Ao Financial Times, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais afirmou que esforços ocidentais para enfraquecer Moscou remetem à situação alemã na 1ª Guerra
O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, afirmou que o Ocidente deve "levar em conta" as preocupações de segurança da Rússia para que haja um cessar-fogo na guerra na Ucrânia. Em uma entrevista ao jornal britânico Financial Times, ele afirmou Kiev é uma "vítima dos resquícios da Guerra Fria", mas que os esforços para enfraquecer Moscou remetem às ações contra a Alemanha no fim da Primeira Guerra Mundial — "e nós sabemos onde isso terminou".
De acordo com o ex-chanceler, que é parte-chave da estratégia de Lula para a invasão russa na Ucrânia, a postura beligerante dos aliados de Kiev ameaça desencadear um conflito ainda maior.
— Nós não queremos uma Terceira Guerra Mundial. E mesmo que ela não ocorra, nós não queremos uma nova Guerra Fria — disse Amorim ao FT. — Todas as preocupações de países da região devem ser levadas em conta se você quer paz. A outra única alternativa é a total vitória militar contra a Rússia. Você sabe o que vem depois? Eu não.
À publicação econômica, o assessor especial de Lula disse que a segurança nacional é uma das principais "preocupações" moscovitas, referindo-se aos planos ucranianos de se juntar à Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan). A expansão da aliança militar encabeçada pelos EUA, criada no fim da Segunda Guerra para conter o avanço da influência soviética em direção ao Ocidente, para perto das fronteiras russas, é motivo de críticas constantes do presidente Vladimir Putin.
Para justificar sua ofensiva, Putin afirma que com a queda do Muro de Berlim, a aliança havia se comprometido a não se expandir para o Leste Europeu — algo que não foi posto no papel e cuja veracidade é motivo de questionamentos. Há décadas, o crescimento gradual da aliança é vista pelo Kremlin como uma ameaça direta à sua segurança.
— Nós não podemos julgar a situação pelo último um ano e meio. Essa é uma situação de décadas, há preocupações que devem ser levadas em conta. Isso não é culpa da Ucrânia. A Ucrânia é uma vítima, vítima dos resquícios da Guerra Fria — afirmou Amorim, que viajou a Moscou em abril e foi a Kiev em maio.
Em uma entrevista concedida a veículos latino-americanos, entre eles a Folha de S. Paulo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, criticou a "narrativa recente" promovida "por alguém da América Latina ou da Ásia" de que "a guerra ocorre porque a Ucrânia quer entrar na Otan". Segundo ele, seu país quer aderir ao grupo porque, "geopoliticamente, está na Europa, onde está a maioria dos países da aliança".
— E se não for a Otan, qual é a outra aliança ou instituição que vai nos defender? Como a Ucrânia vai se proteger de provocações? Ninguém ataca os países da Otan — afirmou ele, referindo-se indiretamente ao artigo 5, pedra angular do Tratado, que estabelece que um ataque contra um equivale a uma agressão contra todos.
Para Amorim, a política externa intervencionista dos EUA para a América Latina durante a Guerra Fria não afeta a visão de Lula sobre o confronto no Leste Europeu. Contudo, afirmou que a estratégia ocidental frente ao conflito, garantindo armas a Kiev e aplicando uma enxurrada de sanções contra a Rússia, é perigosa.
— Eu me lembro da situação na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. O objetivo era enfraquecer a Alemanha no [Tratado de] Versalhes. E nós sabemos como isso terminou — afirmou Amorim, referindo-se ao pacto assinado em 1919, cujos termos estabeleciam a Alemanha como responsável pelo conflito e pela reparação dos prejuízos de guerra, além de impor perdas territoriais.
A entrevista do ex-chanceler ocorre em meio às tentativas do governo brasileiro de promover seu plano de criar um clube de nações neutras no conflito para negociar a paz, sentando ambos lados à mesa para conversar sem pré-condições. Os ucranianos demandam que os russos saiam completamente de seu território, entre eles a Península da Crimeia, anexada unilateralmente em 2014, e as regiões de Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Luhansk, submetidas a um processo similar setembro passado. Os russos, contudo, recusam-se.
Os esforços de Lula, contudo, foram ofuscados primeiro por suas declarações controversas sobre o conflito: durante sua visita à China e aos Emirados Árabes Unidos em abril, afirmou que russos e ucranianos têm responsabilidades similares na guerra e culpou o Ocidente por prolongar a guerra. No mês passado, teve um desencontro com Zelensky na reunião do Grupo dos Sete (G7), em Hiroshima, no Japão.
A reunião entre os dois não ocorreu após um vaivém de versões, de acordo com informações apuradas pelo GLOBO. Segundo fontes do governo brasileiro, que havia sido informado ao menos duas vezes desde janeiro sobre a possibilidade da viagem de Zelensky, três horários foram apresentados para o encontro, e ambas partes teriam concordado em realizá-la às 18h de domingo, 21 de maio.
Os ucranianos, contudo, teriam pedido duas vezes para adiantar a bilateral, antes de pararem de responder às mensagens. Indagado na ocasião se estava decepcionado pelo desencontro, o presidente ucraniano minimizou afirmando achar que Lula "ficou desapontado". O petista, por sua vez, afirmou que não estava decepcionado, mas "chateado" e que "Zelensky é maior de idade, sabe o que faz".
Em sua entrevista aos veículos latino-americanos, Zelensky afirmou que "definitivamente não foi por nossa causa" que o encontro não aconteceu. De acordo com o presidente ucraniano, quem disse que "não havíamos tentado nem nos esforçado" para encontrar Lula "não é gente séria, substantiva", afirmando que ainda deseja se sentar com o presidente brasileiro.
Fonte: O GLOBO
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