O estado brasileiro precisa ser a maior autoridade em todos os lugares

O esclarecimento do assassinato brutal de Marielle Franco e Anderson Gomes teve um avanço ontem com a delação de Élcio de Queiroz, e esse progresso é importante para a democracia.

O que aconteceu em 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro foi uma tragédia de enormes dimensões humanas e políticas. Essa delação tem dois anexos ainda não divulgados e que podem levar aos mandantes do crime. Esclarecer tudo o que houve naquele dia trágico é importante para a família, para o Rio, para a democracia, e para cada um de nós.

Na próxima quinta, Marielle, jovem com um futuro brilhante pela frente, faria 44 anos, e estaria ao lado de sua filha Luyara. Anderson estaria cuidando do seu filho Arthur, criança com necessidades especiais e que sempre precisou muito dele.

Esse é um crime terrível em si. Uma jovem mãe e um jovem pai que foram mortos. Mas é também um crime de feminicídio político. Marielle foi morta por ser mulher, por defender negros e a comunidade LGBT+ e por confrontar a milícia.

A democracia exige que o Estado brasileiro precisa ser a maior autoridade em todos os lugares. Para que isso se realize no Rio é preciso lutar contra a milícia, que mostrou os seus muitos braços neste caso.

Até ontem, Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, ex-policial militar, estavam presos mas alegavam inocência. Mas Queiroz, ao falar, deu detalhes pela primeira vez de como isso aconteceu e quebrou o pacto de silêncio.

Apesar das delações premiadas terem ficado com má fama porque algumas delas caíram na Justiça, nesse caso é diferente. A polícia e o Ministério Público do Rio de Janeiro fizeram um trabalho minucioso, acompanhando cada declaração e corroborando as informações. Tudo pode ser confirmado, o que torna sólida a delação. Agora se sabe como Ronnie Lessa agiu, como atirou, com qual arma.

Se sabe também da existência de uma pessoa que ajudou as armas do crime, Maxwell Simões, e de outro cúmplice, Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, que depois foi executado provavelmente em uma queima de arquivo.

Esta primeira parte da investigação solucionou vários pontos desse quebra-cabeça, e deve levar a uma segunda parte, com esclarecimentos sobre quem foram os mandantes do assassinato. Ontem o ministro da Justiça, Flavio Dino, afirmou que há elementos que podem levar a investigação a um outro patamar.

E isso é muito importante.

Ao esclarecer-se os fatos, fortalece-se a democracia. Enquanto não soubermos o que aconteceu, a democracia permanece fragilizada. O Brasil precisa enfrentar a milícia do Rio de Janeiro, que ocupa um espaço grande demais.

Há partes do território do Rio sob controle da milícia, assim como há parte sob controle de traficantes. Então, estamos numa democracia partida, e a solução do assassinato de Marielle e Anderson é necessária para fortalecermos a democracia.


Fonte: O GLOBO