Presidente chinês precisará convencer duas partes que não parecem dispostas a encontrar meio-termo para questões no cerne da guerra

O presidente da China, Xi Jinping, finalmente conversou com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na quarta-feira, após seis semanas de especulação. Agora vem a parte difícil em sua tentativa de arrumar um fim para a guerra após 14 meses.

O anúncio feito em um comunicado para a imprensa na noite de quarta em Pequim rapidamente desviou a atenção de um imbróglio causado pelo embaixador chinês na França, Lu Shaye, que questionou a soberania das ex-repúblicas soviéticas. Por mais que o governo tenha se distanciado do comentário, prejudicou a cruzada de Xi para retratar a China como uma parte neutra na guerra — principalmente devido à sua relação próxima com o presidente russo, Vladimir Putin.

Xi disse a Zelensky que as negociações são a "única saída viável para a crise ucraniana", enquanto o presidente ucraniano se referiu à ligação como uma "conversa produtiva de uma hora". Ainda assim, Zelensky ressaltou seu antigo argumento de que não pode haver paz a menos que a Rússia devolva os quatro territórios unilateralmente anexados em setembro — Kherson e Zaporíjia, no sul, e Luhansk e Donestk, no leste —, além da Crimeia, que os russos ocuparam de forma similar em meio ao caos no governo ucraniano em 2014

Para além de vagos chavões sobre a paz, que foram definidos do plano de Xi para a paz, cujos 12 pontos foram apresentados no primeiro aniversário do conflito, em 24 de fevereiro, autoridades chinesas no comunicado à imprensa se esquivaram ou ignoraram perguntas sobre quando um enviado chinês visitará a Ucrânia. 

Também não responderam quais países podem se juntar à iniciativa, por que levou tanto tempo para Xi ligar para Zelensky e, crucialmente, se Pequim apoiaria tentativas russas de manter territórios anexados.

Em um briefing regular à imprensa nesta quinta, a Chancelaria ainda não tinha mais detalhes para oferecer. Tudo será revelado no "tempo certo", disse a porta-voz Mao Ning.

A Chancelaria russa disse que vê "ampla ressonância" entre suas visões sobre o imbróglio e o plano de paz proposto pela China. O documento pede um cessar-fogo, defende a integridade territorial — sem esclarecer como isso se aplicaria aos territórios ucranianos anexados por Moscou — e oferece benefícios à Rússia com a suspensão das sanções internacionais.

A porta-voz Maria Zakharova, contudo, disse que há pouca esperança para conversas neste momento devido às "demandas irreais" dos ucranianos. A devolução dos territórios ocupados é algo que Kiev afirma ser inegociável.

'Quilômetros de distância'

Para Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie para Rússia e Eurásia, "todos os pontos fundamentais são os mesmos":

— A Ucrânia está se preparando para uma contraofensiva, a Rússia não está buscando uma resolução para o conflito e há quilômetros de distância entre os lados sobre o que uma resolução final pode ser — disse ele, após a conversa entre Xi e Zelensky. — Ao mesmo tempo, há uma pressão crescente para que a China mostre que está muito investida nesta resolução pacífica e que não está do lado da Rússia.

Desde que a guerra começou em 24 de fevereiro de 2022, a China ecoa a retórica de Moscou que culpa a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pela crise com sua expansão para as fronteiras russas. Também amplifica a desinformação do regime de Putin, incluindo que os Estados Unidos têm laboratórios biológicos na Ucrânia, e não se refere ao imbróglio como uma "guerra".

Uma pista sobre o que se passa pela cabeça de Xi pode vir da nomeação de Li Hui para chefiar a delegação na Ucrânia. O diplomata passou 16 anos de sua carreira trabalhando na União Soviética ou na Rússia, e foi embaixador chinês em Moscou de 2009 a 2019.

Durante suas missões, supervisionou o incremento das relações bilaterais para uma "parceria estratégica e compreensiva de coordenação", frase que sinaliza que as relações com um dado país estão nos maiores patamares de importância. Putin o agraciou com a Ordem da Amizade, que a Rússia concede a pessoas que fizeram grandes esforços para promover os laços com seu país.

Li é descrito por Philippe Le Core, pesquisador do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática, centro de pesquisa sediado nos EUA, como um "peso-pesado da diplomacia chinesa". A conversa entre Xi e Zelensky, afirmou ele, provavelmente já estava em vias de ser agendada antes da gafe de Lu, o embaixador na França — faz semanas que há notícias sobre a intensificação das conversas entre partes de ambos os lados.

Macron e Lula

A visita de Xi a Moscou no mês passado e suas muitas interações com Putin "todas tiveram um impacto muito negativo na reputação e na imagem da China, particularmente na Europa", disse Le Corre.

— De muitas formas, esta é uma forma de mostrar boa vontade para os europeus.

Ainda assim, não está claro qual é o caminho adiante. Xi tenta construir um momento mais amplo para um impulso pela paz, cortejando visitantes importantes até Pequim. Entre eles, o presidente francês Emmanuel Macron — um dos maiores defensores de uma União Europeia mais forte e menos dependente dos EUA na sua segurança e política externa — e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O esforço foi descarrilado pela entrevista de Lu a uma emissora francesa, que foi ao ar em 21 de abril. Nela, o diplomata afirmou que antigas nações soviéticas não são Estados soberanos, contrariando um reconhecimento que seu próprio país faz desde 1991. Isso forçou Macron, que já recebia críticas internas por sua proximidade de Putin, a condenar as declarações.

Xi tomou um passo para esclarecer o mal-entendido no seu telefonema com Zelensky, afirmando que "respeito mútuo pela soberania e integridade territorial estão na fundação política das relações sino-ucranianas".

Se a China conseguirá ou não fazer Rússia e Ucrânia chegarem a um consenso sobre soberania territorial, no entanto, ainda permanece uma grande dúvida. Por mais que Xi tenha conseguido algumas vitórias diplomáticas recentemente, incluindo a mediação da histórica retomada da relação diplomática entre Irã e Arábia Saudita, não são muitas as apostas de que terá sucesso em convencer Putin e Zelensky a encontrarem um meio-termo.

— Os chineses vêm debatendo os prós e contra de se engajar diplomaticamente na crise russo-ucraniana já tem algum tempo, mas viam riscos consideráveis de, por um lado, alienar Putin. Por outro, de ser responsabilizado pela intransigência [russa] — disse Daniel Russel, ex-assistente da secretária de Estado para Assuntos do Leste Asiático e do Pacífico dos EUA durante o governo do ex-presidente Barack Obama (2009-2017). 

— Mais do que isso, ao contrário dos sauditas e iranianos, Moscou nem Kiev estão prontas para pararem de brigar.


Fonte: O GLOBO