Corrida dos políticos nos EUA para aumentar o teto da dívida americana para impedir o corte de despesas do governo de Biden assusta os investidores
O custo do seguro contra um calote (default) dos títulos do Tesouro dos EUA agora eclipsa alguns mercados emergentes e até mesmo os papéis de países classificados como “junk” (porcaria em inglês) pelas agências de classificação de risco.
Tudo por causa de mais uma corrida dos políticos americanos contra o tempo para aumentar o teto da dívida americana antes que o governo do presidente Joe Biden fique sem dinheiro para gastar em meio à arrancada de sua campanha à reeleição.
A crescente ansiedade de investidores sobre a possibilidade do primeiro calote dos EUA encareceu o seguro para os Treasuries (como são chamados os papéis comprados pelos investidores que emprestam recursos para o país que tem a maior economia do mundo) em relação a títulos de nações com risco maior, como Grécia, México e Brasil, entre outros países. Alguns desses países têm classificações (ratings) de crédito muito abaixo da nota AAA dos EUA.
EUA nunca deu calote e temor não é exatamente este
Na verdade, poucos investidores duvidam que os EUA vão pagar suas dívidas. O país emissor do dólar, a moeda de maior aceitação global, nunca decretou um calote. Mas, mesmo uma inadimplência técnica — que significa apenas atrasar o pagamentos de juros e do principal de sua dívida — sacudiria o mercado de Treasuries, que tem um volume de nada menos de US$ 24 trilhões (ou R$ 118,7 trilhões) e se trata de um verdadeiro alicerce do sistema financeiro global.
Qualquer abalo nesse mercado tem reflexo nos mercados financeiros dos outros países. Para os detentores dos chamados credit default swaps (CDS), tal cenário resultaria em um retorno lucrativo.
-- Há uma espécie de aposta em CDS dos EUA -- disse John Canavan, analista-chefe da Oxford Economics. -- Não é uma aposta específica de que o Tesouro entrará em default e permanecerá inadimplente. Nesse sentido, é diferente de países como Grécia ou México, onde a preocupação seria a de que o governo entrasse em default e nunca pagasse, ou pagasse com um ‘haircut’”, o chamado desconto, disse.
Na última reviravolta em Washington, o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, teria dito que se opunha a uma extensão do teto da dívida de curto prazo, o que permitiria ao Tesouro tomar empréstimos até o final do ano fiscal em 30 de setembro.
O presidente dos EUA, Joe Biden, e republicanos do Congresso avançaram pouco na terça-feira para evitar um default, mas prometeram negociações sobre gastos que abririam as portas para um possível acordo.
Isso aconteceu depois que a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, repetiu seu alerta de que o Tesouro corre o risco de ficar sem espaço para não romper o teto da dívida já em 1º de junho — data em que o governo esgota suas opções de financiamento, comumente referido como “dia X”.
Não é a primeira vez
O imbróglio impulsionou a demanda por swaps de crédito dos EUA denominados em euros, os mais negociados. Esses contratos contra um evento de inadimplência nos próximos 12 meses eram negociados a 166 pontos-base mais cedo nesta quarta-feira, perto de um recorde e acima dos níveis durante os impasses anteriores do teto da dívida em 2011 e 2013.
A aposta decolou devido a uma peculiaridade do mercado de derivativos que permitirá aos detentores colher retornos consideráveis em caso de default. O retorno será igual à diferença entre o valor de mercado e o valor nominal do ativo subjacente, uma proposta atraente quando os Treasuries de longo prazo são particularmente negociados a preços baixos. O potencial retorno pode exceder 2.400%, de acordo com cálculos da Bloomberg.
“Coloquei certa proteção de grau de investimento CDX em meu fundo na semana passada, e vou buscar aumentar essa posição nas próximas semanas”, disse Luke Hickmore, diretor de investimentos da abrdn. Ele também reavalia sua exposição aos Treasuries, com preferência para títulos de prazo mais longo.
Os CDS dos EUA são principalmente denominados em euros, enquanto os dos mercados emergentes tendem a ser fixados em dólares. Mas, mesmo levando em conta essa diferença cambial, fazer seguro da exposição à dívida dos EUA por meio de CDS de um ano custa várias vezes mais do que no Brasil e no México, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Os volumes nocionais líquidos em circulação de CDS dos EUA agora também são comparáveis com muitos mercados emergentes maiores, em US$ 5,5 bilhões, de acordo com Simon Waever, analista do Morgan Stanley. Ironicamente, mercados emergentes serão os mais atingidos por quaisquer repercussões mais amplas.
“A história sugere que ativos de risco mais amplos, incluindo spreads de CDS soberanos de mercados emergentes, comecem a reagir um mês antes da data X”, disse Waever. “Essa é uma razão para esperar antes de acrescentar risco de crédito soberano de mercados emergentes.”
Fonte: O GLOBO
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