Ao todo, dos cem rendimentos mais altos este ano — que totalizam quase R$ 38 milhões —, 77 são de juízes ou desembargadores das duas cortes

Os tribunais de Justiça de Rondônia e do Rio Grande do Sul encabeçam a lista de maiores remunerações pagas pelo Judiciário em 2023. Ao todo, dos cem rendimentos mais altos este ano — que totalizam quase R$ 38 milhões —, 77 são de juízes ou desembargadores das duas cortes. 

Os valores variam de cerca de R$ 300 mil a quase R$ 900 mil e superam, com folga, o teto constitucional de aproximadamente R$ 41 mil, que é definido tendo como base os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O órgão com mais tem magistrados no "top 100" é o TJ de Rondônia, com 39 nomes. O tribunal desembolsou cerca de R$ 15,5 milhões para fazer esses pagamentos, que variam entre R$ 360.657,96 e R$ 478.008,40.

A presença de Rondônia em um ranking de maiores remunerações no Judiciário não é um fato inédito. Em 2017, o tribunal local registrou o maior rendimento do país. Lá, a remuneração média dos magistrados era, à época, de R$ 68,8 mil, somando os salários e os benefícios ocasionais.

Em 2022, o Judiciário do estado também pagou mais de R$ 1 milhão em extras a um grupo de oito juízes aposentados e herdeiros de magistrados do estado, referentes a benefícios de auxílio-moradia não recebidos entre 1987 e 1993. Para os pagamentos deste semestre, o TJ-RO esclarece que os valores que superam o teto "se referem a direitos eventuais, pessoais ou indenizações, pagamentos amparados por lei".

O segundo órgão com mais servidores entre os beneficiados pelas maiores remunerações do Judiciário em 2023 é o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que desembolsou cerca de R$ 12 milhões com repasses para 38 magistrados. O pagamento mais alto foi feito no mês de abril, de R$ 662.389,16.

Também aparecem no ranking dos cem maiores pagamentos magistrados dos tribunais de Justiça de Minas Gerais (5), do Pará (4), do Rio de Janeiro (2) e do Tocantins (1). Há ainda servidores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.

A análise usou como base os dados de remuneração dos magistrados disponíveis no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que compila informações de 74 tribunais do país, o que equivale a 80% das cortes brasileiras. O ranking foi feito tendo como parâmetro a remuneração líquida dos profissionais nos últimos seis meses.

Via de regra, os pagamentos aconteceram em apenas um mês do semestre e não são contínuos. Eles juntam o salário regular dos magistrados com direitos como férias e 13° salário, além de pagamentos eventuais, que podem ser diárias, auxílio-moradia, licenças-prêmio convertidas em dinheiro e adicionais por tempo de serviço recebidos retroativamente. A exceção fica por conta de um magistrado que aparece duas vezes na lista das cem maiores remunerações, indicando que teve os ganhos elevados duas vezes no semestre.

O maior salário foi pago pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: pouco mais de R$ 887 mil. A corte afirmou, em nota, tratar-se da soma de "indenização de 240 dias de férias, com o respectivo terço constitucional, 210 dias de licença especial e 99 dias de plantão não usufruídos quando em atividade". Sem essas verbas indenizatórias, o magistrado teria recebido R$ 35.912,48, segundo o TJ-RJ.

Na última semana, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu cinco leis de Goiás que permitiam que os servidores públicos daquele estado recebessem salários acima do teto do funcionalismo público. O pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. A Advocacia-Geral da União (AGU) também defendeu a derrubada das leis. A decisão de Mendonça, que ainda precisará ser validada pelo plenário do STF, impactou também a magistratura.

Em tese, a Constituição Federal estabelece um limite máximo a ser pago por mês para servidores públicos. A Reforma da Previdência de 1998 determinou que os vencimentos dos ministros do STF seriam a baliza para isso. No entanto, muitos juízes do país conseguem "furar" esse teto com ganhos extras desvinculados do limite máximo.

Os tribunais afirmam que as somas excedentes ao teto são legais por serem baseadas em resoluções do CNJ e decisões judiciais (muitas vezes tomadas pelas próprias cortes). De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, alguns valores não se confundem com o subsídio da magistratura.

Veja a íntegra da nota enviada pelo TJ-RS:

O TJRS obedece rigorosamente ao teto constitucional no pagamento do subsídio de seus magistrados e todo e qualquer pagamento adicional é submetido à apreciação do CNJ. Os valores apontados são decorrentes do somatório do subsídio mensal e valores decorrentes de indenização de licenças-prêmio.

O TJRS estabeleceu como meta a priorização da tramitação e julgamento dos processos, antiga reivindicação da sociedade. Devido ao volume de trabalho, diante da enorme judicialização, nem sempre foi possível aos magistrados e servidores usufruírem de seus direitos relacionados a descanso (licença especial e férias).

A Licença-Prêmio está prevista no artigo 150 da Lei Complementar nº 10.098/94 e se constituía de direito previsto em lei para servidores e magistrados, correspondendo a três meses de repouso a cada quinquênio de efetivo exercício, direito este extinto em 2021.

Neste contexto, o TJRS efetivou planejamento para indenizar aqueles servidores e magistrados que desejassem antecipar o recebimento desses valores – pois, se não gozado ou recebido, quando de sua aposentadoria teriam direito ao seu percebimento em valores de qualquer forma. Assim, possibilitou a conversão em pecúnia de tais direitos, expediente comum em várias instituições públicas.

Tal prática, aliás, é muito usual em empresas privadas, que compram períodos de férias de seus funcionários. A decisão de indenizar tais valores foi devidamente submetida ao crivo do CNJ, que depois de largo tempo de exame, em 25/11/2022, concluiu pela sua legalidade, lançando a devida autorização, para a antecipação das indenizações (Pedido de Providência nº 0008414-16.2020.2.00.0000 - CNJ).

Os pagamentos são de natureza indenizatória, não têm qualquer relação com a remuneração mensal (subsídios), tendo sido pagos em datas e folhas de pagamento distintas. Por isso, não estão submetidos ao teto constitucional.

Realça-se que os pagamentos foram pontuais, únicos e extraordinários, além de devidamente adequados ao orçamento do Poder Judiciário.

Esclarece-se que não foram apenas os magistrados constantes da lista que receberam em pecúnia o valor correspondente à licença especial, mas sim um total de 640 magistrados e 4.380 servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, realizando pagamento prioritário aos servidores no mês de janeiro. 

Nos meses de fevereiro, março e abril foram pagos aos magistrados que optaram pelo parcelamento, os demais receberam em parcela única no mês de abril, o que gerou os valores expressivos indenizados, decorrentes da não fruição desse direito acumulado ao longo da carreira.

Leia na íntegra a nota do Tribunal de Justiça de Rondônia:

O Poder Judiciário de Rondônia esclarece que os subsídios dos magistrados e magistradas respeitam o teto constitucional e que diferenças se referem à direitos eventuais, pessoais ou indenizações, pagamentos amparados por lei. 

Tais informações podem ser consultadas no painel do CNJ. No Grupo Outros Eventos, estão classificados vários pagamentos entre eles: Adicional de Tempo de Serviço-ATS/VPN, Gratificação Por Acumulação de Acervos Res. 236/2022, abono Pecuniário, Gratificação Diretor de Fórum.

Confira a íntegra da nota do CNJ:

A Resolução CNJ n. 102/2009 determina a transparência das informações sobre a remuneração dos magistrados nos sítios eletrônicos de cada tribunal. O pagamento dos subsídios mensais dos milhares de magistrados brasileiros é feito de acordo com diversas peculiaridades de cada caso, e há de sempre respeitar o teto constitucional. 

Os pagamentos de verbas de outras naturezas, como férias acumuladas, indenizações e valores atrasados também integram a folha de pagamento por imperativo de transparência, mas não se confundem com o subsídio da magistratura.


Fonte: O GLOBO