Para David Schultz, da Hamline University, DeSantis e Trump usarão o conflito para mobilizar eleitores em 2024, apesar de não haver consenso entre republicanos sobre apoio a Kiev

As eleições para a Presidência dos EUA só acontecem no ano que vem, mas um tema já desponta como possível protagonista da corrida eleitoral: a guerra na Ucrânia. Na terça-feira, quando o governador da Flórida e principal rival do ex-presidente Donald Trump nas primárias republicanas, Ron DeSantis, afirmou que o apoio a Kiev não deveria ser uma prioridade, a declaração evidenciou não só o destaque que o conflito deverá ter no pleito, mas também um racha no partido.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Gallup de janeiro , embora 65% da população sejam a favor do apoio dos EUA à Ucrânia, cerca de metade dos eleitores republicanos acredita que a ajuda é excessiva — desde o início da invasão, mais de US$ 70 bilhões (R$ 367 bilhões) já foram enviados a Kiev. Em entrevista ao GLOBO, o professor de Ciência Política David Schultz, da Hamline University, analisa a influência da guerra nas eleições, a fratura no Partido Republicano sobre o tema e como Trump e DeSantis usarão o conflito "para mobilizar os eleitores em 2024".

Por que o apoio dos EUA à Ucrânia pode ser um dos temas centrais das eleições americanas em 2024?

Há três razões. Primeiro, há uma crescente divisão política entre democratas e republicanos em relação a um maior apoio [dos EUA] à Ucrânia. Vemos isso agora nas pesquisas de opinião pública. Além disso, o governador DeSantis, em um discurso recente, questionou se a Ucrânia e o apoio a ela são um interesse estratégico para os EUA. 

Parece que ele, e talvez Trump, fará da Ucrânia um assunto para mobilizar os eleitores em 2024. Em segundo lugar, os republicanos na Câmara estão procurando fazer cortes orçamentários e veem os gastos com a Ucrânia como um lugar possível para isso. O terceiro é que, desde a Presidência de Trump, a Ucrânia tem sido um ponto de conflito partidário. Afinal de contas, Trump quase foi impugnado pela primeira vez por causa de um telefonema com o presidente da Ucrânia [Volodymyr Zelensky].

Cerca de metade dos eleitores republicanos acha que os EUA estão enviando ajuda em excesso para a Ucrânia. Como a questão tem dividido o partido internamente?

Esse é outro problema dos republicanos que distancia a facção trumpista do resto do partido. É também um grupo que DeSantis está procurando dividir para conquistar. Além disso, essa divisão é uma nova versão da fratura histórica entre os republicanos isolacionistas e os intervencionistas. O lema "America first" (os EUA em primeiro, em tradução livre) do Trump é apenas a manifestação mais recente disso.

E como a questão é vista entre membros do Partido Democrata?

Os democratas, por enquanto, estão muito mais unidos. Houve um breve período em que parecia que os democratas mais progressistas iriam tomar uma posição contrária ao apoio à Ucrânia, mas isso tem sido em grande parte abafado. Os democratas estão mobilizados em torno de Biden e seu apoio à Ucrânia e à Europa.

Como o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia é visto pela opinião pública hoje, mais de um ano após o início da guerra?

O público em grande parte é a favor [do envio de ajuda para] a guerra, com democratas e independentes apoiando de forma ainda mais firme. O apoio está começando a enfraquecer em uma facção do Partido Republicano. Entretanto, muitas figuras da elite do partido — como Mitch McConnell [líder da minoria republicana no Senado] — endossam fortemente o suporte americano à Ucrânia como forma de conter a Rússia. 

A opinião pública recente sugere que menos de 10% dos americanos têm uma opinião favorável sobre a Rússia. Este é um ponto importante a ser considerado: a Ucrânia virou mais um sintoma de polarização partidária nos EUA.

Como a interferência americana na guerra tem sido capitalizada pelo governo Biden?

É um uso clássico da política externa para unir o público em torno de um inimigo comum e histórico — a Rússia — e se distinguir dos republicanos.

Tanto Trump quanto DeSantis se manifestaram contra o apoio incondicional dos EUA à Ucrânia. Em quais pontos os candidatos concordam e discordam sobre a política externa americana?

Ainda não está claro. Ambos são isolacionistas e não veem a Ucrânia como um interesse estratégico dos EUA.

A boa relação de Trump com Putin, incluindo a suspeita de interferência russa nas eleições de 2016, poderia prejudicar o ex-presidente na campanha?

Sim, isso será uma questão para os [eleitores] independentes. Para alguns republicanos, será um problema, mas os apoiadores do Trump ignorarão tudo isso.


Fonte: O GLOBO