajudar com sua documentação e arcar com todos os custos da viagem. Mesmo com esse apoio, deixar um país em guerra não foi nada fácil.
— A viagem foi muito difícil. Foram mais de 18 horas de estrada sem ficar de pé, [só] as crianças se levantavam à noite e pediam às mães que as colocassem na cama. As pessoas se deitavam no chão, [por isso] não havia lugar para andar no corredor, tudo estava lotado de gente saindo do país — descreveu Antonenko ao GLOBO. — Nos lembramos da Segunda Guerra Mundial, quando os alemães levavam as pessoas em carroças.
Ajuda em diversas frentes
Segundo Silvia Sander, que esteve em missão humanitária em Kiev pelo Acnur nos primeiros meses da guerra, histórias como a de Victoria são comuns e demandam assistência de diversas frentes.
— As pessoas saem com quase nada, então precisam ser apoiadas em quase tudo — disse a funcionária da ONU ao GLOBO. — No início, a primeira preocupação era conseguir retirá-las dos locais atingidos de maneira mais grave, sobretudo mais ao Leste, e garantir que pudessem ter abrigo seguro, itens de primeira necessidade, acesso à informação, comunicação com familiares e também apoio psicológico, pensando que são sobretudo famílias de mulheres sozinhas se deslocando.
Com o passar do tempo, porém, outras necessidades se tornaram urgentes para os que atuam junto aos refugiados, como a elaboração de uma resposta para vítimas de violência de gênero da guerra, assistência jurídica, inclusão de crianças no sistema de ensino de outros países e de adultos no mercado de trabalho, explicou Sander.
— O que mais me chamou atenção foi o impacto na saúde mental. Quando se deixa tudo para trás, há uma série de rupturas para além da casa e dos objetos, mas com toda sua rede de segurança — afirmou Sander, destacando a "resiliência profunda" e o "senso de solidariedade" entre os ucranianos apesar do contexto de vulnerabilidade.
— Há uma enorme falta de previsibilidade no contexto de uma guerra como essa, que acontece abruptamente por ataques aéreos. A gente não sabia se as escolas e hospitais iam ser bombardeados e precisávamos lidar com o ruído das sirenes que alertavam para o risco iminente de bombardeio — descreveu.
Embora ao longo dos últimos 12 meses o fluxo de refugiados tenha passado por diferentes ondas, inclusive com um número de pessoas retornando para suas casas em regiões menos atingidas por bombardeios, Sander assegura que "a situação segue gravíssima" e muitas pessoas continuam deixando o país.
— Principalmente no Oeste, tinha-se a percepção de que os bombardeios haviam cessado, então algumas pessoas decidiram voltar [para casa], mas logo em seguida havia um novo episódio e saíam de novo — explicou, destacando que a decisão de retornar geralmente é tomada sem muito planejamento, conforme as informações são divulgadas no dia a dia.
Embora ao longo dos últimos 12 meses o fluxo de refugiados tenha passado por diferentes ondas, inclusive com um número de pessoas retornando para suas casas em regiões menos atingidas por bombardeios, Sander assegura que "a situação segue gravíssima" e muitas pessoas continuam deixando o país.
— Principalmente no Oeste, tinha-se a percepção de que os bombardeios haviam cessado, então algumas pessoas decidiram voltar [para casa], mas logo em seguida havia um novo episódio e saíam de novo — explicou, destacando que a decisão de retornar geralmente é tomada sem muito planejamento, conforme as informações são divulgadas no dia a dia.
— Muitas pessoas que se deslocaram ficaram sem renda ao longo do ano ou querem buscar familiares, por isso voltam, mas de maneira geral não há um cenário que permita um retorno seguro ao país.
Para a ucraniana Antonenko, que hoje vive com a filha em Guarapuava, no Paraná, é uma "benção" não precisar ouvir "sirenes, tiros e explosões" desde que deixou a Ucrânia há quase um ano. No entanto, o sonho de voltar para casa ainda faz parte de um futuro incerto.
— Acredito que a guerra vai acabar e eu vou poder retornar para o meu país, mas não faço ideia de quando — disse Antonenko.
Fonte: O GLOBO
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