Foram 1,82 milhão de registros de vítimas de estelionato em 2022 e outros 200,3 mil registros de fraude eletrônica, segundo dados do relatório anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O estudante de arquitetura Renne Braga e a então namorada, Andressa Andrade, moradores de Piracicaba (SP), planejavam passar uma temporada em Dublin, na Irlanda, estudando inglês. Contrataram uma agência de viagem e contribuíram com parcelas ao longo de dez meses. Ao todo, tinham juntado R$ 67 mil.
O sonho acabou antes do embarque. Faltando dois meses para a viagem, o agente lhes enviou um áudio pelo WhatsApp dizendo que a empresa tinha falido, e ele, demitido. E que não haveria como reaver o dinheiro investido. O site da empresa desapareceu e o escritório fechou. Renne perdeu R$ 10 mil, e Andressa, outros R$ 35 mil. Os dois e outras vítimas do golpe formaram um grupo para denunciar o esquema e tentar recuperar o dinheiro, em vão.
Histórias como essa se multiplicam em ritmo assustador no Brasil. O número de crimes de estelionato teve um crescimento de 326% entre 2018 e 2022, segundo dados do relatório anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com 208 golpes aplicados a cada hora ao longo do ano passado, o estelionato já é chamado de "crime da moda".
— Ela teria perdido até mais, mas conseguiu reverter R$ 20 mil porque o banco bloqueou a transferência. A gente nem conseguiu fazer o BO (boletim de ocorrência), porque o policial disse que dificilmente o cara seria pego. Eu desisti — diz Renne.
Golpistas costumam se aproveitar de relações familiares e de confiança para enganar as vítimas. O engenheiro José Reinaldo da Costa* (nome fictício) recebeu, no ano passado, uma mensagem supostamente de seu filho pedindo dinheiro para pagar contas e aplicações financeiras. Como a conta do WhatsApp exibia uma foto do rapaz, tirada do Facebook, ele não suspeitou se tratar de um farsante.
— Resumindo, ele conseguiu tirar R$ 27 mil da minha conta. Já era noite quando a ficha caiu. Pensei "aí tem coisa errada". Comecei a abrir as mensagens e notei que não era o jeito do meu filho falar. Liguei para ele e descobri que era golpe — diz ele.
Costa passou a noite telefonando para todos os bancos para tentar reverter o prejuízo, sem sucesso. Ao contrário de Renne, o engenheiro diz ter sido bem orientado pela polícia no registro do boletim, mas a investigação não alcançou ninguém.
Foram 1,82 milhão de registros de vítimas de estelionato em 2022 e outros 200,3 mil registros de fraude eletrônica — número que era de 120,4 mil em 2021, uma disparada de 65,2%.
Rio de Janeiro (com aumento de 74%, de 71,1 mil casos para 123,8 mil casos em 2022) e São Paulo (alta de 66,1%, de 382,1 mil casos para 638,6 mil casos) lideram o crescimento de golpes entre os estados. Maranhão (alta de 56,6%) vem em terceiro lugar, com números absolutos bem inferiores: o estado passou de 9,5 mil golpes em 2021 para 15 mil no ano seguinte.
Embora todos os estados tenham vivido aumento no número de estelionatos no período, apenas três deles tiveram alta na casa de um dígito. Rio Grande do Sul viu a quantidade de casos crescer 2,1%, enquanto Piauí (6,5%) e Pará (9,9%) tiveram taxas um pouco maiores.
Já entre casos de estelionato digital, as variações de um ano para o outro são mais impressionantes. Roraima vivenciou um crescimento expressivo de 1.155% na quantidade de golpes digitais, de 59 em 2021 para 759 no ano seguinte. Goiás viu os crimes saltarem de 128 para 1.461 no mesmo período: aumento de 1.027%.
O relatório não traz dados disponíveis dessa modalidade para alguns estados, como São Paulo, que tipifica os casos entre tentados ou consumados, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, por exemplo.
Para Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estelionato virtual é um crime "quase perfeito" para criminosos auferirem lucro, já que o risco de serem pegos é baixo e a investigação depende de denúncia da vítima.
— Esses golpes de WhatsApp, por exemplo, são tentados milhares de vezes, e se 0,5% das pessoas caírem neles, os criminosos fazem muito dinheiro — diz ele.
Alcadipani diz existir uma tendência de alta para estelionatos, uma vez que as forças de segurança não têm se modernizado para acompanhar o crescimento dos crimes. Para ele, as autoridades precisam "perceber que esse crime está explodindo e vai continuar aumentando se o Estado não mudar sua forma de atuar", e sugere investimentos na modernização de polícias investigativas, como a Civil e a Federal.
— O Estado investe muito em Polícia Militar, uma polícia ostensiva, de patrulhamento de rua, que é completamente inútil para esse crime do futuro — afirma.
O aumento de golpes virtuais acompanha outra tendência — a de roubo e furto de celulares, que subiu 16,6% em relação a 2021 e quase bateu a casa do milhão: 999,2 mil celulares roubados e furtados.
As maiores altas no registo desse crime foram na Bahia (70,5%), Rio de Janeiro (58,6%), Paraná (34,8%), Santa Catarina (25,5%) e Rio Grande do Sul (24,7%). De outro lado, o Mato Grosso lidera a baixa, com queda de 41%. Roraima (-14,5%), Acre (-3,8%) e Rio Grande do Norte (-3,3%) foram os outros estados com queda em roubo e furto de celulares.
Fonte: O GLOBO
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