Partido Socialista de Pedro Sánchez teve resultados aquém do esperado, enquanto o conservador Partido Popular e a sigla de extrema direita Vox tiveram bom desempenho

Após seu Partido Socialista (Psoe) sofrer uma derrota contundente nas eleições municipais e regionais de domingo, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez antecipou para o dia 23 de julho as eleições gerais que deveriam acontecer daqui a seis meses. 

A surpreendente e arriscada decisão do premier veio após uma noite ruim para sua legenda, em uma tentativa de evitar meses de desgaste que possam catapultar a direita e extrema direita fortalecidas pela vitória do fim de semana para uma maioria absoluta no Parlamento.

O primeiro-ministro, que está no poder desde 2018, disse em um pronunciamento que já havia informado o rei Felipe VI de sua escolha. Acostumado a jogadas arriscadas durante sua carreira política, o chefe de governo que é uma figura polarizante entre os socialistas afirmou que "tomou a decisão após observar os resultados da eleição de ontem [domingo]", tumultuado pelo escândalo de racismo contra Vinícius Júnior, craque do Real Madri.

— Como primeiro-ministro e secretário-geral do Psoe, eu pessoalmente me responsabilizo pelos resultados e creio ser necessário dar uma resposta e submeter nosso mandato à vontade popular — disse Sánchez, dissolvendo o Parlamento da quarta maior economia europeia. 

— Tudo isso demanda esclarecimento dos espanhóis sobre as forças políticas que devem liderar esta fase. O melhor é que os espanhóis tomem a palavra para definir o rumo político do país — completou, afirmando que "só há um método infalível, que é a democracia".

Após dizer previamente que pretendia governar até seus quatro anos até as eleições previstas para dezembro, a gota d'água para Sánchez foi a votação de domingo. Os eleitores foram às urnas em 12 das 17 regiões do país ibérico, duas cidades autônomas (Ceuta e Melilla, na costa norte do Marrocos) e 8.131 municípios, no que era visto como um termômetro dos humores espanhóis para o pleito inicialmente previsto para o fim do ano.

Nas eleições municipais, o Partido Popular (PP), principal sigla de direita da Espanha, teve 31,5% dos votos, contra 28,2% dos socialistas — os conservadores cresceram quase nove pontos percentuais desde a última eleição, em 2019, enquanto os governistas caíram 1,2 ponto. O terceiro colocado foi o ultraconservador Vox, que obteve 7,2% do voto municipal, percentual que há quatro anos foi de 2,9%.

O PP arrebatou prefeituras importantes do Psoe, como Valência — onde houve os ataques racistas contra Vini Jr. — e Sevilha, além de reconquistar com maioria absoluta o controle da cidade e da região de Madri. O resultado é um triunfo para a governadora Isabel Díaz Ayuso, uma estrela da direita que ofusca o líder partidário Alberto Núnez Feijóo e se projeta como uma possível premier.

O PP saiu na frente em seis regiões até agora sob controle socialistas: Comunidade Valenciana, Aragão, Extremadura, La Rioja, Baleares e Cantabria. Em muitas delas, contudo, precisará do Vox para governar — alianças que fortalecem a possibilidade de o casamento ser replicado no Palácio de La Moncloa, o que transformaria a sigla ultraconservadora no primeiro partido de extrema direita a formar uma coalizão de governo desde o retorno à democracia há mais de quatro décadas.

— Várias instituições passarão a ser administradas por novas maiorias formadas pelo PP e pelo Vox e, apesar de as eleições de ontem terem tido alcance municipal e regional, a direção do voto transmite uma mensagem que vai mais além — disse o premier.

Nem em Barcelona Sánchez teve trégua: a prefeita esquerdista Ada Colau foi derrotada por Xavier Trias, ex-prefeito nacionalista catalão. Ele, no entanto, precisará negociar para ter maioria na Assembleia Legislativa, processo que pode não ser muito fácil.

Aposta arriscada

A jogada de Sánchez, que desde 2019 governa em coalizão com o esquerdista Unidos Podemos (UP) e outras siglas minoritárias, busca tentar evitar que os meses de negociações para formar governos regionais piorem ainda mais um cenário já ruim. Em uma entrevista para o canal de televisão TVE, o analista político José Pablo Ferrándiz avaliou:

— Seis meses de pressão por parte de Núnez Feijóo e inclusive de seus parceiros de governo teria sido uma agonia sem muito sentido.

A jogada do premier, ainda assim, foi inesperada para um governo que conseguiu o menor nível de desemprego em 15 anos, inflação baixa e que em julho assume a Presidência rotativa da União Europeia (UE) — quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Madri no mês passado, a oportunidade de alavancar o pacto entre Mercosul e UE foi celebrada. Ela força os aliados a tomarem uma decisão rápida: ou se mobilizam para conter o avanço da direita e da extrema direita, ou abre alas para que elas tomem o poder na virada do semestre.

A opção ecoa a aposta tomada por Sánchez em 2019, quando também antecipou a votação apesar do prognóstico cinzento. Ele havia chegado ao poder meses antes, depois de uma moção de censura afastar o então premier Mariano Rajoy, do PP, após envolvimento em um esquema de corrupção. A jogada foi bem-sucedida após uma forte mobilização da esquerda espanhola, temerosa com a possibilidade de um governo do Vox, que no ano anterior havia tido um surpreendente resultado na Andaluzia.

Quatro anos depois, entretanto, o Vox é parte consolidada do cenário político europeu e o PP, que em 2019 havia sofrido os piores resultados de sua história nas eleições regionais e autônomas, se recuperou. Agora, a ascensão conservadora não é hipotética: segundo o cálculo do jornal El País, os votos que a direita e a extrema direita tiveram no domingo não seriam suficientes para uma maioria absoluta, mas as deixariam perto.

"Por nada, nós não estamos desfazendo as malas... vamos voltar à campanha na Espanha", escreveu no Twitter Iván Espinosa De Los Monteros, líder do Vox.

Havia outras decisões que poderiam ser tomadas, como uma troca de Gabinete ou mudanças nas alianças, mas nenhuma tão drástica. Sánchez recorre ao tudo ou nada apostando que a base progressista despertará após relativa dormência durante o pleito regional e municipal e forçando a fragmentada esquerda a se reagrupar após ficar claro que a divisão ajudou a enterrá-la no domingo.

A secretária-geral do Podemos, Ione Belarra, anunciou que o partido já negocia um acordo de coalizão com a vice-presidente Yolanda Díaz, líder do Sumar, plataforma política das esquerdas — pela lei local, o acordo tem 10 dias para ser fechado antes do pleito. Em um tuíte, Díaz disse que "aceita o desafio" e que é tempo de "audácia":

"Contra a Espanha obscura de Feijóo. Vamos vencer, o povo está esperando", escreveu.

Tiro pela culatra?

Há o risco, evidentemente, que o tiro saia pela culatra em um momento no qual a direita está na crista. O PP e o Vox foram alavancados por sua oposição a Sánchez e pelo movimento para "revogar o sanchismo", buscando capitalizar em cima do descontentamento com os acordos políticos do premier, com os salários estagnados e a prevalência de empregos considerados de baixa qualidade. Denúncias de fraudes na votação antecipada pelos correios também prejudicaram o Psoe.

O primeiro-ministro foi alvo de críticas maciças dos mais conservadores após o governo revogou o crime de sedição, a principal acusação pela qual a Justiça espanhola condenou nove líderes separatistas catalães por seu papel na tentativa fracassada de independência da região em 2017. O alívio veio após Sánchez, sem maioria parlamentar, ser forçado a negociar com separatistas bascos e catalães para aprovar projetos de lei.

A parceria com o Podemos também é vista com alguma reticência, após o partido impulsionar uma controversa reforma na lei sobre crimes sexuais, que concretizou a falta de consentimento explícito como parâmetro para determinar se houve ou não crime de estupro. A lei, contudo, teve como consequência o alívio da pena de mais de mil de condenados, o que despertou meses de rixas na coalizão governista e levou o Psoe a trabalhar em conjunto com o PP para aprovar em abril mudanças na legislação.

Outro fator de peso foi o colapso da sigla de centro-direita Cidadãos, cujos eleitores migraram para o Vox e o PP. O partido afirmou que anunciará na terça se concorrerá ou não ao pleito de julho.

Outro fator é a repercussão causada pelos ataques racistas contra Vini Jr., que desencadearam críticas internacionais e levantaram debates sobre o racismo na sociedade espanhola. O episódio escancarou os laços de Javier Tebas, o presidente da La Liga, com o Vox, assunto que chegou à campanha: o porta-voz do Podemos, Pablo Echenique, chegou a dizer ao jornal El Mundo que "os nazistas que insultaram Vinícius vão votar como Tebas no domingo".


Fonte: O GLOBO