Nesta primeira fase, voltada para quem ganha até R$ 20 mil, parcelamentos são de até dez anos. Adesão de bancos foi grande no 1º dia, mas especialista recomenda negociar sempre

Bancos que aderiram ao Desenrola Brasil, programa de renegociação de dívidas do governo federal, oferecem parcelamentos de até dez anos e descontos de até 96% no montante em atraso no caso de quitação à vista. 

Ontem, no primeiro dia de renegociações no âmbito do programa, foi grande a adesão das instituições financeiras, interessadas nos benefícios tributários que o governo concedeu em contrapartida. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo liberou R$ 50 bilhões em créditos presumidos para os bancos.

Além de estabelecer uma negociação direta com os devedores, os bancos que aderiram ao Desenrola se comprometeram a limpar o nome de “negativados” com dívidas de até R$ 100 até 31 de dezembro de 2022, ainda que o débito se mantenha em aberto. Em troca, o Ministério da Fazenda vai acelerar o processo de reconhecimento de créditos tributários dos bancos.

Na prática, a cada R$ 1 de dívida renegociada, o banco terá R$ 1 a mais para novos empréstimos, com a antecipação do crédito tributário que receberia ao longo do ano, o que tem efeito positivo em seu balanço.

Alexandre Ferreira, assessor da Secretaria de Reformas Econômicas, disse que o governo fará um balanço do programa no fim desta semana. O diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Andrew Frank Storfer, atribui as condições aos benefícios tributários que interessam aos bancos. Mas observa que prazo, juros e desconto serão definidos considerando vários fatores:

— Não dá para esperar que o máximo de desconto seja para todo mundo. Vai depender do tamanho da dívida, do perfil do cliente, do tempo em que o débito está em atraso, entre outras considerações. Cada caso é um, e tudo tem que ser analisado — explica Storfer, que aconselha aos consumidores insistirem em condições melhores que as apresentadas logo de início, dado o interesse dos bancos. — Não dá para aceitar a primeira oferta.

Segunda fase em setembro

Na primeira etapa do programa, que começou ontem, apenas dívidas bancárias serão renegociadas. Esta fase é focada em pessoas que ganham até R$ 20 mil (a chamada faixa 2). Numa segunda etapa, prevista para setembro, quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.640) mensais (agrupados na chamada faixa 1) também poderá renegociar dívidas com varejistas e concessionárias de serviços como água e luz, além das bancárias.

Uma plataforma digital permitirá uma espécie de leilão: a proposta de refinanciamento com maior desconto na dívida terá a garantia do Tesouro Nacional. O governo vai disponibilizar R$ 7,5 bilhões por meio do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para cobrir eventuais calotes, o que, segundo Haddad, viabilizará a renegociação de um montante de dívidas equivalente a quatro vezes mais, de até R$ 30 bilhões. O programa vai até 30 de dezembro de 2023.

Segundo Haddad, a estimativa do total de brasileiros “desnegativados” por dívidas de até R$ 100 é de 1,5 milhão, mas pode chegar a 2,5 milhões se o Nubank aderir ao programa. O banco digital, afirmou o ministro, foi o único que não aderiu.

— Tem um banco só que estava em dúvida se aderia ou não, porque ele tem pouca vantagem no crédito presumido e tem 1 milhão de pessoas negativadas, o Nubank. Estamos aguardando — disse Haddad, em entrevista coletiva ontem.

Ele acrescentou:

— Liberamos R$ 50 bilhões (em crédito presumido) para que o setor bancário faça as renegociações, no sistema de balanço financeiro. O estímulo para o banco é ter o valor da renegociação como crédito presumido com o governo. Se o desconto para a pessoa for de R$ 7 mil, o crédito para o banco será de R$ 7 mil.

Procurado pelo GLOBO, o Nubank não respondeu até o fechamento desta edição.

Parcelamento bem maior

Ontem, os bancos apresentaram condições de renegociação bem melhores que a única exigência do governo para a faixa 2: parcelamento da dívida em no mínimo 12 vezes. As instituições ofereceram prazos mais longos, até dez vezes esse mínimo.

Os maiores estão no Santander e no Banco do Brasil (BB), onde é possível quitar o débito em até 120 parcelas (dez anos). Na Caixa, o prazo é de 96 meses (oito anos). O Bradesco vai oferecer 60 meses (cinco anos).

O menor parcelamento é o do banco digital Inter: no máximo três anos. As instituições não informaram as taxas de juros que usarão nos refinanciamentos, mas prometem descontos altos. No BB, chega a 96% para quem pagar à vista. Sob a mesma condição, é possível ter redução entre 40% e 90% na Caixa.

Santander e Inter darão desconto de até 90%, a depender do caso. O Itaú não informou os prazos, mas promete descontos de até 60% nos juros. O Bradesco não informou o desconto que pretende aplicar.

A aposentada Teresa Borges, de 61 anos, teve de pegar empréstimos com vários bancos para pagar dívidas:

— Virou uma bola de neve. Fui pegando empréstimo para não ficar com o nome sujo, e no fim não deu certo — desabafa. — Se conseguir limpar meu nome vai ser ótimo.

‘Faz sentido’

Haddad esclareceu que, nesta primeira fase, qualquer tipo de dívida bancária pode ser renegociada, incluindo financiamentos de bens e imóveis:

— Desde que sejam dívidas (negativadas) até 31 de dezembro (de 2022), junto ao sistema financeiro. O teto é somente o limite de renda.

Segundo analistas, faz sentido para os bancos aderirem em peso ao Desenrola, mesmo sem garantia do Tesouro, pelo incentivo tributário. Instituições financeiras têm 45% do lucro tributados por CSLL e Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, mas têm alíquota efetiva em torno de 30% com o abatimento de créditos tributários, explica João Frota, analista da corretora Senso Investimentos. Dessa forma, a antecipação é atrativa.

— Não é desprezível, faz diferença e muita — diz Frota.

Carlos Daltozo, analista especializado no setor bancário da consultoria Eleven, avalia que a adesão ao Desenrola virá em bom momento para os bancos. Isso porque, em meio aos juros altos, a inadimplência subiu, obrigando bancos a aumentarem provisões, recursos reservados para possíveis perdas, o que reduz o lucro nos balanços. A adesão ao programa pode amenizar esse efeito:

— Faz total sentido (a adesão dos bancos), principalmente na faixa 2, pessoas que têm poder aquisitivo e consomem outros serviços bancários.

Frota explica que parte dos valores provisionados pode ser reconhecida como crédito tributário no futuro, mas a antecipação favorece os balanços dos bancos no curto prazo. (Colaboraram Letycia Cardoso e Caroline Nunes).

Quais bancos estão no programa Desenrola Brasil?

Caixa

  • Taxa de juros: Prazo máximo de pagamento: em até 96 meses.
  • Quais são os descontos? De 40% a 90% para pagamento à vista.
  • Onde posso renegociar? Na página temática do programa no site da Caixa (caixa.gov.br/desenrola/); no WhatsApp, pelo número 0800 104 0104; na Central de Relacionamento nos números 4004 0104 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 104 0104 (demais regiões).
Banco do Brasil
  • Taxa de juros: Dependem do perfil do cliente, tempo de atraso e o tipo da dívida.
  • Prazo máximo de pagamento: em até 120 meses.
  • Quais são os descontos? De até 96% para pagamentos à vista.
  • Onde posso renegociar? Nas agências; no aplicativo do BB; Internet Banking (nos endereços bb.com.br/renegocie, para pessoas físicas, ou bb.com.br/renegociepj, para pessoas jurídicas); Central de Relacionamento pelos números 4004-0001 (capitais) e 0800-729-0001 (demais regiões); ou no WhatsApp, enviando #renegocie para o número 61 4004-0001.
Itaú
  • Taxa de juros: O banco não informou.
  • Prazo máximo de pagamento: O banco não informou.
  • Quais são os descontos? De até 60% nas taxas de juros.
  • Onde posso renegociar? No Whatsapp (11) 4004-1144 e pelo site renegociacao.itau.com.br/.
Santander
  • Taxa de juros: Depende do tipo da dívida.
  • Prazo máximo de pagamento: Em até 120 meses.
  • Quais são os descontos? De até 90%, dependendo do caso.
  • Onde posso renegociar? Centrais de Atendimento telefônico (4004-3535 nas capitais e regiões metropolitanas e 0800-702-3535 nas demais localidades), ou no site santander.com.br/renegociacao/. No caso de dívidas de financiamentos, o canal é a página negociemais.santanderfinanciamentos.com.br/. As condições dependem do perfil do cliente.
Bradesco
  • Taxa de juros: Depende do tipo da dívida.
  • Prazo máximo de pagamento: Em até 60 meses.
  • Quais são os descontos? O banco não informou.
  • Onde posso renegociar? Nas agências, caixas eletrônicos, aplicativo, site nd-bradesco.negociedigital.com.br/ ou pelo WhatsApp, no número (11) 4858-5151.
Inter
  • Taxa de juros: O banco não informou.
  • Prazo máximo de pagamento: Em até 36 meses.
  • Quais são os descontos? De até 90%.
  • Onde posso renegociar? As renegociações serão feitas pelo portal bancointer.com.br/negocie/, pelo aplicativo ou pela Central de Atendimento, 3003-4070.
O que é o Desenrola Brasil?

O Desenrola Brasil é uma iniciativa voltada para a renegociação de dívidas de pessoas físicas com renda de até R$ 20 mil. Ele foi criado pelo governo federal em parceria com instituições financeiras, por meio da Medida Provisória nº 1.176/2023.

Uma portaria publicada no dia 14 de julho definiu regras para diferentes públicos que serão atingidos pelo programa. Num primeiro momento, poderão ser renegociadas dívidas bancárias. Dívidas de consumo, como luz, água e até com lojas, poderão ser renegociadas em uma segunda fase.

Quando começa a valer o programa Desenrola Brasil?

O programa começou a valer na última segunda-feira, dia 17 de julho. As pessoas endividadas com bancos já podem procurar diretamente as instituições financeiras para renegociar débitos em condições mais vantajosas. A expectativa é atender 30 milhões de pessoas nesta etapa. A segunda etapa está prevista para setembro, com o início da operação da plataforma digital.

Como faço para entrar no programa Desenrola Brasil?

O programa abrange três públicos:
  • Devedores com débito de até R$ 100, que poderão limpar o nome nesta semana;
  • Público-alvo da faixa 1, com renda de até dois salários mínimos e débitos de até R$ 5 mil, que contará com uma plataforma digital em setembro;
  • Faixa 2, que abrange brasileiros com renda de até R$ 20 mil e dívidas bancárias, que poderá renegociar débitos em condições mais vantajosas nesta semana.
Os brasileiros enquadrados na Faixa 2 não poderão renegociar as dívidas com lojas ou prestadoras de serviços púbicos, como água e luz. As dívidas não bancárias serão englobadas apenas para aqueles que estão na Faixa 1.


Fonte: O GLOBO