Felipe Salto, Fabio Giambiagi e Alexandre Manoel, Manoel Pires, entre outros dão suas opiniões sobre as novas medidas

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou na manhã desta quinta-feira o novo arcabouço fiscal do governo Lula. Com a regra, que cria metas para a redução da dívida pública e traça como cenário que as contas do governo voltarão a ficar no azul já no ano que vem, o ministério da Fazenda prevê que o o país voltará a ser considerado grau de investimento, ou seja, um porto seguro para investidores.

O GLOBO procurou economistas que acompanham a política fiscal para saber o que pensam da proposta de Haddad. Leia algumas das opiniões abaixo:

Felipe Salto, economista-chefe e sócio na Warren Brasil

“A regra é boa. O crescimento do gasto limitado a 2,5%, no máximo, com regra pautada pela receita, confere devida flexibilidade ao arcabouço. Entendo que o arcabouço nasceu crível. Produzirá bons efeitos na curva de dívida/PIB”.

Gabriel de Barros, economista-chefe da Ryo Asset


"Não está claro como a banda (limites superior e inferior) de resultado primário vai operar. E é útil lembrar que isso já foi testado no passado, com grande fracasso. O gasto pró-cíclico com saúde e educação vai consumir boa parte do espaço fiscal da regra de gasto. Já o crescimento real do gasto previdenciário também ajuda a comprimir espaço fiscal. O piso para investimentos reduz o espaço para acomodar demais despesas. Ou seja, para atender a todas as preferências reveladas de gastos, a receita precisa surpreender muito, sempre."

"O gatilho, em caso de descumprimento, é frágil, de baixo enforcement, pois o gasto segue com crescimento real. Economia e arrecadação crescendo, despesa avança. Economia e arrecadação decrescendo, despesa segue avançando. Despesa nunca cai e ajuste no primário é integralmente focado em ampliação da arrecadação."

"O Fundeb fora do teto não é positivo, assim como piso da enfermagem. Não está claro o que ocorre com as atuais exceções do teto de gastos (crédito extraordinário, capitalização de estatais, etc). Incentivo é para busca crescente de receitas extraordinárias, condição para o cumprimento das preferências reveladas e promessas".

Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador da FGV

"Regra de resultado primário é melhor que o teto de gastos e a criação de bandas suaviza um pouco o caráter pró-cíclico (aumenta o gasto público quando a economia está crescendo) do arcabouço fiscal. A questão é como o governo pretende viabilizar isso. Sabemos que a despesa não vai cair como proporção do PIB.

Já houve aumento com o Bolsa Família, talvez um aumento da carga tributária entre 0,5% e 1%. A meta de superávit é ambiciosa, mas o esforço ainda não é suficiente para estabilizar a trajetória da dívida pública frente ao PIB. O ideal era chegar a 1,5%. É importante, não desprezível, mas não é o suficiente. Mas precisamos saber como será o plano de voo, se virá de receitas atípicas (como as do ano passado com a subida forte de commodities como petróleo).

As bandas dão uma certa flexibilidade para o marco, mas ainda sim é pró-cíclico, o que pode exigir Taxa Selic mais alta, partindo do pressuposto que, em alguma medida, vai atrapalhar o trabalho do Banco Central.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados

"O governo cria uma regra de piso: o gasto vai sempre crescer no mínimo 0,6%. Não é anticíclico, já que mais crescimento leva a mais gasto nessa regra. Não há clareza sobre os parâmetros que o governo trabalha em termos de crescimento e receita pra essas estimativas de PIB. Mas era o esperado: o governo sinalizou o que quer crescer de gasto e o ajuste vai ser feito via arrecadação. Acho difícil não ver crescimento de carga tributária nos próximos anos nessas condições dadas de crescimento de gasto."

Alexandre Manoel, economista-chefe na AZ Quest e ex-secretário dos ministérios da Economia e da Fazenda

"Saiu melhor que era esperado. Contém limite de despesas, gatilho para correção de rumo e incentivo para aumentar a arrecadação. Três fatores fundamentais para recuperarmos o superávit primário que torne nossa dívida sustentável.

A propósito, ter um limite de despesa global é fundamental, pois significa que aprendemos com os erros. Sem limite de despesas, nosso orçamento era sempre fictício, pois o Congresso superestimava receitas e depois o Executivo corrigia, por meio dos contigenciamentos, gerando um orçamento paralelo, que incentivava contabilidade criativa e terminou redundando num impeachement da presidente Dilma.

"A nossa reação a isso foi um teto, aplicado corretamente, mas que se mostrou não adequado à economia política. Só funcionou quando o PIB cresceu abaixo do PIB potencial e não havia receita líquida para o teto, que ocorreu nos anos 2017-2019.

Nesse sentido, uma regra com um limite de despesa é um avanço institucional importante para nossa sociedade, pois significa que aprendemos com os erros e é natural que, para ser factível, seja menos rígida que o limite do teto imposto em 2016.

O mercado naturalmente vai ajudar, talvez, a sugerir melhor parametrização, mas, ao olhar para nossa história e realidade de nossa economia política, deve gostar com o passar do tempo, sim, especialmente por que essa regra ajudará a reduzir o déficit e, com o passar do tempo, a eliminar nossa vulnerabilidade fiscal, contribuindo para a queda na taxa real de juros e potencializando nosso crescimento econômico."

Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal da FGV/Ibre

“Espera-se aumento forte de produção de óleo e gás a partir de 2025 (a Empresa de Pesquisa Energética espera um crescimento de 78% da extração de petróleo e gás natural na comparação 2030 em relação a 2022). Pela projeção no Ibre, a arrecadação no setor de petróleo vai crescer muito. Quando converso com o pessoal de mercado, eles dizem que o governo vai querer gastar.

Com o plano, o governo assume um compromisso explícito de poupar uma parte dessa renda de petróleo. Esse aspecto da regra é positivo e alivia a discussão sobre a carga tributária. A questão é o período de transição, até 2025."

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter

“O investimento deve ter um piso e o governo indicou uma curva de crescimento entre 2,2% e 3,2% do total das despesas primárias e que poderia ser maior, caso o superávit fique acima da meta. O governo não deixou claro quais investimentos e qual seria exatamente o piso, mas 2,2% das despesas significam investimentos próximos de R$45 bilhões esse ano, crescendo para R$65 bilhões até 2026”

“As projeções de trajetória da dívida apresentadas foram bastante agressivas. Na nossa simulação, em um cenário de 1% de superávit a partir de 2026 e juros reais convergindo para 3%, a dívida seria estabilizada em 79% do PIB a partir de 2026, enquanto o governo projeta, no cenário mais otimista, 73% de dívida/PIB em 2026".

Fabio Giambiagi, pesquisador do Ibre

"O arcabouço se parece ao de uma empresa deficitária em recuperação judicial que promete se tornar fortemente superavitária em dois anos, sem explicar que custos cortará, qual é a estratégia e como aumentará suas vendas. Um simples exemplo dá uma ideia do 'realismo mágico ' envolvido: dia 22 o governo divulgou a primeira revisão trimestral das contas de 2023, mostrando um déficit de 1 % do PIB

Hoje, dia 30, no ano inicial da apresentação esse resultado já diminuiu para 0,5 % do PIB. O que aconteceu em 8 dias para justificar tal revisão? É mais fácil o Vasco ser campeão do Brasileirão do que fechar muito a curva de juros tendo por base essa apresentação."

Zeina Latif, consultora econômica da Gibraltar

"Achei precipitada a divulgação. Não vejo uma proposta suficientemente madura. Sinal disso é a própria falta de texto. Parece muito mais uma proposta de piso do que de teto de despesas. Há um incentivo para buscar aumento da carga tributária, o que enfrentará dificuldades no Congresso. Assim, o compromisso (não é meta) com resultado fiscal poderá ser inviabilizado.

Como efeito de segunda ordem, também gera incentivo para expansão de crédito de bancos públicos para estimular o PIB e, assim, a arrecadação. Inseriu uma grande complicação que é a necessidade de estimar a surpresa com arrecadação, para acionar o teto. A regra não é exatamente simples."

Silvia Matos, economista do Ibre/FGV

"Aspectos positivos: Finalmente temos uma regra. Uma primeira impressão é positiva, pois há uma meta ambiciosa de superávit primário para os próximos anos, algo que não está contemplado nas expectativas dos agentes econômicos. Além disso, há uma previsão de déficit primário aquém do esperado pelo mercado e pelo próprio governo há algumas semanas atrás, em 2023.

E, por fim, alguma trava no aumento dos gastos, aquém do crescimento das receitas, ou seja, o compromisso de pouparmos uma parte das receitas, caso elas cresçam muito. O que é negativo: Para a nova regra ser crível, ou seja, termos superávit no horizonte futuro, temos que ter aumento de receitas. Pois as despesas crescem sempre.

Tem piso para as despesas. E o governo terá condições de aprovar aumento de receitas? O Congresso vai aprovar? Se conseguir, vamos ter mais gastos, mas ao mesmo tempo, superávit primário. O que é necessário. Sem ele, não haverá sustentabilidade fiscal", afirmou.

Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank:

"O arcabouço fiscal apresentado indica a busca pela elevação do superávit primário ao longo do tempo. O ajuste proposto é ambicioso: zerar o déficit primário do governo federal em 2024 e obter um superávit de 1% do PIB em 2026. Esses resultados, caso alcançados, seriam um passo relevante na direção de estabilizar a dívida do governo.

Na nossa visão o resultado primário necessário para estabilizar a dívida como percentual do PIB é de cerca de 2,0% a 2,5%. No entanto, apesar de os objetivos serem claros, ainda faltam detalhes de como eles seriam alcançados. Apesar do arcabouço fiscal estabelecer uma limitação ao crescimento das despesas, aparentemente a maior parte do ajuste acabaria recaindo sobre a necessidade de um aumento das receitas."

Andrea Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital

“Mostra realmente que o governo tem algum compromisso com o fiscal, e portanto, está impondo um limite para os gastos, com 70% da receita, mas limitado ao crescimento de 2,5% em termos reais. Nesse primeiro ponto é um compromisso interessante, que traz mais previsibilidade realmente. Conseguimos fazer as contas [sobre a trajetória da dívida pública]. Porém, faltam vários detalhamentos, quais os parâmetros foram utilizados. O texto do projeto, não só o powerpoint, deve elucidar isso”.

"Com os nossos números de atividade econômica e juros, não conseguimos chegar nos mesmos números apresentados de trajetória de dívida pública, o que nos leva a crer que o governo está considerando uma trajetória de PIB mais forte e queda de juros maior do que a projetada nas nossas contas. Boa parte do mercado, quando for simular, vai ter um pouco de dificuldade de chegar exatamente na trajetória [mais otimista] que o governo [projeta] de dívida pública [a partir do novo arcabouço fiscal]”


Fonte: O GLOBO