À frente da gigante norueguesa de insumos agrícolas, que produz no Brasil e tem aqui seu maior volume de vendas e 10% de suas receitas, Marcelo Altieri explica que é difícil reduzir a dependência externa do agro nessa área
Gigante do setor de fertilizantes, a norueguesa Yara tem no Brasil sua maior operação em volume nos mais de 120 países onde comercializa seus produtos. Por isso, acaba de investir mais de R$ 2 bilhões na ampliação de sua unidade em Rio Grande (RS), como forma de reduzir a dependência do agro brasileiro de fertilizantes importados, sobretudo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, maior produtora global.
Em entrevista ao GLOBO, Marcelo Altieri, presidente da Yara Brasil, comemora a volta do interesse da Petrobras no setor e não descarta uma possível parceria com a estatal. Ele destaca que o país tem um grande potencial na produção de fertilizantes verdes, a partir de energia limpa, mas alerta que o país precisa de “um ambiente melhor” para atrair mais investimentos internacionais.
Como a empresa se reorganizou após a invasão da Ucrânia pela Rússia?
Antes da guerra, tínhamos uma parte importante das matérias-primas que vinham de Rússia e Bielorrússia (Belarus). Paramos completamente. Hoje, a dependência russa é zero. Não importamos nada e não temos relação comercial. Buscamos novos fornecedores de matérias-primas, como EUA, Canadá, Jordânia e partes da África.
Estamos em mais de 120 países onde comercializamos produtos e 60 onde temos operações próprias. Diversificamos o risco.
Planejam voltar a comprar da Rússia ou da Ucrânia?
Não se vê saída fácil para o conflito. A Noruega não é parte da União Europeia, mas segue as regulamentações e sanções. É também um tema moral. É difícil pensar que, de alguma forma, você está contribuindo para financiar a guerra comprando produtos de lá.
Como a Yara está posicionada no Brasil, que importa 85% do fertilizante que consome?
O mercado de fertilizantes esperado para este ano no Brasil é entre 44 milhões a 45 milhões de toneladas. No ano passado, foi em torno de 41 milhões de toneladas. Volta a crescer este ano, e a Yara segue a tendência desse mercado. A diferença é que temos plantas de produção aqui. Importamos matérias-primas, produzimos aqui e entregamos para o agricultor e nossos clientes.
No ano passado, ampliamos a capacidade de nossa unidade em Rio Grande, e este ano já vamos usar tudo. Investimos R$ 2 bilhões, passando de 600 mil toneladas de produção local para 1,1 milhão. É quase o dobro. É um exemplo de como estamos reduzindo a dependência global. Mas temos que receber matéria-prima, pois a Yara não atua na mineração.
Precisamos importar itens como fósforo e potássio. O nitrogênio é produzido aqui. Na unidade, ao todo, se levar em conta o volume de importação, o total de produção chega a 2,2 milhões de toneladas. O complexo conta com uma rede de 24 plantas no Brasil, como Cubatão e Sumaré ( SP) e Ponta Grossa (PR). Temos capacidade ociosa em algumas das plantas para continuar expandindo.
No governo anterior, foi criado um plano nacional para reduzir a dependência internacional de fertilizantes até 2050. Qual é a importância disso?
Não há uma solução para reduzir a importação de matéria-prima, de forma a reduzir a dependência internacional. Para isso, o Brasil deveria produzir mais matérias-primas como fósforo e potássio. Isso requer investimento em mineração. Hoje, há outros lugares no mundo onde você consegue fazer mineração com menor impacto ambiental.
O plano nacional de fertilizantes continua. O governo atual está muito ativo. Participamos das conversas, mas é algo de médio e longo prazo. Até 2050, não vemos um cenário que solucione rápido essa dependência do Brasil da importação.
Integrantes do governo Lula têm falado sobre a Petrobras voltar a investir nesse setor. Como vê essa possibilidade?
É fantástico, muito bom. O Brasil tem potencial para produzir alimentos e precisa de fertilizantes, da Petrobras ou de outra empresa que possa produzir. Vejo com bons olhos. Vai contribuir muito para a agricultura. E aí você começa verdadeiramente a reduzir a dependência estrangeira.
Se isso acontecer, a Petrobras seria uma concorrente ou parceira? A Petrobras tem falado em fazer investimentos com outras empresas.
Estamos todos juntos para desenvolver a agricultura no Brasil. O mercado cresce dois dígitos comparado ao mercado global. Mesmo que haja produção local, sempre vai precisar de importação. Precisamos estar todos juntos. Então, a Petrobras é uma boa parceira.
Somos um líder global de produção de fertilizantes e sempre estamos abertos a construir parcerias com o governo e com a indústria privada para desenvolver nosso negócio e a agricultura. Para nós, é maravilhoso poder construir uma parceria. Sempre estamos abertos a esses pontos.
A Yara compraria itens da Petrobras?
Podemos comprar ou não. Vai depender da competitividade. E não é só preço. É como podemos combinar os diferentes nutrientes para oferecer o melhor para o agricultor. Então, sem dúvida, vai ser uma boa alternativa não só para a Yara como para o agricultor.
No ano passado, a Yara estava conversando com a Petrobras para comprar uma planta no Paraná...
Não falo de especulações, mas sempre estamos, é verdade, analisando opções. E isso toda a indústria sempre faz.
A Yara investiu R$ 15 bilhões nos últimos dez anos. Quais os planos de novos investimentos?
Vamos capitalizar os investimentos já feitos, mas sempre estamos renovando nossas plantas e evoluindo nossos processos de produção. Investimos entre US$ 80 milhões e US$ 100 milhões todos os anos em nosso sistema no Brasil. É disso para mais, com renovação das linhas de produção, dos processos e ampliação da capacidade de armazenagem.
Qual a importância da Yara para o mercado no Brasil?
Hoje o Brasil representa 10% da empresa no mundo. Em volume, é o maior país. E também em número de empregos, com mais de seis mil. Há muitos players de fertilizantes no Brasil. É um mercado muito fracionado, com muitas empresas importando e participando. É muito concorrido. Hoje, o Brasil tem entre quatro e cinco empresas com participações semelhantes.
Qual é vocação do Brasil na área de fertilizantes?
O sistema agrícola no Brasil é muito resiliente. No auge da pandemia, o mercado continuou crescendo. O agricultor brasileiro está sempre na frente. E, agora, com a volta da normalidade, o crescimento só pode ser maior.
Aqui é uma grande terra da oportunidade para produzir mais alimentos, mas tem que evoluir para produzir não só de maneira sustentável, mas de maneira a devolver ao ambiente o que foi retirado no passado, com sistema de agricultura regenerativa. Essa é a oportunidade que o Brasil tem como o próximo passo.
Uma demanda do setor é a produção de fertilizantes verdes. A Yara pretende atuar nessa área?
Sim. Estamos evoluindo nosso modelo de negócio para deixar de ser uma empresa que só entrega fertilizante para o agricultor. Queremos criar um futuro alimentar positivo. Hoje há uma grande pressão para reduzir emissões (de gases estufa). Estamos redesenhando nossos processos produtivos para que em algum dia a produção seja 100% com energia renovável.
Hoje, por exemplo, usamos ferramentas digitais para permitem que o agricultor, com base em informações de satélite e de análise de solo, por exemplo, possa ter um uso mais racional e mais balanceado dos nutrientes.
Já reduzimos em 15% as emissões de produção em uma mesma propriedade e aumentamos entre 7% e 8% o rendimento. Estamos cobrindo 8 milhões de hectares com esse monitoramento. Acho que esse ano vai crescer 20%, para 10 milhões de hectares.
Esses agricultores já sentem pressão para ter processo mais sustentável?
Ainda não, mas em algum momento, quando você quiser chegar com seu produto a mercados como Europa, vai ter que justificar qual foi o volume de suas emissões. E se você emitiu mais, você vai ter que pagar uma tarifa. Fizemos uma pesquisa na Europa no fim do ano passado, e 75% dos consumidores finais já querem ver na embalagem quais foram as emissões desse alimento. E 50% estavam dispostos a pagar um preço maior.
Então, o investimento em sustentabilidade vai ser um fator de competitividade?
Será, em mercados que estão mais evoluídos nessa regulamentação.
E quais as fontes de energia que a empresa usa hoje?
Hoje, usamos o gás natural na captura do nitrogênio na atmosfera para produzir amônia. Essa amônia depois é transformada em nitrato de amônia, que é o produto que o agricultor utiliza. Hoje esse processo é 100% a gás natural, mas vamos eliminar essa dependência e começar a usar energia renovável.
No Brasil, vamos usar o biometano (em parceria com a Raízen) que é gerado pelos resíduos da cultura da cana-de-açúcar. Vamos fazer isso no fim deste ano na planta de Cubatão. Estamos buscando interação com toda a indústria e o governo para gerar novas regulações e ter mais disponibilidade desse tipo de energia. Em outras partes do mundo, produzimos amônia verde, por exemplo, a partir de energia solar, eólica e hídrica.
O que falta no Brasil para isso?
Falta muita coisa. Nos EUA, estamos usando gás para produzir amônia verde, mas o CO2 é injetado novamente no campo em terra. É importante que o governo faça parte da contribuição nesse tipo de investimento para transformar energias fósseis em limpas, como faz a Alemanha. O Brasil hoje tem que concorrer com outros países do mundo que estão na frente e fazendo marcos melhores para o investimento.
Não somos uma empresa de energia, mas as empresas de energia fazem investimentos onde têm um pouco mais de apoio. O Brasil tem que gerar um ambiente melhor para receber investidores. E ter leis que apoiem e incentivem os investimentos aqui. O Brasil tem um potencial enorme, mas hoje não tem um sistema competitivo com os que outros governos têm no mundo.
Acho que tem uma oportunidade para o Brasil, pois os outros países não têm a competitividade que o país tem na produção de alimentos. Estamos abertos a outras fontes além do biometano, mas depende do projeto. Na Austrália, usamos energia solar. Na Noruega, utilizamos fontes hídricas para gerar eletricidade.
Mas o Brasil vai ter muita oferta de gás com o pré-sal. O senhor acredita que é factível usar esse gás para a produção de fertilizantes?
É necessário para fazer a transição energética até que se tenham novas soluções. A dependência do gás ainda é global e ainda vai ser por um longo tempo. É uma oportunidade para desenvolver a indústria.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários