MPF entende que essas normas restringem a liberdade de expressão de alunos e, mais grave ainda, afeta especialmente grupos que já sofrem preconceito

Um dia depois da extinção do programa, o Ministério Público Federal (MPF) foi à Justiça para proibir que colégios militares e cívico-militares imponham “padrões estéticos e de comportamentos baseados na cultura militar”. Nos colégios militares do Acre, são proibidos:
  • Uso de brincos pelos alunos do sexo masculino;
  • Uso de piercing, tornozeleira e óculos escuros, para ambos os sexos;
  • Cortes, penteados ou tinturas exóticas;
  • Uso de colares, cordões, gargantilhas, pulseiras, anéis, relógios de pulso e demais acessórios que não sejam pequenos, finos e discretos;
  • Maquiagem e esmalte das unhas em cores excessivas e/ou vivas, proibido estas extrapolarem a falange distal tanto para os segmentos masculinos e femininos;
  • Tatuar em qualquer parte visível do seu corpo imagens, objetos e outras grafias;
  • Escrever, desenhar e carimbar em qualquer parte visível do corpo objetos e outras grafias, hennas ou imagens afins;
  • Pintar os cabelos “com tinturas de cores berrantes ou exóticas, ou seja, aquelas que fogem de cores de cabelos naturais”;
  • Apresentar-se com penteados exóticos tipo moicano, surfista e topetes;
  • Cabelos volumosos soltos ou “não cortar o cabelo nas inspeções previstas, tanto para os segmentos masculino quanto feminino”;
Seguindo a mesma linha, o Programa Nacional das Escola Cívico-Militares (Pecim), extinto essa semana pelo governo federal, também estabelecia a imposição de regras estéticas aos alunos, todas descritas no Manual das Escolas Cívico-Militares.

Ele estabelecia para os meninos cabelo cortado de modo a manter nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço e bem barbeado, com cabelos e sobrancelhas na tonalidade natural e sem adereços.

Já para as meninas, estavam liberados cabelos curtos ou longos, considerados cabelos curtos aqueles cujo comprimento se mantém acima da gola dos uniformes, podendo ser utilizados soltos com todos os uniformes. Também definia que o cabelo deve ser “cuidadosamente arrumado, a fim de possibilitar o uso correto da boina e a manutenção da estética e da harmonia na apresentação pessoal da aluna”.

Além disso, os penteados deviam ser “rabo de cavalo” na parte superior da cabeça ou trança simples, mantidos penteados e bem apresentados. Quando uniformizadas, as alunas poderiam usar apenas adereços (relógio, pulseiras, brincos) discretos, vetados para os meninos.

Entenda a ação

O objetivo do MPF é que essas unidades fiquem impedidas de determinar regras para o que não tem qualquer relação para a melhoria do ensino, como cabelos, unhas, maquiagem, tatuagem, forma de se vestir. Também pede que esses colégios se abstenham de punir os alunos em virtude da apresentação pessoal.

A ação foi motivada para combater a prática no estado do Acre, mas tem repercussão nacional — já que a prática constava no Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, que foi extinto pelo governo federal nesta semana, e também está presente em programas de outros estados.

Na ação do MPF contra as regras de padrões estéticos, o procurador Lucas Costa Almeida Dias defende que não há evidências de que as regras rígidas resultem em comportamentos exemplares dos alunos, pois outros fatores repercutem no processo educacional.

“Um dos aspectos pelos quais as notas são altas nos colégios militares é simples: os colégios utilizam de processos rígidos de ingresso, com diversas etapas, o que resulta na seleção dos melhores estudantes”, defendeu o procurador.

No Acre, há três colégios militares — de administração direta do estado — e seis cívico-militares — que faziam parte do programa federal e agora serão absorvidos pela gestão exclusiva estadual.

O MPF entende que essas normas restringem a liberdade de expressão de alunos e, mais grave ainda, afeta especialmente grupos que já sofrem preconceito.

“Para as pessoas pretas e pardas, o cabelo é uma parte fenotípica do corpo humano, ou seja, um sinal diacrítico que assume significados e torna- se representação por meio da ressignificação que caracteriza o cabelo crespo como símbolo da identidade das populações afro-diaspóricas, sobretudo das mulheres negras. Assumir o cabelo crespo é torná-lo expressão de luta contra o racismo e faz parte da redefinição da identidade feminina negra e se trata de uma luta coletiva emancipatória”, argumenta o procurador.

Na ação, ele cita o caso de uma menina de 14 anos que denunciou ter sido vítima de racismo religioso em uma dessas unidades, no Distrito Federal. Também afirma que uma outra estudante, também no DF, foi expulsa de uma aula por usar piercing. Ela alega que mora longe e tem dificuldades para chegar à escola.

Da mesma forma, são proibidos comportamentos como “mexer-se excessivamente”, “promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva seja de caráter reivindicatório ou político-partidário, quando fardado ou representando o colégio” ou “ler jornais contra a moral e bons costumes”, o que, também na avaliação do MPF, é incompatível com o Estado Democrático de Direito e a liberdade de expressão.


Fonte: O GLOBO