Deputado estadual bolsonarista se elegeu no Paraná em 2018 com ataques às urnas eletrônicas e foi cassado em 2021
O caso do deputado bolsonarista Fernando Francischini, que foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em outubro de 2021, serviu como precedente para o Ministério Público Eleitoral se manifestar pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) na quarta-feira. Francischini foi eleito deputado estadual no Paraná em 2018 e perdeu o mandato por ter divulgado fake news sobre fraudes nas urnas eletrônicas durante as eleições daquele ano.
Já Bolsonaro é alvo de uma ação no TSE por causa de uma reunião com embaixadores estrangeiros, realizada em julho de 2022 no Palácio da Alvorada, na qual também disseminou informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro. A ação, que deve ser votada no plenário da Corte até o início de maio, pode tornar o ex-presidente inelegível por oito anos.
Em seu parecer pela inelegibilidade de Bolsonaro, o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, sustentou, reproduzindo um trecho da decisão sobre Francischini, que “não há margem de dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação” quando essa prática tiver o objetivo de beneficiar o próprio candidato.
Para Gonet, ficou demonstrado que os discursos recorrentes de Bolsonaro contra as urnas eram uma estratégia para desacreditar o resultado das eleições em um contexto em que o principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, aparecia à frente nas pesquisas.
“Os elementos acrescidos a estes autos reforçam o juízo de que o discurso a respeito de uma prospectiva fraude antecipava uma temida vitória do principal adversário do Presidente da República (...). Percebe-se que essa era a linha de denúncia que já vinha sendo formulada desde antes do encontro com os embaixadores”, sustentou o procurador.
No entendimento de Gonet, ficou comprovado na ação que Bolsonaro teve condutas que feriram a legislação eleitoral e configuraram abuso de autoridade e de poder político, desvio de finalidade e uso indevido dos meios de comunicação.
Precedente
Em outubro de 2021, o plenário do TSE cassou Francischini e o tornou inelegível por 6 votos a 1. À época, já se dizia nos bastidores que a decisão da Corte era um recado para Bolsonaro, que sairia candidato à reeleição no ano seguinte e já colocava em dúvida as urnas eletrônicas.
As acusações contra Francischini eram similares às que o ex-presidente enfrenta agora: uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político.
No primeiro turno das eleições de 2018, quando ainda era deputado federal, Francischini fez uma live na qual disse, sem provas, que algumas urnas eletrônicas haviam sido fraudadas para impedir a eleição do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Vale lembrar que Bolsonaro acabou sendo eleito no segundo turno com mais de 57 milhões de votos.
— Agora é real, eu estou com toda a documentação da Justiça Eleitoral. Em primeira mão, urnas ou são adulteradas ou fraudadas, a gente tá [sic] trazendo essa denúncia gravíssima antes do final da votação —, declarou o delegado licenciado da PF nas suas redes sociais em 2018.
O relator do recurso de Francischini no TSE, ministro Luis Felipe Salomão, foi enfático em afirmar que todas as informações eram "absolutamente inverídicas" e foram utilizadas para a "autopromoção" do parlamentar, que acabou sendo eleito à Assembleia Legislativa do Paraná.
— O recorrido valeu-se das falsas denúncias para se promover como uma espécie de paladino da justiça, de modo a representar eleitores inadvertidamente ludibriados que nele encontraram uma voz para ecoar incertezas sobre algo que, em verdade, jamais aconteceu — afirmou Salomão.
Efeitos práticos
Na ação que corre no TSE sobre Bolsonaro, o vice-procurador-geral eleitoral apontou uma série de eventos relacionados à reunião com os embaixadores e afirmou que essa conduta efetivamente gerou desconfiança em parte da população.
“É fato notório que surgiram acampamentos e manifestações de rua animados por pessoas convictas de que as eleições haviam sido fraudadas. Estão ainda muito presentes e nítidas as imagens do dia 8 de janeiro último de destruição e de acintosa violência aos Poderes constituídos. A gravidade do discurso contra a confiabilidade do sistema de votação eletrônica não poderia ter mais expressiva exposição”, escreveu Gonet.
“Fatos relevantes” apontados pelo MPE:
- 'Live' sobre urnas: Na reunião com embaixadores, Bolsonaro citou uma "live" feita por um programador em outubro de 2018 na qual esse suposto especialista diz que é possível fraudar a eleição alterando o código-fonte das urnas. A acusação nunca foi comprovada e o próprio programador se desmentiu em depoimento à polícia
- Invasão hacker: O ex-presidente também disse aos embaixadores que o TSE sofreu uma invasão de hackers em 2018, mas omitiu que o tribunal afastou qualquer risco para a votação. O hacker teve acesso apenas a dados administrativos, e não às urnas.
- Ataques às urnas: Para a Procuradoria, Bolsonaro vinha formulando uma linha de ataques às urnas muito antes da reunião com embaixadores, como mostra uma entrevista a um programa televisivo em 4 de agosto de 2021.
- Discurso recorrente: Do mesmo modo, o órgão cita uma live transmitida por Bolsonaro em 12 de agosto de 2021, em que os mesmos temas apareceram
Procurada, a defesa de Bolsonaro afirmou que não poderia se posicionar sobre o parecer enquanto ele estiver em segredo de Justiça. A equipe do advogado Tarcísio Vieira de Carvalho Neto lembrou que protocolou nesta quinta-feira uma petição ao corregedor-geral do TSE, Benedito Gonçalves, para que fosse retirado o sigilo do processo.
Fonte: O GLOBO
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