Com relação às queixas de diversos setores que temem perdas, Débora Freire, subsecretária de Política Fiscal da Fazenda, ressalta que é preciso pensar nos benefícios para o país a longo prazo
A economista Débora Freire foi para o governo levando na bagagem estudos sobre reforma tributária. Juntamente com Edson Domingues, da UFMG, sua pesquisa mostra que haverá melhora na distribuição de renda com devolução dos impostos para os mais pobres, que substituiria a desoneração da cesta básica. É um cashback que se discute estender a saúde e educação.
Ela afirma que a resistência dos setores que terão o imposto majorado será vencida com a perspectiva de mais crescimento e produtividade na economia. E defende que a reforma será um legado para o desenvolvimento econômico brasileiro, já que os efeitos não serão sentidos nesse governo.
Agropecuária, indústria alimentícia, saúde, educação, advogados, prefeitos... Há reclamações de todos os lados sobre a reforma tributária. Que concessões o governo está fazendo para vencer essa resistência?
O governo tem tentado avançar, da forma mais correta possível, a respeito dos impactos da reforma. No Ministério da Fazenda, há uma secretaria especial para dar respostas e subsídios para explicar a reforma e seus efeitos, amplamente estudados. As resistências serão trabalhadas a partir da democracia e do diálogo dos benefícios potenciais que essa reforma vai gerar. Todos os setores vão se manifestar nas audiências públicas.
A reforma implica um pacto social. Seus efeitos serão absorvidos no médio e longo prazo, com maior produtividade e crescimento econômico. Há alternativas estudadas em alguns setores, como saúde e educação privada, sobre o que o Estado poderá fazer para mitigar esses impactos de curto prazo. De fato, esses setores no curto prazo teriam aumento de alíquota.
Mas é importante frisar que, quanto mais diversificado for o sistema de alíquotas, mais mitiga o ganho potencial da reforma no crescimento, impondo um custo de eficiência em relação aos efeitos da reforma. No curto prazo, para impulsionar esses setores, há a política de cashback, de devolução dos impostos para as famílias.
Não há nada certo, se vai ser o cashback, ou um tratamento especial, ou outra forma. É uma resposta que está sendo construída com estudos e diálogo no Congresso.
A reoneração afeta diretamente o setor agropecuário, que tem reclamado do fim do benefício para a cesta básica.
O agronegócio ganha com a reforma, há ganhos de produtividade. E será ainda mais beneficiado por conta do cashback, já que os gastos das famílias mais pobres são maiores com os alimentos. A agropecuária tem uma cadeia muito grande. Uma vez eliminada a cumulatividade (impostos cobrados sobre valores com impostos), o setor se beneficia grandemente.
A reoneração da cesta básica viria em conjunto com o cashback, que daria mais foco ao benefício, uma vez que a isenção de impostos desonera as classes de renda da mesma forma. Estudos mostram que a desoneração não se reflete em grandes reduções de preços. Reoneração com essa devolução é uma política pública potencialmente mais efetiva.
Haverá também um período de transição, de seis anos, para que o setor possa absorver todos esses ganhos. O olhar não pode ser focado no curto prazo, tem que olhar para os setores. E já há o ganho de partida com redução da cumulatividade.
O que o governo está fazendo para engajar a sociedade em um tema tão árido?
A estratégia é comunicar de forma mais ampla os benefícios da reforma. Para a sociedade civil e até para o empresariado, é difícil perceber os benefícios, não há um ganho imediato. Há um período de transição de seis anos para absorver os efeitos potenciais. O governo está encampando uma reforma que traz grandes impactos de médio e longo prazos, com potencial de aumentar o crescimento potencial, renda e desenvolvimento.
O Ministério da Fazenda, encampando a proposta, está sendo honesto e corajoso por encarar uma discussão tão difícil como a reforma, mesmo que seus ganhos mais amplos só sejam sentidos no longo prazo. A reforma é um legado para o desenvolvimento brasileiro.
Como ficará a situação da Zona Franca de Manaus?
O modelo tem sido estudado, haverá de fato a manutenção da Zona Franca. Estamos trabalhando conjuntamente com os representantes da Zona Franca para pensar a melhor saída para essa questão. Será uma solução de consenso.
Como ficará a questão das renúncias tributárias na reforma, já que o Simples e a Zona Franca, as duas maiores, serão mantidas?
Gastos tributários têm um prazo legal que vai ser respeitado. No período de transição, ainda vão vigorar alguns benefícios. A reforma vai tornar mais transparente o sistema tributário, e há a previsão de um fundo de desenvolvimento que inverte a lógica de incentivo. Serão mantidos os prazos legais, mas estamos encampando uma reforma que vai trazer mais luz ao dar mais transparência para os benefícios tributários.
Prefeitos, principalmente os de grandes cidades, têm se colocado contra a reforma, pela perda de receita e do poder de tributar. Como está a negociação com eles?
É uma questão pacificada. Tivemos vários encontros oficiais com prefeitos. Estamos mostrando os principais ganhos. Os pesquisadores Sergio Gobetti (economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea) e Rodrigo Orair (diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária), notoriamente reconhecidos, mostram que 85% dos municípios saem ganhadores com a reforma.
Um município pode ter um crescimento menor em comparação com outros, mas todos ganham. É consensual. Mesmo os de grande porte vão ganhar com o crescimento.
A votação do arcabouço ajuda a acelerar a reforma?
São temas fiscais, mas distintos e isolados. A reforma tributária vai trazer mais crescimento econômico e pode beneficiar o arcabouço, apesar de a reforma ser fiscalmente neutra, não ter aumento de carga tributária. O benefício virá do aumento do PIB potencial, com ampliação da base.
A reforma auxilia por dar mais folga para equilibrar as contas públicas. São temas independentes que se comunicam. Um sistema tributário mais eficiente e mais simples obviamente tem maior potencial de crescimento, o que ajuda o fiscal.
A política para o carro popular trará mais renúncias fiscais. Não prejudica a reforma tributária?
Como os demais benefícios, é temporário e teremos um período de transição da reforma. O carro popular é um projeto temporário e não implica qualquer entrave. É uma prioridade importante no Brasil fomentar o uso de transporte que seja mais sustentável.
Fonte: O GLOBO
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