Poucos troféus do torneio carregam tanto significado para o futebol quanto este

Todo campeonato conquistado é importante para alguém — treinadores, jogadores e torcedores —, mas nem todo campeonato é marcante para a História, com agá maiúsculo e a pretensão, talvez tola quando criada imediatamente após o fato, de delimitar uma era. 

Veja que a Liga dos Campeões é disputada todos os anos. Há um vencedor para cada edição. Mas poucos troféus do torneio carregam tanto significado para o futebol quanto o que acaba de ser levantado pelo Manchester City.

A história deste City começou a ser redigida 15 anos atrás, quando o clube foi comprado pelo fundo de investimentos que representa, em última instância, os interesses dos Emirados Árabes. Em 2008, o futebol era bastante diferente. 

O Manchester que se projetava como maior clube do mundo era o outro da cidade, vermelho e branco, o United. Pep Guardiola ainda era um técnico jovem, em ascensão no Barcelona. Fora o fato já citado de que, bem, clubes de futebol não pertenciam a países.

Embora possa parecer muito tempo para a maioria de nós — eu mesmo estava só no segundo ano da faculdade, morava com mãe e irmãs e não tinha ideia do que faria da vida, e você? —, 15 anos não é quase nada para a História, convenhamos. 

Mas veja a quantidade de mudanças que o futebol sofreu nesse período. O United já não assusta ninguém e só se mantém altivo na lista de maiores receitas. Guardiola revolucionou o jeito de jogar bola, num arco que teve Barça, Bayern de Munique e City.

Impensável até aquele momento, a compra de um clube por um Estado causou consequências em série. O Catar adquiriu o Paris Saint-Germain, a Arábia Saudita adquiriu o Newcastle, ambos fatos que provavelmente não existiriam se lá atrás, em 2008, o City não tivesse sido o primeiro. 

A gastança desses países no futebol causou enorme inflação, sobretudo na compra e venda de jogadores, e motivou a criação de um sistema de fair play financeiro europeu, que seria burlado pelo próprio City.

Foi também este clube, neste breve período de 15 anos, que inaugurou junto da Red Bull o conceito de multinacional. 

Por que depender de terceiros para encontrar jogadores, tendo que pagar caro pelos direitos deles, se é possível deter a propriedade de vários clubes pelo mundo? Na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, na Oceania e recentemente até no Brasil, o City Football Group motivou bilionários e fundos de investimentos mundo afora a seguirem pelo mesmo rumo. Ditou tendência.

A diferença de Guardiola para outros técnicos que conquistaram títulos, seja lá quais forem, é que Guardiola mudou o futebol. A pressão para retomar a bola e controlar a partida, o número de passes, a intensidade na defesa e no ataque; o estilo de jogo idealizado por Johan Cruyff foi aplicado e aperfeiçoado pelo pupilo, hoje mestre. 

A diferença do City para outros clubes vencedores vai nessa mesma linha. O mercado do futebol foi definitivamente mudado, gostemos ou não, por esse projeto.

Vencer a Premier League sete vezes já era sucesso suficiente, mas faltava a Liga dos Campeões — mais difícil de superar tanto pela qualidade dos adversários quanto pela imprevisibilidade do mata-mata. Não falta mais. 

Nem para o City, nem para Guardiola, em sua terceira e mais vitoriosa versão. Muito dinheiro aplicado e nem tanto tempo depois, chegou ao auge o clube que vem mudando o futebol. Não curto superlativos e dramaticidades, mas disto não tenho dúvida: mais do que o desfecho de uma história, entre as tantas de todos os anos, estamos diante de um caso que mudou a História.


Fonte: O GLOBO