Vox perdeu 19 deputados, especialmente em regiões onde entrou para o governo e provocou polêmicas com propostas ultraconservadoras e discursos negando 'violência de gênero' e mudanças climáticas

As eleições gerais do último domingo foram as primeiras na Espanha com eleitores de sandálias, bermudas e leques, convocadas às pressas por um primeiro-ministro acuado pela velocidade de ascensão do peso eleitoral da direita nas eleições regionais de maio. 

A participação mais alta que o previsto, em meio a um dos verões mais quentes da História, e a concentração de votos nos dois grandes partidos, contiveram o avanço da extrema direita do Vox, reduzindo de 52, em 2019, para 33 o número de cadeiras do partido no Parlamento.

O péssimo resultado da legenda liderada por Santiago Abascal reduziu as possibilidades de que um governo de coalizão PP-Vox incorpore a Espanha ao crescente grupo de países da União Europeia (UE) com governos liderados ou compostos por partidos de ultradireita e céticos em relação à UE. O mau resultado para o Partido Popular (PP) também pode obrigar o PP europeu a avaliar o custo eleitoral de sua aproximação com forças de duvidosa linhagem democrática.

Os líderes da onda de extrema direita, como a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, apoiaram publicamente a campanha do Vox, com esperança de que o quarto país pais populoso da UE caísse para seu lado. Um giro à extrema direita na Espanha daria a esse tipo de partido um peso enorme no Conselho europeu, com mais de 35% dos votos, um bloco que permitiria bloquear qualquer iniciativa da Comissão Europeia.

Mas o Vox não respondeu às expectativas de seus sócios internacionais e perdeu boa parte dos 3,6 milhões de votos que teve na última eleição em 2019. O golpe sofrido por Abascal deixa aberta a possibilidade de um governo sem sua participação ou, ainda, de uma continuidade progressista no poder, com a união do Psoe, partido do premier socialista Pedro Sánchez, com o Sumar (plataforma de esquerda) e aliados menores — além de outros desfechos como uma grande coalizão ou o retorno a novas eleições como ocorreu em 2019.

O freio ao avanço do Vox na Espanha interrompe uma trajetória de êxitos da extrema direita na Europa, onde os ultraconservadores lideram governos na Itália, Polônia, Hungria e República Checa e têm um peso enorme na Finlândia (com pastas importantes do governo) e na Suécia (com apoio parlamentar ao atual governo conservador). 

Esses países somam forças suficientes na UE para impor critérios e para impedir projetos da Comissão Europeia de irem adiante. A incorporação da Espanha daria ao grupo reacionário e contrário à integração europeia um impulso muito significativo, até o ponto de convertê-lo em obstáculo incontornável caso votassem unidos.

Abascal culpou a postura do líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, de ambiguidade diante dos potenciais aliados de ultradireita, pelo resultado sofrível do Vox nas urnas. Com apenas 33 cadeiras no parlamento, o partido segue sendo a terceira força política, mas, na prática, ficou com uma bancada que não serve à ambição de formar um governo de coalizão de direita.

Chama atenção a perda de espaço na região de Castela e Leão, onde o Vox entrou, pela primeira vez, em um governo regional, no ano passado, por onde perdeu cinco dos seis deputados que representavam a região pelo partido no Parlamento nacional.

Este foi um golpe especialmente duro para o Vox, porque o partido vendia Castela e Leão como modelo de atuação ao chegar ao poder — uma experiência que provocou, em poucos meses, uma série de polêmicas. 

Entre os casos mais emblemáticos, houve a reação de grupos ligados à comunidade LGBTQIA+ pela proibição de hastear a bandeira do orgulho no Parlamento regional, ou o caso em que foi barrada a proposta de obrigar médicos a expor mulheres que decidam por um aborto a escutar os batimentos cardíacos e ver imagens de ultrassom do feto. As críticas de associações médicas barraram a medida, em um país que legalizou o aborto em 2010.

Para analistas, a reação dos socialistas do Psoe não teria sido possível sem a proximidade da formação de governos regionais em que a aliança entre o PP e o Vox se traduziu em discursos negando a existência de violência de gênero e as mudanças climáticas e medidas ligadas à pauta ultraconservadora, como a supressão da pasta de meio ambiente em Baleares e das de igualdade, em outras localidades governadas pelos dois partidos, após a vitória da direita nas eleições regionais. Ver os resultados, na prática, do que poderia vir a ser um governo nacional PP-Vox parece ter mobilizado de forma inesperada um eleitor que não pactua com as pautas da extrema direita.


Fonte: O GLOBO