Danilo Rueda conversou com O GLOBO em Bogotá e defendeu uma nova política para o país, menos combativa e mais pautada no diálogo e na garantia dos direitos humanos para todos

Reconhecido por seu trabalho como defensor dos direitos humanos, Danilo Rueda é o braço direito do presidente Gustavo Petro na construção do auspicioso plano de “paz total” do novo governo colombiano, o primeiro de esquerda do país. 

À frente do Alto Comissariado para a Paz, órgão fundado em 1994 com status de ministério na Colômbia, ele tem a complexa missão de levar adiante as difíceis negociações de cessar-fogo com o Exército de Libertação Nacional (ELN) e outros grupos armados.

Na conversa com O GLOBO, no início de maio, em um café barulhento de Bogotá, Rueda defendeu uma nova política contra a violência – mais pautada no diálogo e nas garantias sociais do que no confronto entre Estado e paramilitares –, visando alcançar o que chamou de um “grande acordo ético nacional” para “reconstruir a democracia na Colômbia”. Também condenou a ação de grupos armados irregulares, mas não se furtou de criticar as Forças Armadas, que precisam de “mudanças doutrinárias”, afirmou.

A Colômbia possui um histórico de décadas de violência armada. No que a política de “paz total” do presidente Petro difere das iniciativas anteriores?

Todos os cenários de paz ou de construção da paz até hoje foram parciais, nunca se desenvolveram simultaneamente com vários grupos armados e de natureza tão diferente como agora. Estamos falando de grupos que dizem ter motivações políticas e outros que vêm de estratégias paramilitares, que geram outras formas de violência no campo e na cidade.

Como o governo pretende alcançar este cenário de pacificação nacional?

Primeiro, o programa de governo aborda raízes estruturais e históricas da desigualdade e exclusão na Colômbia, incluindo questões básicas como a fome, e reconhece a importância das políticas públicas para adolescentes e crianças, considerando que a maioria dos grupos armados irregulares se alimentam de jovens que não têm outras oportunidades. 

Segundo, deslegitima o uso da violência e aposta no diálogo por meio dos mecanismos contemplados na Lei 2.272/2022, que habilita o presidente a se engajar nas negociações de paz e autoriza o governo a estabelecer abordagens sóciojurídicas com grupos criminosos.

Os acordos de paz assinados em 2016 tiveram como efeito colateral a criação de grupos dissidentes. Como evitar que o mesmo aconteça agora?

Primeiro é preciso cumprir os compromissos firmados anteriormente. Houve diversas violações desde o início das negociações do acordo de 2016, como ausência de presença militar nos territórios deixados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), descumprimento das respostas aos acordos com as comunidades em questões socioeconômicas produtivas e das garantias judiciais para aqueles que deveriam ter sido anistiados e indultados, além de falta de diálogo sobre questões substanciais como mudanças doutrinárias na área militar e questões econômicas e políticas.

Quanto o governo já avançou nesse sentido?

Completamos nove meses de governo este mês com uma redução nos índices de violência como a taxa de homicídios provocados por grupos armados. Também houve uma redução substancial nos confrontos armados entre grupos irregulares e as forças públicas.

Há entre alguns grupos a sensação de que o governo Petro reduziu a atuação das Forças Armadas no combate aos grupos irregulares, o que estaria causando uma falsa impressão de “paz”...

Temos quatro meses de cessar-fogo com quatro grupos armados. As forças militares não podem argumentar que estão de mãos atadas, porque um cessar-fogo destina-se a proteger a população e os combatentes, mas não as impede de agir se observarem uma agressão. O que há é uma nova política do governo nacional em relação ao cultivo de folha de coca. 

Políticas de erradicação forçada foram um fracasso na Colômbia porque agiam contra o agricultor e não contra o traficante, que é quem de fato as forças públicas deveriam confrontar. Já a nova política tem resultados concretos na proteção dos direitos humanos da população, os militares não têm mais que entrar à força [nas terras] e isso faz com que o cidadão comece a recuperar a confiança [no Estado].

Em 124 municípios colombianos não há segurança para ações de desminagem humanitária. Como resolver isto?

A Colômbia é um Estado de direito com muitos estados onde a autoridade é exercida por um grupo armado irregular e a única presença institucional é a de uma força pública. Se um grupo irregular domina o território, como conseguir a legitimidade do Estado? Prendendo ou matando todas essas pessoas? Não, até porque são sempre capturados os peões, não os poderosos. 

Pela primeira vez, estamos tentando combater essa realidade com a presença social do Estado, visando um modelo de abordagem de segurança cidadã urbana e rural e a criação de uma Polícia da Paz. Queremos promover um grande acordo ético nacional que incluirá todos os partidos políticos sem distinção, comunidades locais, organizações sociais e expressões armadas que depuserem suas armas, para reconstruir a democracia na Colômbia.

Em dezembro, o ELN desmentiu um cessar-fogo anunciado pelo governo e, um mês depois, impetrou o ataque mais mortal desde que Petro chegou à Presidência…

Todos os grupos armados pretendem mostrar força antes de iniciar um cenário de conversa. O ELN não aceitou o cessar fogo e reagiu desta forma face aos golpes que tem recebido das Forças Armadas. Nosso país tem uma cultura política que entende as ações dos grupos irregulares sempre com uma visão negativa, mas olha de forma positiva as das forças do Estado. Nós, como governo, obviamente, condenamos o ataque do ELN. 

Mas o ELN não vê isso da mesma forma. Ele crê que este governo é idêntico a todos os anteriores e acredita que a melhor forma de chegar a um acordo de cessar-fogo bilateral é, a princípio, agindo de maneira hostil e operando militarmente em muitos territórios colombianos.

Assim será alcançada a paz?

É uma questão de ouvir as pessoas que moram nesses territórios violentos e de fazer com que os grupos armados entendam que existe um governo que abre as portas para eles e os convidam a fazer parte da mudança. O povo está cansado. As pessoas querem trabalhar na sua terra, ter o título de propriedade e ver os filhos estudarem. Pouquíssimos jovens ficam no campo hoje porque existe o medo de serem cooptados pelos grupos armados.

E se os diálogos não forem suficientes?

Se a esquerda armada, que se diz guerrilheira, não entender que o povo está cansado, o que veremos na Colômbia é mais uma vez o autoritarismo. Mas depois não digam que o governo foi o responsável. Eles têm muita responsabilidade no que está acontecendo hoje.


Fonte: O GLOBO