Órgão será vinculado à Fazenda, que estima que 70 empresas estão interessadas em regularizar atividades no país

Depois de publicar uma medida provisória (MP) para regulamentar o setor de apostas esportivas, no fim de julho, o governo federal prepara a criação da nova Secretaria Nacional de Prêmios e Apostas, dentro do Ministério da Fazenda. 

O órgão contará com agentes da Polícia Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para monitorar o sistema de apostas esportivas no país, chamadas também pelo nome de “Bets”. Um decreto geral de reorganização da estrutura da pasta comandada por Fernando Haddad deve sair nas próximas semanas, com a inclusão da nova secretaria.

O GLOBO teve acesso ao desenho do organograma, que já está sendo montado. Ao todo, serão quatro subdivisões: subsecretaria de credenciamento; monitoramento; fiscalização; e sanção. Serão ao menos 54 cargos, 60% deles já definidos. Mas os técnicos do ministério ainda negociam um aumento para 65 postos. A nova secretaria deve custar cerca de R$ 4 milhões ao ano, com equipamentos de tecnologia e agentes de campo.

A subsecretaria de credenciamento ficará responsável pelo processo de autorização das empresas, análise documental e pagamento da outorga. A empresa precisará ter CNPJ no Brasil. Essa subsecretaria também ficará responsável pela arrecadação e destinação.

A investigação estará concentrada na subsecretaria de monitoramento, que será chefiada por um delegado da Polícia Federal. O nome ainda não foi divulgado. O departamento terá os sistemas de vigilância do mercado no Brasil, com análise de informações de eventuais práticas ilícitas, como manipulação de resultado e lavagem de dinheiro.

Na subsecretaria de fiscalização, o foco será nas empresas já credenciadas e operando no mercado, ficando responsável por verificar se estão atendendo às regras de conformidade. Já a subsecretaria de ações sancionatórias será responsável por instaurar processos administrativos para aplicação de possíveis punições, em casos de irregularidades.

Governo federal terá nova Secretaria Nacional de Prêmios e Apostas, dentro do Ministério da Fazenda — Foto: Editoria de arte

70 empresas interessadas

Para conseguir a licença de operação no Brasil, cada Bet terá de pagar uma taxa de autorização no valor de R$ 30 milhões. Integrantes do Ministério da Fazenda estimam que ao menos 70 empresas já estejam interessadas em regularizar as atividades de apostas no país. Serão entre cinco a 10 anos de licença para operações. Os técnicos ainda estudam o tempo ideal.

Aliados de Haddad também esperam que empresas americanas de apostas esportivas passem a se interessar pelo mercado brasileiro. Isso porque essas companhias estão listadas em Bolsas e só podem atuar em mercados regulados. A expectativa é que o Brasil passe a ser um mercado atraente, a partir da regularização. 

Apenas com a regularização das Bets o governo espera arrecadar R$ 2 bilhões em 2024, mas o valor deve aumentar ao longo dos anos, quando o setor se consolidar. A estimativa de arrecadação anual poderá ficar entre R$ 6 bilhões a R$ 12 bilhões.

Como o mercado não é regulamentado, os técnicos da Fazenda estão trabalhando a partir de projeções de entidades e associações do setor, considerando empresas já em operação e a eventual entrada de novas casas de apostas. 

Além da outorga inicial, será cobrada uma taxa de 18% sobre a receita bruta das empresas para cada evento. Esse tributo — chamado de Gross Gaming Revenue (GGR) — é praticado em outros países, sendo típico para as atividades de apostas.

— Além da taxa de 18% sobre a receita bruta das empresas de apostas, há os impostos federais e municipais já aplicáveis. Essa taxa, específica do setor, é conhecida como Receita Bruta de Jogos, cobrada “por evento”, ou seja, a cada jogo ou partida — diz o advogado tributarista Mozar Carvalho, com atuação na área.

Volta da lotex

O valor não incide sobre os prêmios pagos aos jogadores e também não exclui a obrigação das empresas pagarem outros tributos, como Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) ou o Imposto Sobre Serviços (ISS). Já o prêmio recebido pelo apostador passará a ser tributado em 30% no Imposto de Renda (IRPF), com exceção dos prêmios de até R$ 2.112, que ficam isentos.

Quem jogar e não ganhar não precisará pagar imposto. O dinheiro arrecadado com o GGR será dividido da seguinte forma: 10% serão destinados à Seguridade Social; 3% para o Ministério do Esporte; 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP); 1,63% para os clubes esportivos; 0,82% para a educação básica.

Além das Bets, a nova secretaria ainda vai cuidar de outros sistemas de apostas que já existem no país, como as Loterias Caixa. O Ministério da Fazenda também vai passar a monitorar qualquer tipo de promoção feita por empresas e lojas. 

O governo Lula também quer retomar a Lotex, conhecida como raspadinha. Mas, para isso, será aberto um processo de licitação para escolha de uma única empresa operadora. A raspadinha não terá concorrentes, diferente das Bets.

Ao mesmo tempo em que enviou a MP ao Congresso, a Fazenda encaminhou um projeto de lei para regularizar o mercado. Líderes da Câmara dos Deputados dizem que a MP deve caducar, e apenas o projeto de lei irá tramitar. Os deputados garantem que as regras e taxas previstas na MP serão incluídas no PL. A proposta deve abarcar as demais atividades de apostas do país.

Medidas previstas para aumentar arrecadação

Taxação de fundos exclusivos

Voltados para o público de alta renda, esses fundos não estão sujeitos à cobrança do “come-cotas” (recolhimento semestral). O pagamento é feito apenas no resgate. A ideia é alterar a regra e passar a cobrar o “come-cotas” como ocorre hoje nos fundos abertos. A medida já foi tentada em outras ocasiões e enfrentou resistência no Congresso.

Tributação de rendimentos no exterior

O governo quer criar alíquotas progressivas para a tributação de rendimentos no exterior (offshore) de residentes no Brasil. Esse patrimônio normalmente está em paraísos fiscais. Hoje, a tributação ocorre apenas no momento do resgate do investimento. Rendimentos até R$ 6 mil ficariam isentos, acima desse patamar haveria tributação.

Incentivos fiscais no ICMS

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a União a cobrar integralmente impostos federais de empresas que têm incentivos do ICMS para custeio. O subsídio local reduz a base da cobrança do tributo federal. Porém, avalia-se que é necessário regulamentar a cobrança. As medidas buscam ajudar o governo a fechar as contas em 2024.


Fonte: O GLOBO