Ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger foi recebido com honrarias pelo presidente chinês, Xi Jinping; Pequim busca interlocutores nos EUA fora da Casa Branca

O presidente da China, Xi Jinping, recebeu com honrarias o ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, nesta quinta-feira, em Pequim. Kissinger, que completou 100 anos em março, foi uma figura chave para a aproximação entre Estados Unidos e China na década de 1970, quando os países eram governados por Richard Nixon e Mao Tsé-tung — e sua visita aparenta ser a mais nova tentativa chinesa de aproximação com Washington sem intermediação do governo de Joe Biden.

— O povo chinês valoriza a amizade. Nunca vamos esquecer nosso velho amigo e sua contribuição histórica para a promoção do desenvolvimento das relações entre China e Estados Unidos, para estimular a amizade entre nossos povos — disse Xi a Kissinger, de acordo com a imprensa estatal. — Isto não beneficiou apenas os dois países, mas também mudou o mundo.

Quando era conselheiro de Segurança Nacional, Kissinger viajou de maneira secreta a Pequim em julho de 1971 para preparar o até então impensável estabelecimento de relações diplomáticas entre Washington e a China comunista e planejar uma visita do presidente Richard Nixon à capital chinesa em 1972. Nesta quinta, o ex-secretário foi recebido por Xi na residência de Diaoyutai, o mesmo edifício que ocupou em 1971. Ele foi tratado pela televisão estatal chinesa como "diplomata lendário".

— As relações entre nossos países serão centrais para a paz no mundo e para o progresso de nossas sociedades — disse Kissinger durante o encontro com Xi.

Em um momento em que Pequim e Washington tentam melhorar seus laços diplomáticos e canais de comunicação fixos, após um aumento da tensão provocada pela disputa estratégica entre os países e uma série de incidentes, incluindo a visita de autoridades americanas a Taiwan, a visita de Kissinger é vista por observadores americanos como um esforço do governo chinês de influenciar o pensamento americano sobre o país fora da burocracia estatal.

Embora integrantes da alta cúpula do governo Joe Biden tenham sido recebidos por suas contrapartes chinesas recentemente — como Janet Yellen (secretária do Tesouro), John Kerry(enviado especial para assuntos climáticos) e Antony Blinken(secretário de Estado) —, Pequim tem apostado alto na recepção de líderes empresariais como Bill Gates (que também foi chamado de "velho amigo" por Xi )e Elon Musk para destacar o relacionamento econômico de longa data e os perigos de desembaraçar as cadeias globais de suprimentos.

A previsão dos analistas ocidentais é que esses esforços podem se tornar cada vez mais significativos à medida que Pequim recua contra o que vê como tentativas do governo Biden para conter a China geopolítica, militar e tecnologicamente. A China também observa como republicanos e democratas se unem em querer permanecer duros com Pequim, e uma eleição presidencial nos EUA se aproxima, na qual os candidatos provavelmente serão mais críticos em relação à China.

— Isso se parece muito com uma estratégia chinesa deliberada [de cortejar indivíduos que possam ajudar a mudar as opiniões em Washington] — disse Dennis Wilder, ex-chefe de análise da China na Agência Central de Inteligência (CIA), ao The New York Times. — Os chineses estão estimulando aqueles com interesse na economia chinesa e no relacionamento geral.

A agenda de Kissinger em solo chinês começou na terça, com um encontro com o ministro da Defesa da China, Li Shangfu, que está sob sanções de Washington — o que congelou o diálogo militar de alto nível entre os dois países, e fez Pequim recusar uma reunião entre Li e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, em um fórum de segurança em Cingapura.

Li disse a Kissinger que a China espera trabalhar com os EUA para um relacionamento saudável e estável entre as duas nações e seus militares. Kissinger afirmou que "nem os EUA e nem a China podem arcar com o preço de tratarem o outro como inimigos".

Na quarta, o centenário diplomata — vencedor do Nobel da Paz em 1973 por seu papel na negociação de um cessar-fogo na Guerra do Vietnã, e criticado por seu apoio aos golpes de Estado em vários países da América do Sul — reuniu-se com o diretor do Comitê Central do Partido Comunista Chinês para as Relações Exteriores, Wang Yi, que o agradeceu por sua "contribuição histórica ao degelo das relações entre China e Estados Unidos".

— A política dos Estados Unidos em relação à China precisa de uma sabedoria diplomática ao estilo de Kissinger e de uma coragem política ao estilo de Nixon — afirmou Wang.

Zhu Feng, professor de relações internacionais da Universidade de Nanjing, afirmou que a visita de Kissinger aponta para “a ansiedade de Pequim sobre como influenciar e persuadir as elites políticas americanas a reduzir sua repressão estratégica à China”, em um momento em que vozes como a dele "são cada vez mais raras em Washington".

George Magnus, pesquisador associado ao Centro de China da Universidade de Oxford, afirmou que é possível que Pequim considere Kissinger como um emissário, considerando sua rede de contatos. No entanto, o pesquisador alertou que é improvável que a visita leve a “qualquer coisa substancial no relacionamento EUA-China” justamente porque Kissinger não viajou em caráter oficial.


Fonte: O GLOBO