Alguns fabricantes afirmam que certas formulações podem aguçar a mente, mas especialistas dizem que faltam evidências por trás dessa ideia

Se um suplemento único pudesse aumentar seu desempenho mental – aumentando o estado de alerta e a concentração, eliminando a confusão mental, aguçando sua memória e reduzindo a vontade de procrastinar –, você poderia sentir como se tivesse descoberto um segredo revolucionário para a produtividade.

– Isso é algo que as pessoas têm procurado desde o início da civilização – diz o neurologista Joshua Cahan.

No entanto, apesar das alegações de muitos fabricantes de suplementos de que suas cápsulas, gomas e pós que aumentam o desempenho cerebral façam exatamente isso – com uma empresa afirmando que sua "pílula inteligente" desenvolve habilidades mentais, como "foco, aprendizado, clareza, melhoria cognitiva, raciocínio lógico, memória, energia e mais" – todos os especialistas com os quais o The New York Times conversou disseram que não tinham conhecimento de evidências convincentes de que um suplemento poderia melhorar a mente dessa forma.

– O cérebro é meio que a fronteira final da ciência médica – afirma a neurologista Joanna Hellmuth, da Universidade da Califórnia. Enquanto você poderia pedir a um cardiologista um medicamento para melhorar o funcionamento do coração, diz ela, sabe-se muito menos sobre como melhorar o cérebro.

O que há nesses suplementos?

Qualquer substância que possa influenciar positivamente as habilidades mentais, seja um medicamento prescrito como o neuroestimulante Adderall ou um suplemento alimentar como o óleo de peixe, costuma ser chamada de nootrópico.

Muitos suplementos nootrópicos que afirmam aumentar o foco e a produtividade contêm uma variedade de ingredientes considerados saudáveis para o cérebro. Esses podem incluir substâncias de plantas, como o Ginkgo biloba ou o cogumelo do leão; nutrientes, como vitaminas B ou colina; aminoácidos, como L-teanina ou taurina; e antioxidantes, como os encontrados em frutas cítricas, ginseng, chá verde e vinho tinto.

Alguns suplementos também contêm cafeína, que, em moderação, pode ajudar na concentração, explica Cahan, embora em excesso possa deixá-lo agitado e reduzir sua capacidade de concentração, dependendo de sua tolerância.

Jessica Caldwell, diretora do Centro de Prevenção ao Alzheimer em Mulheres na clínica Cleveland Clinic, diz que há algumas evidências de benefícios cognitivos no curto prazo para certos ingredientes em suplementos de foco, especialmente para a cafeína. Mas, ela afirma que as formulações em si não foram bem estudadas em ensaios clínicos humanos.

Alguns estudos mais antigos em pacientes com demência, por exemplo, encontraram associações entre a suplementação de Ginkgo biloba e melhor função cognitiva, incluindo melhora na memória. Mas pesquisas mais recentes não replicaram esses resultados e, na verdade, constataram que os suplementos de ginkgo parecem não ajudar em nenhuma condição de saúde.

O mesmo pode ser dito da L-teanina, um aminoácido encontrado no chá verde e adicionado a alguns suplementos por causa de sua associação com melhor concentração e menor estresse. Nenhum estudo amplo e rigoroso mostrou que a L-teanina melhora a cognição, diz o Pieter Cohen, professor de medicina da Escola de Medicina de Harvard.

Alguns estudos encontraram vínculos entre melhor desempenho cognitivo e alto consumo de colina dietética, um nutriente essencial presente em peixes, ovos, aves e laticínios, e é adicionado a alguns suplementos que melhoram a cognição. Mas nenhum estudo completo comprovou que a colina suplementar por si só leva diretamente a benefícios cognitivos.

– Obviamente, há muito marketing associado a essas coisas, o que dá a impressão de terem uma base científica – diz Craig Hopp, diretor da Divisão de Medicina Complementar e Integrativa do Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa dos Estados Unidos – Se você se aprofundar nos estudos, às vezes é bastante instável, e a maioria acaba sendo mais testemunhal do que científica.

Além disso, algumas misturas que promovem benefícios para o cérebro podem até mesmo conter drogas estimulantes não aprovadas ou não listadas, alerta Cohen.

Em um estudo publicado em 2021, por exemplo, Cohen e seus colegas testaram 10 suplementos dietéticos de venda livre que alegavam conter certas formas do medicamento farmacêutico piracetam. Essa substância não é aprovada nos Estados Unidos, mas tem sido prescrita em outros países para tratar lesões cerebrais traumáticas e transtornos de humor, além de melhorar a aprendizagem, a memória e a atenção.

Dos oito suplementos testados que anunciavam benefícios para a melhoria cognitiva, dois continham drogas estimulantes cerebrais não listadas nos rótulos dos produtos. Isso incluía phenibut e picamilon, que têm sido usados ​​na Rússia para tratar certos transtornos de humor e abstinência de álcool. O phenibut tem potencial para causar dependência, diz Cohen.

Eles são regulamentados e seguros?

A agência reguladora americana Food and Drug Administration (FDA) não testa nem regula rigorosamente suplementos quanto à segurança e eficácia.

Mas se a agência descobrir que um suplemento "é inseguro ou viola a lei", escreveu um representante da FDA, "a agência toma medidas regulatórias apropriadas, com base nas prioridades de saúde pública e nos recursos disponíveis".

Os fabricantes têm permissão para fazer todo tipo de alegações sobre suplementos que não foram comprovadas por meio de pesquisas clínicas em seres humanos, diz Cohen, deixando os consumidores sem garantias de que os produtos façam o que dizem.

Dan Freed, co-fundador da Thesis, uma empresa que vende misturas de suplementos comercializadas como potencializadoras de foco, afirma que, embora testes internos tenham demonstrado que seus produtos são eficazes, nenhum ensaio clínico independente confirmou esses resultados. Quando questionado, Freed não forneceu os dados internos para revisão.

Um representante da Bright Brain, que vende um suplemento de "pílula inteligente" que contém três drogas estimulantes cerebrais não aprovadas nos Estados Unidos, escreveu que seus produtos também não foram avaliados em ensaios clínicos. "Recomenda-se que os consumidores consultem seu médico antes de usar, pois os suplementos podem ter riscos", diz o representante.

– Eu entendo o desejo de se destacar e desenvolver as habilidades cognitivas, mas acho que, neste ponto, a ciência não está realmente lá – diz Hellmuth – As pessoas estão apenas ganhando muito dinheiro.

O que realmente pode ajudar a ter foco?

Em vez de recorrer a um suplemento, os especialistas recomendam recorrer aos pilares da saúde geral.

A falta de sono pode afetar seriamente a concentração, portanto, certifique-se de dormir o suficiente, recomenda Hellmuth.

O exercício também está associado a uma melhor saúde cerebral a longo prazo, segundo ela. Autoridades de saúde dos Estados Unidos recomendam pelo menos 150 minutos de atividade física de intensidade moderada e dois dias de atividade de fortalecimento muscular por semana.

Também há algumas evidências de que seguir uma dieta equilibrada, especialmente uma que enfatize frutas e vegetais coloridos, peixes, grãos integrais e verduras, está relacionado a uma melhor saúde cerebral a longo prazo, embora mais pesquisas sejam necessárias.

Se você tem deficiência de vitamina B12, o que não é comum, mas é mais provável se você for vegano ou mais velho, tomar uma dose suplementar pode ajudar a melhorar o foco, diz Cahan. Se você está se exercitando, alimentando-se e dormindo adequadamente e ainda está tendo dificuldade de se concentrar, pode ser interessante consultar seu médico.

Os suplementos nootrópicos para foco ainda não foram comprovados como eficazes para ajudar na concentração.

– Se isso fosse eficaz e generalizado, todos estaríamos fazendo – diz Hellmuth.


Fonte: O GLOBO