Escândalos de abuso financeiro fizeram o governo deixar de lado o sonho de Xi de tornar a China uma potência do futebol como trunfo geopolítico

O futebol chinês já foi capaz de tirar astros das maiores ligas do mundo, oferecendo salários estratosféricos e a promessa de um jogo competitivo. Entre os brasileiros, Hulk, Renato Augusto, Oscar e Paulinho são alguns dos nomes da seleção com passagem pelos gramados chineses. O investimento em contratações chegou a ser o mais alto do planeta. Hoje a realidade é bem diferente.

Desde que foi fixado um teto para salários e contratações, em 2018, o futebol chinês perdeu a atração do passado e deixou de ser páreo para os valores pagos na prateleira de cima. Hoje é mais fácil encontrar na segunda divisão do Brasil jogadores que se encaixem não só na cultura e no esquema tático da China, mas também em seu modelo de negócios atual, com parâmetros financeiros mais modestos. O antes bilionário futebol chinês caiu para a série B.

É aí que entra o olhar de profissionais como o carioca José Renato de Souza Coelho. Conhecido como Zé Renato no mundo da bola, ele trabalha desde 2007 com o time chinês Changchun Yatai e com uma das maiores agências de futebol do país, fazendo análise de mercado em busca de jogadores brasileiros. Nesse período, ele viu passar a euforia em que a liga chinesa contava com estrelas do Brasil e de outros países trazidas a peso de euro. 

O único remanescente com salário nas alturas é o brasileiro Oscar, que ganha US$ 22 milhões por ano (RS$ 107 milhões), beneficiado por um contrato anterior ao teto. A ambição de fazer da China uma potência do esporte promovida pelo presidente Xi Jinping teve que ser posta de lado. A corrida do ouro acabou sendo negativa, num coquetel com doses excessivas de infiltração política e lavagem de dinheiro. Ficou faltando investimento em talentos locais, um risco que serve como alerta para a liga saudita, atual eldorado do futebol.

Uma série de escândalos de abuso financeiro levou o governo chinês a concluir que antes de sonhar com o futebol como trunfo geopolítico é preciso arrumar a casa, punir os corruptos e combater uma ostentação que não combina com o estilo Xi.

Sem poder contar com a seleção para traduzir sua ascensão, a China projetou-se no mundo do futebol como faz em outras áreas, por meio de seu poderio econômico. A “diplomacia dos estádios” espalhou arenas na África e no Caribe e deixou sua marca na última Copa do Mundo, na qual o palco da final também foi obra de uma construtora chinesa.

Depois de três anos sem poder vir à China por causa da pandemia, Zé Renato voltou a Pequim para encarar a nova realidade. O limite imposto pelas novas regras exige outro tipo de garimpo de talentos. Além da série B do Brasil, a mira tem sido as ligas do Japão e da Coreia do Sul, onde é possível atrair brasileiros a jogar na China, diz Zé Renato.

A maior dificuldade em trazer para a China atletas que atuam no Brasil não é o teto salarial líquido de US$ 1,2 milhão por ano (R$ 5,7 milhões), explica ele. O grande problema é que também foi imposto o valor máximo de U$ 2 milhões (R$ 9,5 milhões) para contratações. Muitas vezes há acerto com o jogador, mas o time considera que ele vale mais que o teto e o negócio trava. Além disso, a aposta tem que ser certeira.

— Os clubes chineses querem jogadores que venham para resolver. Caso contrário, pagam a rescisão e mandam embora sem pensar duas vezes — diz ele.


Fonte: O GLOBO