Defesa diz que peças sempre estiveram ‘à disposição’ e ressalta que TCU ainda não indicou todos os objetos a serem devolvidos

Cinco presentes dos Emirados Árabes Unidos recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro estão na mira da Polícia Federal. Assim como as joias da Arábia Saudita, as peças foram incorporadas ao acervo privado do ex-mandatário e chamaram a atenção dos investigadores, que solicitaram mais informações sobre os itens.

As cinco peças são um relógio de mesa cravejado de diamantes, esmeraldas e rubis; três esculturas, sendo uma feita de ouro, prata e diamantes; um incensário de madeira dourada. Os conjuntos foram destinados a Bolsonaro em duas viagens diferentes aos Emirados Árabes, em novembro de 2021 e em outubro de 2019. Os valores dos itens não foram registrados pela Presidência da República.

Uma das peças sob análise da PF é um relógio de mesa dado pelo príncipe dos Emirados Árabes Unidos Mohamed Bin Zayed Al Nahyan. Segundo a descrição feita pelo Gabinete de Documentação Histórica da Presidência, o objeto de 61 centímetros de altura foi "confeccionado em prata de lei com banho de ouro, cravejado com diamantes, esmeraldas e rubis".

O presente possui ainda um "domo ornado com arabescos em prata e ouro", representando o edifício Qasr Al Watan, localizado em Abu Dhabi. As bases são compostas "com elementos fitomórficos (em formato de plantas) dourados cravejados com diamantes, rubis e esmeraldas, tendo fundo esmaltado em verde".

Na mesma viagem aos Emirados Árabes Unidos, Bolsonaro também ganhou outro presente do vice-ministro Mansour Bin Zayed Al Nahyan: uma escultura de 25 centímetros, talhada em aço, prata, ouro e diamantes, com figuras de animais. 

Essa peça, de acordo com o detalhamento feito pela Presidência, exibe "árvores em prata e ouro e, no interior, representação de gazelas, órix, cavalos, bodes, cabras e flamingos em prata entre palmeiras". Na base, há a representação de peixes, golfinhos e tartarugas. E, na parte de baixo, a peça mais cara — "uma bandeira dos Emirados Árabes Unidos, em suas cores, cercada por diamantes", diz o documento.

A viagem oficial na qual Bolsonaro recebeu esses dois itens foi realizada de 12 a 18 de novembro de 2021. Naquela ocasião, o então presidente visitou Dubai e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes; Manama, no Bahrein; e Doha, no Catar. Essa viagem ao Oriente Médio tinha como objetivo estreitar laços comerciais e captar investimentos para o Brasil.

Os outros três itens na mira da PF foram entregues em 2019 pela embaixada dos Emirados Árabes no Brasil e por autoridades durante uma viagem de Bolsonaro a Abu Dhabi. Um deles é uma escultura de navio antigo, com 54 centímetros, feita de metal.

O outro representa um falcão sobre um pedestal de 120 centímetros de altura, constituído de madeira e metal. Há ainda um incensário de 20 centímetros, formado por "metal prateado e dourado".

As cinco peças analisadas pela PF se encontram na fazenda de propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, que fica numa área nobre de Brasília. O imóvel fica a menos de 100 metros da entrada do condomínio onde mora atualmente o ex-presidente. No fim do ano passado, o estafe de Bolsonaro enviou à Fazenda Piquet 175 caixas, com mais de nove mil presentes recebidos ao longo dos quatro anos de mandato.

Os advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, que representam Bolsonaro, negam qualquer irregularidade. 

Em nota, eles afirmaram que pediram ao Tribunal de Contas da União (TCU) que indicasse quais objetos incorporados ao acervo privado do ex-presidente deveriam ser devolvidos, "medida absolutamente necessária, visto que o ex-presidente recebeu mais de 9 mil presentes". Segundo os defensores, "até o momento o TCU não indicou os referidos itens (os cinco presenteados pelos Emirados Árabes), que, como sempre, estiveram à disposição".

Em março deste ano, por determinação do TCU, o ex-presidente devolveu dois kits de joias oriundos da Arábia Saudita que haviam sido incorporados a seu acervo privado, além de armas recebidas dos Emirados Árabes. 

O presidente do Tribunal de Contas, ministro Bruno Dantas, afirmou durante a análise do caso que, “de acordo com a jurisprudência desta Corte de Contas desde 2016, para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade, é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário”.

Um terceiro kit de joias sauditas já havia sido apreendido pela Receita Federal em 2021, no Aeroporto de Guarulhos (SP), onde um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou entrar no país sem declarar os itens ao Fisco, conforme revelou o jornal "O Estado de S. Paulo".

Essa retenção acabou gerando a abertura da investigação da PF para apurar se Bolsonaro praticou peculato, pela suposta tentativa de desvio de bens públicos para patrimônio privado, e um dos delitos previstos na lei que define os crimes contra a ordem tributária ("patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público"), cujas penas podem ir a até 12 anos e 4 anos de prisão, respectivamente.

A apuração já ouviu todos os envolvidos no caso, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro. Falta ainda concluir o laudo mercadológico dos três estojos das joias, que está sendo elaborado pelos peritos do setor de geologia da Polícia Federal. Um dos últimos ofícios anexados aos autos é um parecer da Receita Federal, dizendo que todo presente destinado à Presidência da República "deverá ser informado à autoridade aduaneira na sua chegada".


Fonte: O GLOBO