Com supersafra, setor deve crescer até 10% este ano e puxar o PIB

Depois de dois anos em queda, o agronegócio deve puxar o crescimento da economia brasileira em 2023 — e pode até evitar que o país acumule dois trimestres seguidos de retração, o que configuraria recessão técnica, segundo especialistas. 

As estimativas mais recentes de bancos e consultorias já apontam este cenário mais positivo para o desempenho do campo neste ano, o que pode ser a salvação da lavoura da economia, que começou o ano em desaceleração.

Com a previsão de uma safra recorde de grãos, o setor pode ter uma expansão de até 10% na geração de valor, levando o Produto Interno Bruto (PIB) do país a fechar o ano com alta de até 1,3%, acima da projeção média dos agentes do mercado financeiro hoje, de 0,8%.

Somente a produção de grãos deve totalizar 302 milhões de toneladas em 2023, um recorde. A alta de 14,7% em relação a 2022 representará 38,8 milhões de toneladas a mais. Os dados são do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola de janeiro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O aumento da produção estimula outros setores da cadeia do agro — que responde por quase um quarto do PIB, segundo a Esalq/USP — como os de máquinas e equipamentos, insumos e logística. No entanto, infraestrutura deficiente e juro alto são fatores que prejudicam o desempenho do setor.

O produtor de soja Marcelo Pereira espera colher entre 6% e 7% a mais do que no ano passado. Ele planta no Tocantins, na região de Figueirópolis. Na safra atual, foram plantados 1.400 hectares, um acréscimo de 10% sobre a passada.

— As perspectivas são boas. Está sendo um período bom de chuvas, e temos variedades de soja mais produtivas — diz.

Pereira explica que, em termos de logística, as estradas do Tocantins são de boa qualidade, mas ele observa que é preciso ter mais locais de armazenamento para descarregar a soja. A região tem armazéns das maiores comercializadoras de grãos, mas os caminhões levam vários dias para descarregar. Por isso, ele paga mais caro pelo frete.

— Se os caminhões fossem e voltassem no mesmo dia, eu economizaria cerca de R$ 1 por saca. Considerando 160 mil sacas, na ponta do lápis, seriam R$ 160 mil de economia — diz o produtor.

Gilberto Fillipini, que planta cana no interior de São Paulo, diz que o ano começou melhor em termos de chuva. Ele prevê aumentar sua produção entre 15% e 20% em relação ao que colheu em 2022, quando a estiagem atrapalhou a cultura. No ano passado, produziu cerca de 17 mil toneladas de cana. Este ano, em julho, deverá colher 20 mil toneladas.

— No ano passado, a falta de chuva nos atrapalhou e colhemos menos. Mantivemos nosso investimento e a mesma área plantada, de 240 hectares, e este ano vamos recuperar. Por enquanto, as chuvas estão colaborando — diz.

Impacto na cadeia

O cenário de prosperidade previsto para o campo em 2023 se reflete também nos negócios em torno das fazendas. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) indicam que os produtores se preparam para a supersafra.

O setor de máquinas agrícolas registrou crescimento de 2% nas vendas internas em 2022, na comparação com 2021, alcançando R$ 91 bilhões em negócios. Apesar de incertezas na economia, com juros altos e crédito ficando mais escasso, a expectativa é que o desempenho positivo das vendas se repita neste ano.

A Lavoro, empresa de distribuição e fabricação de insumos agrícolas, de sementes a fertilizantes, abriu seu capital na Nasdaq, a Bolsa de tecnologia americana, na semana passada, num momento em que pouco se fala de oferta de ações. 

A Lavoro, que também capacita o agricultor a adotar tecnologias inovadoras e impulsionar a produtividade, foi buscar recursos no mercado de capital para crescer por meio de novas aquisições de empresas do setor, além das 20 compras que já efetuou nos últimos anos.

Com a oferta de parte de suas ações, levantou US$ 134 milhões — dentro da expectativa da empresa de algo entre US$ 100 milhões e US$ 180 milhões. Além de ir às compras, a Lavoro quer trazer novidades tecnológicas à sua plataforma, como a oferta de serviços aos agricultores, entre elas uma tecnologia de origem americana que analisa o DNA do solo, que ajuda a prevenir riscos e deficiências nutricionais de diferentes culturas.

— Escolhemos o mercado americano porque, embora a Lavoro seja brasileira, tem atuação na América do Sul, o que trouxe mais investidores qualificados, que sabem que o agro é um setor resiliente — diz Ruy Cunha, CEO da companhia.

Alta forte no 1º tri

Com 195 lojas físicas, a empresa fechou o ano fiscal de 2022 com faturamento de US$ 1,6 bilhão. Este ano, deve chegar a US$ 2,7 bilhões.

O Itaú Unibanco é a instituição financeira que tem a estimativa mais otimista para o PIB do país este ano, tendo o agro como carro-chefe: alta de 1,3%. Segundo Natália Cotarelli, uma das economistas do banco, as contas feitas pela equipe apontam que esse crescimento em meio a um quadro de desaceleração da economia será puxado pelo setor agrícola, evitando que o país entre em recessão. 

No último trimestre do ano passado, a economia encolheu 0,2%.

— Não prevemos recessão técnica, e um dos motivos é o agro. Para o primeiro trimestre, estimamos crescimento de 1%, e metade disso vem do agro. E não temos previsão de recessão técnica ao longo do ano — diz a economista.

Um relatório do Itaú BBA Agro avalia que o Brasil deve exportar ainda mais soja da safra de 2022/23. Com a produção recorde, estimada em 153 milhões de toneladas no período, cerca de 92 milhões de toneladas devem ir para fora do país, 1 milhão de toneladas a mais que o projetos em janeiro pelo Departamento de Agricultura dos EUA, que monitora o mercado global de commodities.

No Santander, a previsão é de crescimento de 7,5% do agro neste ano, diz Lucas Maynard, economista do banco:

— Depois de duas quebras de safra, em 2021 e 2022, por questões climáticas, o que foi um banho de água fria, neste ano o país deverá apresentar safra recorde, puxada pela soja. Estimamos um crescimento de 7,5% do setor agro, com impacto entre 0,5 e 07 ponto percentual no PIB.

Nos números do banco, a economia do país neste ano terá muitos sinais trocados. O PIB do primeiro trimestre deve crescer 0,5%. No segundo trimestre, perde força, por conta dos juros altos. Volta a crescer no terceiro e encolhe novamente no quarto. 

Na média, entre o segundo e o quarto trimestre, a estimativa do Santander é de uma queda de 0,2% no PIB, na comparação com o mesmo período do ano passado. Mas, no ano, o saldo acaba sendo positivo: a previsão do Santander é que a economia brasileira cresça 0,8%.

A consultoria Tendências prevê um crescimento do agro de 3,8% este ano, com a indústria caindo 0,2% e os serviços em alta de 1,2%. A economista Gabriela Faria, que faz análises setoriais na Tendências, lembra que o desempenho do agro tende a ser melhor no primeiro trimestre, com a colheita de soja. Por isso, a consultoria estima um crescimento de 2,3% da economia, entre janeiro e março.

Nos demais trimestres do ano, a Tendências também espera um desempenho positivo do PIB, sem recessão técnica, sob forte influência do campo. Ao fim de 2023, a expectativa na Tendências é que o PIB cresça 1%.

— A safra de soja vai crescer, mas outras culturas, como cana e café, devem ter bom desempenho em relação aos anos anteriores, além de uma recuperação da pecuária. É o desempenho do agro que vai segurar o PIB deste ano — diz a economista.

Risco de estagnação

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que o agro vai ajudar a evitar uma performance pior da economia neste ano, mas tem dúvidas se terá força suficiente para tirar o país da recessão técnica. Ele avalia que a economia brasileira pode ter desempenho negativo no primeiro trimestre do ano, seguindo a queda de 0,2% dos últimos três meses de 2022:

— E assim já estaríamos em recessão técnica. O agro deverá ser importante para evitar uma queda do PIB no ano, mas não necessariamente para evitar a recessão técnica.

Para ele, os efeitos da desaceleração na indústria e nos serviços podem ser maiores do que se esperava em 2023, e isso pode contrabalançar o efeito positivo do agro. Taxa Selic (juros básicos da economia) elevada, cenário internacional de alta de juros e o preço de commodities em baixa são fatores que limitam o crescimento do país a 1% este ano.

O economista-chefe da MB diz que a supersafra deste ano, além de impulsionar o PIB, vai ajudar a manter contida a inflação. Segundo Vale, os preços dos alimentos devem subir entre 5% e 6% este ano, metade do que subiram no ano passado. A MB estima que a inflação este ano feche em 6%.


Fonte: O GLOBO