Órgão afirma, contudo, que situação não representa um risco para a segurança do maior complexo nuclear da Europa

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) afirmou na segunda-feira ter constatado "algumas minas" antipessoais no complexo nuclear de Zaporíjia, ocupado pelos russos desde os dias iniciais da guerra que já dura 17 meses. O braço da Organização das Nações Unidas (ONU) reclamou pelo segundo mês consecutivo que a situação viola os procedimentos de segurança, mas afirmou que os explosivos não representam um risco para a segurança do local e de seus seis reatores.

Russos e ucranianos trocam acusações mútuas há meses de ataques nos arredores da usina, e em ao menos uma ocasião, projéteis atingiram uma área onde é armazenado combustível atômico já utilizado, mas não houve dano aos reatores. Neste mês, Kiev acusou Moscou de ter planos de explodir partes da central atômica, algo que o Kremlin negou — os russos alertaram para um possível "ato subversivo" dos ucranianos, com "consequências catastróficas".

"Em uma inspeção no dia 23 de junho, a equipe da AIEA viu algumas minas situadas em uma zona-tampão entre os perímetros interior e exterior do lugar", disse a agência da ONU, que havia pedido mais acesso ao local depois da troca de acusações mais recente.

Segundo a agência, os explosivos foram constatados durante uma vistoria no domingo e estão em uma zona cujo acesso é vetado ao pessoal responsável pela operação da usina nuclear. O número exato de minas não foi informado, mas nenhum objeto foi encontrado do lado de dentro do complexo. O comunicado cita o diretor da AIEA, Rafael Grossi:

— Como já informado, a AIEA sabia anteriormente da colocação de minas do lado de fora do perímetro e também de certos lugares no lado de dentro. Nossa equipe citou tal descoberta à planta e ouviu que se trata de uma decisão militar e em uma área controlada pelos militares — disse ele. — Mas ter tais explosivos no local é inconsistente com os protocolos de segurança da AIEA e diretrizes de segurança nuclear, além de criar nova pressão psicológica nos funcionários.

As minas também já haviam sido constatadas no mês passado, com os russos insistindo que se tratam de artefatos com fins defensivos. Mas, de acordo com uma avaliação da AIEA, uma possível detonação dos explosivos "não deve afetar os sistemas de segurança do local", afirmando que não identificou a presença de equipamentos militares pesados no local e que continuará a fiscalizá-lo.

Na segunda, a AIEA disse ainda que seus inspetores visitaram a principal sala de controle do reator seis, a sala de controle de emergência e partes do hall da turbina, sem constatar irregularidades. O órgão, contudo, continua a reivindicar acesso aos telhados dos reatores e salas de turbinas.

Nas mãos das tropas russas desde 4 de março de 2022, Zaporíjia é o maior complexo nuclear da Europa e um dos dez maiores do mundo. Ela foi construída pela União Soviética perto da cidade de Enerhodar, às margens da reserva de Nova Kakhovka, responsável por alimentar o lago que resfria seus seis reatores — ao todo, há 15 em toda a Ucrânia.

Segundo a estatal energética ucraniana, Energoaton, o nível de água no lago permanece estável, apesar de sua reserva ter se esvaziado quando a barragem homônima foi destruída no mês passado, em explosões cuja autoria também é uma incógnita. Cinco dos reatores estão parados, o que também ajuda a reduzir bastante a quantidade de água necessária para mantê-los na temperatura adequada.

Durante boa parte da guerra, Zaporíjia teve — e ainda tem — apenas um cabo de alta voltagem que a abastece com eletricidade, fundamental para garantir sua segurança. A ligação, contudo, tem sido frequentemente comprometida durante o conflito: houve ao menos sete apagões, forçando as pessoas a recorrerem a geradores movidos a diesel, por exemplo.

Com os russos no controle desde março de 2022, há relatos de que funcionários foram obrigados a romper seus contratos com a Energoatom e firmar novos termos com a Rosatom, a estatal atômica russa. De acordo com a AIEA, a equipe de 11 mil pessoas que operava a usina antes da guerra foi reduzida a uma fração de seu tamanho original, e vários dos funcionários que permanecem por lá estão vetados de irem à planta porque se recusam a firmar contratos com a Rosatom.

De acordo com Grossi, é a primeira vez que uma usina nuclear se vê esta é a primeira vez na História que uma planta nuclear se vê no meio de um confronto ativo. O fato de a Ucrânia, à época uma república soviética, ter sido palco do desastre de Chernobyl, em 1986, a maior catástrofe atômica da História, também gera preocupações.

Os reatores de Zaporíjia, contudo, são diferentes do de Chernobyl — os cinco primeiros entraram em atividade entre 1985 e 1989 e o sexto, em 1995 —, que tinha um moderador nuclear de grafite e um prédio com concreto menos reforçado e sem outras salvaguardas de segurança. O fato de Zaporíjia estar praticamente parada há meses também é outro fator mitigante.

Ainda assim, os riscos são imensos, e Grossi disse em uma visita ao complexo no mês passado que a situação era "grave". A AIEA tenta há meses criar um perímetro de segurança ao redor da instalação, mas o máximo que conseguiu até o momento, além de algumas visitas ao complexo, foi que haja representantes da organização fixos na usina para avaliar a situação.


Fonte: O GLOBO