Jovem que trabalhava em organização social ligada à causa das mulheres relata perseguição seguida de fuga para o Brasil

No Brasil há três dias, o afegão Mohammad Panahi, de 26 anos, sorri ao mostrar à reportagem do GLOBO sua “nova casa” no país: um amontoado de cobertores e mochilas no terminal 2 do Aeroporto de Guarulhos, onde está desde o último dia 18 à espera de uma vaga em abrigo. 

Sem ter para onde ir e sem conhecer ninguém no país, o homem, formado em Direito, mostra-se esperançoso em começar uma nova vida, longe do Talibã, que o perseguiu por conta do trabalho que realizava em uma organização social que fazia ações de promoção de direitos das mulheres e de acesso ao ensino superior.

— Infelizmente, após a chegada do Talibã no Afeganistão, a nossa vida foi destruída. Um dia, eu não estava em casa, meu vizinho me ligou e disse: ‘não venha pra casa. O Talibã está na frente da sua casa e eles querem te prender porque eles viram no Facebook as fotos do seu trabalho’. Eles viram que eu trabalhava com pessoas que não eram muçulmanas e não eram afegãs e queriam me prender — relembra.

Somente com a roupa do corpo, em dezembro de 2021, Mohammad fugiu para o Irã. Para chegar até lá, disfarçou-se usando uma barba e depois conseguindo uma roupa típica do Talibã. Sua irmã conseguiu encontrá-lo escondida para entregar-lhe seu passaporte. Posteriormente, sua família — pais, duas irmãs e um irmão — também foram para o Irã, onde seguem até agora. Ele ficou sabendo que o Brasil concedia vistos humanitários pelas redes sociais, por isso entrou na fila para conseguir o benefício.

— A situação dos afegãos no Irã é muito ruim, porque eles não têm direito a estudar lá, e têm que trabalhar muitas horas por dia por um salário muito, muito baixo. Meu objetivo é que minha família venha para o Brasil e saia do Irã porque as condições lá são muito ruins. No Irã, você precisa de um cartão para comprar pão. Mas os afegãos não podem ter conta bancária lá, então como eu vou ter um cartão? Infelizmente minha família não veio, é muito dolorido — diz.

Nesta sexta-feira, uma ação da Agência de Refugiados das Nações Unidas (Acnur) em parceria com a ONG Aldeias Infantis SOS levou 25 afegãos que estavam no aeroporto para um abrigo em Poá, na região metropolitana de São Paulo. Mas a acolhida foi voltada a famílias com crianças e adolescentes, portanto os homens solteiros seguem acampados e sem lugar para ir.

Nos três dias que vive em solo brasileiro, ainda que não tenha saído do aeroporto, Mohammad teve uma experiência positiva com os brasileiros, a quem chama de pessoas “muito boas, felizes e pacientes”. Quando a reportagem perguntou se ele aceitaria tirar fotos, não conteve a animação:

— Eu tenho uma liberdade agora que o talibã não pode me tirar, eles não podem me prender agora. Posso tirar quantas fotos eu quiser.


Fonte: O GLOBO