Ministro da Fazenda se diz otimista e aberto à negociação com parlamentares, prefeitos, governadores e líderes empresariais para aprovar a emenda constitucional que considera decisiva para a economia do país
Apontada como prioridade na agenda econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a reforma tributária pode gerar um “choque” positivo na economia brasileira capaz de elevar o Produto Interno Bruto (PIB) do país em até 20% em 15 anos.
O potencial foi apresentado na segunda-feira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, convidado da primeira edição de 2023 da série de debates “E agora, Brasil?”, realizada pelos jornais O GLOBO e Valor, com patrocínio do Sistema Comércio, através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas Federações.
A reforma do sistema de impostos no Brasil foi o principal tema do evento, em Brasília, mediado pela colunista do GLOBO Míriam Leitão e pelo chefe da Redação do Valor em Brasília, Fernando Exman.
É antigo o consenso de que a confusa estrutura de arrecadação tira competitividade das empresas, penaliza investimentos, gera insegurança jurídica e distribui de forma desigual o peso dos impostos entre ricos e pobres. No entanto, o impasse sobre como mudar isso perdura há anos.
A reforma tributária pretende unificar cinco tributos em um só. Os federais PIS, Cofins e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se somam ao estadual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e ao municipal Imposto sobre Serviços (ISS) para formar um único imposto sobre valor agregado (IVA), que se chamará Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
O governo propõe a fusão de duas propostas de emenda à Constituição (PECs) que já tramitam: a PEC 45, na Câmara, e a PEC 110, no Senado. A diferença é que a 45 prevê um IVA de alíquota única, com recursos divididos entre União, estados e municípios, e a 110 propõe um IVA dual, com um imposto exclusivo da União e outro repartido entre estados e municípios.
Um grupo de trabalho com 12 deputados foi formado na Câmara para acelerar a avaliação dos dois projetos. O coordenador é Reginaldo Lopes (PT-MG) e o relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
As resistências vêm de setores econômicos que temem aumento de impostos e o fim de incentivos fiscais e de governadores e prefeitos preocupados com perda de receitas.
Na conversa de quase uma hora e meia, Haddad afirmou que há condições políticas agora para avançar no Congresso. Ele previu para junho ou julho a votação na Câmara e até outubro no Senado e destacou o bom relacionamento com os presidentes das duas Casas, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desde a transição.
O governo vê no sistema tributário atual um dificultador do crescimento econômico e do desenvolvimento social do país. O ministro apontou as principais diretrizes para a reforma: justiça tributária, progressividade, simplificação e transparência.
Ele citou estimativas compiladas pelo seu secretário extraordinário para a reforma, Bernard Appy, um dos maiores especialistas no assunto no país, que apontam um aumento de até 12% no PIB em 15 anos, num cenário conservador, e de até 20%, em uma previsão mais otimista, somente com a simplificação do sistema.
— O choque de eficiência que ela vai dar na economia brasileira, não é possível estimar neste momento, de tão grande que será. Fala-se de 10% a 20% de choque no PIB, mas eu penso que vamos facilitar muito a vida dos investidores, dos trabalhadores e do poder público com essa reforma.
Situação ‘caótica’ no ICMS
Haddad defendeu a reforma como importante não só para a União, mas também para estados e municípios. Classificou a situação do ICMS como “caótica” para os investidores, já que o tributo estadual é campeão de litígios tributários:
— A quantidade de impostos pagos na fase de investimentos é (como) punir o investidor, o exportador, o industrial, as famílias de baixa renda. Além de tudo, está punindo o próprio poder público, dada a litigiosidade dos tributos.
Ex-prefeito de São Paulo, Haddad concorreu à Presidência em 2018 e ao governo paulista pelo PT no ano passado. Ele indicou que tem se dedicado não só à costura política da reforma no Congresso, mas também ao diálogo com governadores, prefeitos e representantes de setores econômicos para vencer resistências.
Ele dispõe de ao menos um dia na semana para encontros sobre o tema e acena com uma transição de “longuíssimo prazo” para acomodar impactos da reforma sobre quem paga e arrecada impostos. Ele defendeu que a alíquota do novo imposto sobre consumo seja recalibrada ao longo do tempo:
— Quando você põe na ponta do lápis, afasta os fantasmas. Haverá uma transição de 40 anos, para garantir que o ajuste é na margem, garantindo que o impacto na eficiência da economia seja muito mais rápido que o impacto redistributivo pelos entes federados.
Além dos princípios da proposta do governo, o ministro também apontou o que não estará na reforma. Descartou uma nova CPMF — o imposto sobre transações financeiras cuja ideia de recriação descreveu como um dos motivos para o fracasso da reforma proposta pelo governo de Jair Bolsonaro — e mudanças no Simples Nacional, sistema especial de tributos para micro, pequenas e médias empresas.
Efeito neutro
Haddad argumentou que a reforma da taxação do consumo, que tem maior impacto sobre os mais pobres, é também uma forma de dar progressividade ao sistema tributário, criando as condições para avançar em seguida numa revisão dos impostos sobre a renda. Mas frisou que o objetivo do governo é ter uma reforma neutra do ponto de vista da arrecadação, sem aumentar a já alta carga tributária do país:
— Não pretendemos aumentar imposto sobre consumo porque, no Brasil, já é muito alto. Deveríamos planejar no médio e longo prazo a mudança na cesta de tributos, que deveria recair mais sobre renda e menos sobre consumo.
Para José Roberto Tadros, presidente da CNC, que reúne empresas de comércio e serviços, a reforma precisa considerar especificidades:
— A reforma tributária é necessária. Mas, para ser efetiva, precisa ter como premissas a simplificação, a não cumulatividade e a diferenciação das alíquotas setoriais e regionais. Não há como pensar em uma reforma sem considerar as especificidades, por exemplo, do setor de serviços, que é um grande gerador de empregos, mas gera menos créditos tributários em sua cadeia produtiva do que outros segmentos, pois seu principal insumo é justamente a mão de obra.
Em uma semana decisiva para o governo na economia, Haddad também falou no evento sobre a definição da nova regra de controle das contas públicas em substituição ao atual teto de gastos, riscos internacionais e a política de juros contra a inflação no Brasil.
— O evento acabou acontecendo numa semana quente, com o arcabouço fiscal e a crise externa. Ele falou bastante da pauta, que era a reforma tributária, mas não fugiu dos outros temas — avaliou Míriam Leitão.
Exman afirmou que o evento foi fundamental para o ministro apresentar a sua visão da reforma, cujo debate no Congresso se intensifica agora:
— Também tivemos a rara oportunidade de ouvir o que ele pensa a respeito de temas pouco abordados no dia a dia, como sua visão sobre a meta de inflação. E sem deixar de lado os temas mais quentes, como o atual patamar dos juros e as recentes turbulências na economia americana.
Fonte: O GLOBO
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