Evidências mostram que sim, e especialista recomenda ampliar ao máximo o intervalo entre a bebida e a ida para a cama

É quase certo que, depois de ingerir um alto volume de bebidas alcoólicas, a noite vai ser difícil. A grande maioria das pessoas dorme mal, acordando diversas vezes e se revirando na cama até de manhã. Mas e quando o consumo envolve apenas uma taça de vinho, ou lata de cerveja, antes de ir para a cama? Ela pode ser benéfica para o sono?

A resposta curta é que uma dose já é suficiente para interferir na hora de dormir. Ainda que logo após o consumo a pessoa se sinta mais relaxada e consiga adormecer de forma mais rápida, graças ao efeito sedativo do álcool, o resto da noite vai ser prejudicado pelo caráter estimulante da substância.

Um estudo conduzido por pesquisadores finlandeses, publicado na revista científica JMIR Mental Health, analisou dados de 4.098 adultos entre 18 e 65 anos e comparou a qualidade do sono após a ingestão de álcool com a de uma noite comum sem a bebida. Eles observaram uma queda de 9,3% na qualidade mesmo após uma taça.

Além disso, o trabalho também confirmou que essa relação é dose-dependente, ou seja, quanto mais bebida, pior. Quando o consumo foi moderado, de cerca de três doses, o sono teve uma diminuição de 24% na qualidade. Já entre aqueles que beberam muito, a queda no estudo chegou a ser de 40%.

O cientista Ian Colrain, presidente e CEO da organização independente de pesquisas MRI Global, que participou de uma série de trabalhos sobre a relação entre álcool e sono, explica que um dos fatores que entra em cena é o ritmo do coração.

— O sono foi projetado para proporcionar a você uma espécie de férias cardíacas. Sua frequência cardíaca cai, sua pressão arterial cai. (Mas) uma coisa que acontece com o álcool é a elevação da frequência cardíaca — disse em entrevista à National Geographic.

Esse efeito no decorrer da noite após somente uma dose foi alvo de um estudo realizado por Colrain e publicado em 2020. Ele comparou três cenários: um de consumo de álcool baixo – duas doses para homens e uma para mulheres –, outro de consumo alto – quatro doses para homens e três para mulheres – e o último em que os participantes beberam vinho sem álcool.

No trabalho, o consumo ocorreu até duas horas antes de os voluntários irem para a cama. Os resultados mostraram que o volume alto de álcool manteve a frequência cardíaca elevada durante as primeiras seis horas de sono. Porém, mesmo o baixo, que englobou apenas uma dose entre mulheres, manteve o ritmo acima do normal durante as primeiras quatro horas.

Segundo Colrain, o impacto ocorre particularmente na fase de movimento rápido dos olhos, chamada de sono REM, que é a etapa mais profunda quando ocorre a maioria dos sonhos. Para Sabra Abbott, professora assistente de neurologia em medicina do sono na Faculdade de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern, uma alternativa é estabelecer o maior intervalo possível de tempo entre a bebida e o sono.

— Provavelmente não há problema em tomar uma taça de vinho com o jantar quatro horas antes de dormir — afirma.

Ajuda no início, mas piora depois

Essa ideia de que o álcool em doses baixas poderia ser benéfico para o sono é devido ao efeito inicial que ele tem no organismo, explica Jennifer Martin, psicóloga e professora de medicina da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

— Ele é inicialmente sedativo, mas, à medida que vai sendo metabolizado, é muito ativador. Você paga por isso na segunda metade da noite — explica.

Por isso, na primeira metade, a pessoa provavelmente dormirá profundamente e sem sonhos. No cérebro, o álcool estará atuando no ácido gama-aminobutírico, ou GABA, um neurotransmissor que inibe os impulsos entre as células nervosas e tem um efeito calmante.

Porém, mais tarde, à medida que os níveis de álcool na corrente sanguínea caem, o cérebro entra em ação, a frequência cardíaca permanece elevada, e o corpo sofre uma excitação de rebote.

O indivíduo provavelmente terá sonhos mais vívidos ou estressantes e, já que acordará mais vezes, se lembrará deles. Além disso, como o álcool relaxa os músculos das vias aéreas, a pessoa pode roncar mais.

— Pode ser muito revelador observar o quanto o álcool afeta seu sono. Muitas pessoas que pensam que têm insônia podem estar bebendo demais ou muito perto da hora de dormir — diz Abbott.


Fonte: O GLOBO