Reunião em Belém traz uma longa lista de divergências e questões sobre representatividade, mas possibilidades de avanços são reais e inspiram otimismo

Líderes dos países amazônicos se reúnem em Belém (PA), nos dias 8 e 9 de agosto, para juntos, discutirem soluções de problemas que impactam o ambiente e a população da região. O desmatamento será o tema central do encontro, batizado de Cúpula da Amazônia, mas os debates, que começam já no dia 4, antes da chegada dos chefes de Estado, devem tratar de pontos polêmicos como mineração, petróleo e reconhecimento de terras indígenas na região.

Estarão na capital paraense os presidentes do Brasil, da Bolívia, da Colômbia, do Equador, da Guiana, do Peru, do Suriname e da Venezuela, nações quer formam a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Apesar da vontade política de apresentar resultados, os oito divergem entre si sobre a adoção de metas comuns para preservar a floresta e frear a emissão de carbono que alimenta a crise do clima.

Idealizador da cúpula e anfitrião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propõe que os países firmem o compromisso comum de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 — assim como fez o Brasil. Na visão de Lula, a Amazônia não pode ficar sob os cuidados de um único país.

Segundo interlocutores do governo ouvidos pelo GLOBO, cada país tem uma legislação própria para o combate ao desmatamento e isso teria que ser avaliado dentro da estratégia pretendida. Todos sabem que é preciso frear o desmatamento, que emite CO2, e que a cooperação é fundamental em ações como vigilância por satélite, formação de técnicos, comunicação entre polícias e combate ao crime organizado transnacional.

Porém, há outros objetivos em jogo que enfrentam resistência de vizinhos como Colômbia, Peru e Bolívia. Por exemplo, há quem defenda a limitação da exploração legal de minérios na região, produtos fundamentais para a economia desses países. Também serão debatidas metas sobre uso de recursos hídricos e qualidade da água.

Todas as decisões da OTCA devem ser tomadas por unanimidade. Por essa razão, há dúvidas como esses temas serão escritos no texto da declaração de presidentes da cúpula de Belém.

O mais importante, resumiu uma fonte da organização do evento, é que a cúpula seja o início de um novo processo de intercâmbio de informação e coordenação. Os países da região sabem pouco sobre o que os demais estão fazendo.

Fundo em expansão

Uma ideia já conhecida e que pode ganhar corpo no encontro será o uso de recursos do Fundo Amazônia em projetos voltados à proteção do meio ambiente não apenas no Brasil, mas também em países vizinhos. Com a ampliação do universo de países doadores, haverá mais recursos para o financiamento de programas.

A declaração final do encontro será apresentada durante a próxima Assembleia das Nações Unidas, em setembro, em Nova York (EUA). A expectativa é que o documento final, até mesmo por causa de divergências, não tenha números, mas sinalizações para o mundo de que há o compromisso dos países guardiães da floresta com a diversidade, o cuidado com os povos indígenas e o combate às queimadas, à exploração ilegal de madeira e ao garimpo desordenado na região.

Lula convidou também representantes dos dois Congos, da Indonésia e da França. Até o momento, não há confirmação se o presidente Emmanuel Macron estará em Belém, embora tenha sido convidado pelo governo brasileiro. A Guiana Francesa, que faz fronteira com o Brasil e é território francês, também tem um pedaço da Amazônia. Em Brasília, o encontro de líderes é visto como uma prévia da conferência mundial sobre o clima, a COP28, que acontecerá no fim deste ano, nos Emirados Árabes.

Um interlocutor salientou que, apesar das diferenças entre os líderes, como as críticas ao governo do venezuelano Nicolás Maduro, a ideia é que a importância geopolítica da Amazônia e a necessidade de pensar em formas de proteger a floresta unem os presidentes da região.

Indígenas e ONGs

Os indígenas e representantes ONGs que chegam nesta semana a Belém (PA) para o evento Diálogos Amazônicos, que precede a cúpula, reclamam do espaço limitado para a sociedade civil influenciar as decisões mais importantes a serem tomadas ali. Os dois grupos têm grande lista de demandas, mas pouco otimismo. 

Ambientalistas apoiam a proposta da meta única de desmatamento, mas têm pouca esperança de que compromissos contra o avanço da mineração e do petróleo entrem no texto final da declaração. Incomoda que a proposta na mesa agora fale de zerar apenas o desmate "ilegal". Não existe uma medida sobre a derrubada de floresta na região ocorre de forma lícita, mas no Brasil já se sabe que é muito pouco.

De início, a condicionante da ilegalidade não enfraquece o compromisso em Belém, mas ONGs apontam que ela abre brecha para projetos de lei futuros permitirem derrubada de novas áreas ou a anistia a propriedades com desmate irregular. Esse tipo de manobra já ocorreu uma vez, em 2012, com a mudança do Código Florestal no Brasil.

— Nossa expectativa para a Cúpula em Belém é limitada porque estamos ficando um pouco céticos com acordos que se firmam, mas não têm um cumprimento posterior — diz Caetano Scannavino, representante do Observatório do Clima, a maior coalizão de ONGs do Brasil. — Mas a gente sabe que esse é um desafio importante e é um exercício de negociação necessário.

Frear a exploração de minérios é um tabu mais difícil de superar, porque vários países têm interesse em licenciar jazidas em seus territórios. Há ouro e minérios nas regiões amazônicas de Cajamarca (Peru), Guainía (Colômbia) e Pando (Bolívia). O petróleo também é assunto delicado, dadas as ambições da Petrobras de explorar a Foz do Amazonas e do Peru de ampliar operações no projeto de Nuevo Andoas. A Bolívia tem reservas potenciais no Beni.

Se na frente exploratória a pressão da indústria é um entrave, ambientalistas avaliam que é possível conseguir algo na frente de direitos humanos, como um compromisso para proteção de indígenas e defensores do ambiente em regiões de fronteira da Amazônia, onde a presença do estado é menor e conflitos abundam.

Há um acordo diplomático para cuidar disso na América Latina, o Acordo de Escazú, assinado em 2018, mas o Congresso do Brasil ainda não o ratificou. A inclusão do tema na declaração da Cúpula de Belém seria uma oportunidade de o governo Lula mostrar boa vontade no tema. 

A omissão do Brasil com Escazú ganhou peso especial após a crise humanitária com a presença do garimpo na terra Yanomami e os assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari.

A questão humanitária também será um dos principais pontos de reivindicação dos grupos indígenas representados na cúpula. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) convidou entidades irmãs de outros sete países para Belém, e reclama mais espaço na mesa de negociação. O grupo precisou acampar em Belém, devido à falta de hotéis.

— A gente não está indo até Belém para ficar dançando e apresentar uma listinha de demandas — diz Ângela Kaxuyana, assessora política e representante internacional da Coiab. — Decidir o futuro da Amazônia sem consultar os índios é o mesmo que decidir o futuro da medicina sem consultar os médicos.

A questão mais premente para o grupo é a segunda, porque está em debate agora no Congresso Nacional e no STF a regra do marco temporal, que restringe a demarcação das terras indígenas a áreas não desocupadas antes de 1988. Apesar da ameaça de retrocesso no Brasil, a situação de indígenas é ainda mais delicada em outros países amazônicos, onde o direito de povos originários à terra não está previsto em Constituição.

— Nessa questão, a gente espera até que o Brasil possa servir como uma referência aos outros países no futuro — diz Kaxuyana.


Fonte: O GLOBO