Peritos que atuam em laboratório de alta tecnologia da polícia farão banco de dados que permitirá investigar se uma joia ou pepita vem de terra indígena

A ofensiva do governo para conter o garimpo ilegal vai ganhar uma nova frente. A Polícia Federal trabalha para concluir até o fim do ano o mapeamento dos tipos de ouro existentes no solo das diferentes regiões do país para montar uma espécie de “ouroteca”. O plano é utilizar as informações desse grande banco de dados para identificar, por exemplo, se uma joia ou uma pepita vieram de uma terra indígena, o que é irregular, ou de uma área de exploração legalizada.

A categorização é possível porque cada fragmento de ouro possui uma espécie de digital — uma característica química única ligada ao lugar de onde ele é extraído da natureza. O levantamento das variedades do minério encontradas em território nacional está sendo feito pelo Setor de Perícias em Geologia da Polícia Federal, que mantém um laboratório de alta tecnologia no Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília.

— Estamos identificando o DNA do ouro com a ajuda de equipamentos que fazem a análise isotópica e conseguem apontar se um lingote apreendido, por exemplo, tem 70% de ouro da Terra Yanomani e 30% da jazida do Tapajós — explicou ao GLOBO o delegado Humberto Freire, chefe da diretoria de Amazônia e Meio Ambiente da PF.

De acordo com ele, o projeto é um dos considerados prioritários da corporação no combate ao crime ambiental. A meta da PF é concluir até o fim do ano o primeiro catálogo de perfis auríferos do país, com informações de pelo menos 15 estados. A ação faz parte do projeto chamado Ouro Alvo, que deve receber recursos do Fundo Amazônia, negociados com os Estados Unidos e o Reino Unido.

Para construir a “ouroteca”, os peritos precisam coletar amostras do solo e cruzar as suas características com a do ouro confiscado ou fornecido por empresas mineradoras. O ouro é analisado por meio de dois aparelhos eletrônicos — um raio-X que mede a fluorescência dos elétrons e um microscópio de varredura que permite visualizá-lo em formato de grãos. A análise permite identificar se a matéria-prima foi extraída de garimpo ou de áreas de mineração industrial — o equipamento consegue revelar traços de mercúrio, entre outros elementos.

— E cada grão de ouro conta a sua história. O ouro de garimpo, geralmente, tem os grãos mais arredondados e alongados, porque vêm de barrancos e leitos dos rios — disse o perito Ricardo Moraes, gerente do programa Ouro Alvo.

Os peritos marcaram para agosto uma expedição ao sul do Pará, que, segundo investigações, é a origem da maior parte do ouro ilegal extraído no país. A área abriga reservas indígenas dos povos Kayapó e Mundurukus.

Em janeiro de 2020, a PF prendeu no Aeroporto Internacional de Manaus dois homens que carregavam 35 quilos de ouro na bagagem — a carga seria encaminhada aos EUA. Eles apresentaram a documentação das pepitas, mas ao analisá-las os agentes detectaram marcas de oxidação e mercúrio, indícios de que era ouro de garimpo ilegal. A ação inspirou o início da Ouro Alvo. Em 2021, 221 quilos de ouro foram apreendidos pela corporação, maior quantidade da série histórica iniciada em 2010.

Dificuldade de rastreio


Em abril, peritos da PF acompanharam agentes na operação de desintrusão dos garimpeiros ilegais do Território Yanomami. Em helicópteros, eles desceram nas comunidades garimpeiras de Homoxi e Xitei para coletar exemplares dos solos e rochas. Até agora, a corporação já levantou 509 amostras em dez estados, incluindo Roraima e Amazonas, onde fica o território indígena.

Os criminosos veem o ouro como um atrativo devido à dificuldade de rastrear a sua procedência. É essa percepção que as autoridades pretendem mudar com o trabalho dos geólogos da PF.

Peritos avaliam joias sauditas

A mesma equipe da Polícia Federal que hoje mapeia os diferentes “DNAs do ouro”, extraído de terras indígenas no Brasil, tem trabalhado também na avaliação das joias sauditas recebidas pela comitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Como revelou o GLOBO, peritos viajaram na semana passada para Genebra, na Suíça, como parte da investigação sobre o conjunto. O objetivo é definir o valor das joias enviadas pela Arábia Saudita ao ex-presidente e à ex-primeira dama Michelle Bolsonaro. Os agentes estiveram na sede da Chopard, responsável pelas peças de luxo. Lá, eles pediram informações sobre o “valor artístico” e a documentação dos itens.

Inicialmente, as joias foram avaliadas em R$ 16,5 milhões, com base em valores de conjuntos semelhantes. A análise da equipe da PF, no entanto, indica que o valor pode superar esse montante.

O levantamento sobre o relógio e a escultura de cavalo, que compunham os itens trazidos ao Brasil, já foi finalizado. Falta verificar os preços do colar, do anel e do par de brincos, que têm demandado mais tempo porque cada pedra preciosa é periciada individualmente com o auxílio de um microscópio eletrônico. A investigação é feita em cima de quatro características: quilate, cor, lapidação e pureza.


Fonte: O GLOBO