Enquanto a disputa pela sucessão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR) esquenta nos bastidores, interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já fizeram chegar a membros do Ministério Público Federal (MPF) o aviso de que a definição de quem vai chefiar o MPF pelos próximos dois anos pode demorar mais do que o esperado.

O mandato de Aras termina no final de setembro, mas no governo já há quem trabalhe com um cenário em que Lula não escolha o novo PGR até lá. Nesse caso, a chefia do MPF ficaria com um interino até a resolução do impasse.

Um dos fatores que pode atrasar a decisão é a coincidência de calendários entre a sucessão na PGR e a substituição de Rosa Weber, que se aposenta em outubro do Supremo Tribunal Federal.

Como terá de escolher os dois substitutos mais ou menos na mesma época, Lula certamente fará uma avaliação política simultânea de suas escolhas. Tenderá, por exemplo, a não atender um único grupo com os dois substitutos, o que pode tornar a decisão um pouco mais complexa.

Mas não é apenas esse o motivo pelo qual interlocutores de Lula no Planalto calculam que pode haver uma demora na definição da PGR.

Integrantes do primeiro escalão do governo Lula apontam que, até aqui, o presidente da República tem demorado para fazer escolhas para o sistema de Justiça.

Isso aconteceu, por exemplo, na Defensoria Pública da União (DPU), cargo que está vago há mais de seis meses. No ano passado, estava para tomar posse um defensor indicado por Jair Bolsonaro, mas os aliados de Lula conseguiram barrar no Senado a realização da sabatina.

Com isso, o petista pôde escolher o defensor, mas antes preferiu ouvir pessoalmente os candidatos. O presidente acabou escolhendo o segundo colocado na votação da instituição. Mas ele até agora não assumiu o cargo, porque o plenário do Senado ainda não chancelou a indicação.

Lula levou ainda 51 dias para confirmar que indicaria Cristiano Zanin, para a vaga de Ricardo Lewandowski no Supremo, mesmo não havendo concorrentes ameaçando o favoritismo do seu ex-advogado pessoal.

As únicas nomeações que saíram a jato foram as de ministros titulares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – mas isso se deveu à ofensiva de Alexandre de Moraes, que trabalhou para emplacar aliados e ampliar sua influência na Corte Eleitoral a tempo do julgamento que levou à inelegibilidade de Jair Bolsonaro.

Nesse caso, o plenário do Supremo votou uma lista quádrupla para as duas vagas de ministros do TSE. Lula nomeou no mesmo dia os preferidos de Moraes.

Já para a PGR, porém, os sinais são de que a escolha será mais lenta.

Antes mesmo de tomar posse, Lula avisou que não se comprometeria em seguir uma tradição que ele mesmo criou e não seguiria a lista tríplice formada após a votação conduzida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Ainda assim, sinalizou que deve se reunir com representantes da entidade nas próximas semanas para ao menos receber o documento.

A lista é encabeçada pela subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, que recebeu 526 votos, seguida pelos subprocuradores Mario Bonsaglia (465) e José Adonis (407).

Por ora, o favoritismo está com o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, candidato apoiado por Moraes e pelo ministro Gilmar Mendes.

Gonet ganhou os holofotes ao defender a inelegibilidade de Bolsonaro no julgamento do TSE, mas tem posições conservadoras na seara de costumes que incomodam alas do PT, conforme informou a coluna.

No entorno de Lula, há também quem ache que sua eventual indicação fortaleceria ainda mais o grupo de Moraes e Gilmar Mendes, de quem foi sócio no IDP, instituição de ensino superior ligada ao ministro.

Outro fator que embola a discussão nos bastidores é que o próprio Aras trabalha por uma recondução.

Aras conta com a simpatia do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e do ministro da Casa Civil, Rui Costa, mas vários políticos influentes da base governista tem se manifestado contra a escolha – como Renan Calheiros (MDB-AL). A recondução, no entanto, é vista como pouco provável no Palácio do Planalto, conforme informou O GLOBO.

Com tantos nomes cotados, uma eventual demora na escolha do novo PGR pode não ser algo necessariamente ruim, avaliam procuradores ouvidos reservadamente pela equipe da coluna.

“Se Lula não for reconduzir Aras, a tendência será deixá-lo esgotar o mandato, antes de indicar o sucessor”, avalia um integrante do MPF.

Caso Lula precise deixar a PGR sob o comando de um interino, quem assume é o vice-presidente do Conselho Superior do MPF. Nesse momento, o posto é do subprocurador Carlos Frederico Santos, aliado de Aras que está cuidando do caso dos investigados nos atos golpistas de 8 de janeiro. Ele também está no páreo da disputa.

Em 2019, Bolsonaro só confirmou a escolha de Aras para a chefia da PGR faltando doze dias para o fim da gestão de Raquel Dodge. Com o calendário apertado, um interino assumiu a PGR até a sabatina e a confirmação do nome de Aras pelo Senado: Alcides Martins.

Em pouco tempo o interino provocou barulho. Após Raquel Dodge ter se posicionado contra uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal que vasculhou o gabinete do então líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), Alcides Martins deu uma guinada e defendeu a validade da medida, conforme havia sido determinado pelo STF.


Fonte: O GLOBO