Partido conservador que lidera as pesquisas eleitorais prometeu revogar lei que acelera a identificação e exumação de centenas de pessoas executadas durante a Guerra Civil Espanhola
Quando ouviu falar pela primeira vez de um projeto para exumar e identificar os restos mortais de centenas de vítimas da Guerra Civil Espanhola — seu avô possivelmente entre elas —, Ángela Raya Fernández disse que estava "cheia de esperança".
Desde menina, ela ouvia histórias sobre como o pai de seu pai, José Raya Hurtado, foi executado durante a Guerra Civil Espanhola, tendo seu corpo jogado em um barranco pelas forças de segurança, leais ao ditador Francisco Franco. Ela só o conhecia por fotos em preto e branco: óculos redondos, uma linha de cabelo recuada e um olhar resoluto.
— Há muito tempo esperávamos que alguém o encontrasse e lhe desse um enterro digno — disse Raya, uma bibliotecária de 62 anos, de fala mansa.
Mas com as eleições gerais no domingo e as pesquisas prevendo uma vitória da direita, Raya e sua família, juntamente com milhares de outras pessoas, temem que os anos de esforços para encontrar seus entes queridos possam ser subitamente interrompidos.
O Partido Popular conservador, que cresceu em parte a partir de raízes franquistas, prometeu revogar uma lei de memória aprovada no ano passado sob o comando do atual primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, com o objetivo de acelerar as exumações. Uma possível aliança entre os conservadores e o partido de extrema direita Vox, que há muito tempo se opõe às tentativas de abordar os crimes do passado, apenas aumentou esses temores.
— Seria uma catástrofe — disse Raya. — Um enorme passo para trás.
As idas e vindas em relação à lei da memória refletem como os traumas da Guerra Civil de 1936-39 na Espanha e a subsequente ditadura de Franco, que terminou com sua morte em 1975, ainda dividem o país atualmente.
Para alguns, Franco, um nacionalista, consolidou o crescimento econômico da Espanha no pós-guerra e serviu como um baluarte anticomunista. Para muitos outros, seu governo foi de repressão, marcado por execuções em massa, exílio de milhares de pessoas e sequestro de crianças.
Estima-se que 100 mil pessoas foram executadas pelos partidários de Franco durante e após a Guerra Civil e enterradas em mais de 2 mil valas comuns espalhadas pelo país.
Ninguém se atreveu a perturbar esses locais num país onde o legado de Franco há muito tempo não é examinado. Os conservadores, em particular, argumentaram que as exumações apenas reabririam velhas feridas.
Para a esquerda, o silêncio tem sido tudo menos terapêutico, até mesmo enfurecedor. Durante a ditadura, os espanhóis foram proibidos de falar sobre os assassinatos. Uma lei de anistia, aprovada em 1977, tinha a esperança de colocar um ponto final nos crimes do passado, mas na verdade tornou o esquecimento uma parte crucial do esforço para curar uma nação dividida em transição para a democracia.
— Era uma cultura de silêncio — disse Agustín Gómez Jiménez, 49 anos, um agente de saúde que contou como seu pai se recusou por muito tempo a mostrar até mesmo uma foto de seu próprio pai, executado em 1936.
Gómez disse que foi preciso que sua irmã vasculhasse os pertences de seu pai para finalmente encontrar algumas fotos, cinco anos atrás. Uma delas mostra seu avô em uma praia, de mãos dadas com seu filho pequeno, que logo ficaria órfão. "Tenho arrepios só de pensar que meu pai escondeu as fotos. Ele ficou muito traumatizado", disse ele.
Os primeiros esforços para lidar com as valas comuns começaram em 2007, quando o primeiro-ministro de centro-esquerda, José Luis Rodríguez Zapatero, aprovou uma "lei de memória histórica" que deu apoio governamental às exumações. Mas a legislação demorou a entrar em vigor e, quando o Partido Popular assumiu o poder em 2011, os conservadores prontamente acabaram com a lei.
Foi preciso mais uma década, o compromisso das regiões espanholas controladas pela esquerda e a lei do ano passado — que criou um censo e um banco nacional de DNA para ajudar a localizar e identificar os restos mortais — para que as exumações finalmente ganhassem impulso.
Esses esforços são evidentes em Viznar, uma pequena vila caiada de branco situada nas montanhas com vista para Granada. Há três anos, uma equipe de arqueólogos vem escavando a ravina onde os avós de Raya e Gómez foram enterrados junto com cerca de 280 outras vítimas, incluindo possivelmente o poeta espanhol Federico García Lorca.
Um porta-voz do Partido Popular sugeriu que as exumações poderiam continuar após as eleições, dizendo que "os parentes têm o direito de reivindicar os corpos de seus entes queridos".
Mas muitos parentes disseram que se lembravam de como Mariano Rajoy, o primeiro-ministro conservador anterior da Espanha, se vangloriava de ter reduzido a zero o financiamento público para a lei da memória de 2007.
A possibilidade de uma aliança nacional entre o Partido Popular conservador e o partido de extrema-direita Vox — que as pesquisas sugerem ser a única maneira de a direita garantir a maioria no parlamento — apenas exacerbou os temores das famílias das vítimas.
Nas últimas semanas, eles têm olhado com ansiedade para as coalizões de governo locais forjadas entre os dois partidos após as eleições regionais de maio: elas quase sempre incluíam planos para restringir os projetos de memória.
— O governo central é nosso último baluarte, nossa fortaleza do Álamo — disse Matías Alonso Blasco, que representa as famílias da região de Valência, onde a direita recentemente assumiu o controle político. — Se ele cair, está tudo acabado.
Vários representantes da Vox recusaram os pedidos de comentários para esta reportagem.
Na região de Valência, a nova coalizão de direita disse que "as normas que atacam a reconciliação em questões históricas serão revogadas". Muitos entenderam isso como uma referência à lei de memória local de 2017 que ajudou a escavar cerca de dois terços das 600 valas comuns da área.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários