Gravações das bodycams são frequentemente utilizadas para corroborar depoimentos de policiais em processos por tráfico, roubo e outros crimes

Desde que foram adotadas em 2021, as câmeras corporais usadas pelos policiais militares de São Paulo são alvos de críticas de grupos políticos ligados à pauta da segurança pública, como o bolsonarismo, sob o argumento de que os equipamentos poderiam tolher a liberdade dos agentes e impedir que eles reagissem a eventuais confrontos. 

Mas na Justiça, as gravações das bodycams têm sido amplamente utilizadas em processos criminais para corroborar depoimentos dos policiais e ajudar em condenações por crimes como tráfico de drogas, roubo e furto.

Há diversos exemplos de condenações confirmadas em primeira e segunda instâncias pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que citam os registros das câmeras corporais como provas. Ao todo, são 10.125 câmeras corporais em uso, abrangendo 52% dos policiais militares do estado.

No dia 7 de agosto, por exemplo, a 10ª Vara Criminal de São Paulo utilizou as gravações das câmeras corporais de PMs como provas para condenar um homem a cinco anos e dez meses de prisão por tráfico de drogas. Isso porque os vídeos mostraram o homem confessando aos policiais que estava trabalhando para o tráfico para pagar uma dívida. Nas imagens, ele afirma por diversas vezes que era responsável por guardar drogas em barracos e por observar se a polícia estava chegando no local.

No dia 4, a 21ª Vara Criminal condenou dois homens por roubo de celular em Pirituba, Zona Norte da capital, também se baseando nas imagens captadas pelas bodycams, que gravaram o momento em que eles confessaram o crime aos policiais.

No dia 2 de agosto, um morador do Guarujá, no litoral, foi condenado por tráfico de drogas porque as câmeras corporais dos policiais registraram o momento em que ele confessa que pertence a uma organização criminosa, onde exercia a função de “disciplina”, e que guardava comprimidos de ecstasy em sua casa.

Mas as imagens não servem apenas a favor da acusação e, em muitos casos, são usadas para absolver os réus. Em 25 de julho, a 16ª Câmara de Direito Criminal do TJSP reconheceu que as gravações das bodycams não corroboravam os depoimentos dos policiais, que acusavam um homem de roubar veículos. Ele havia sido denunciado pelo Ministério Público, mas foi absolvido em primeira e segunda instância justamente pela inconsistência dos depoimentos com as imagens das câmeras.

Isso porque os PMs afirmaram que uma das vítimas que teve seu veículo roubado foi quem apontou para um caminhão vermelho que passava pela Marginal Tietê, no qual estaria o suposto autor do roubo. Mas “as imagens acostadas das câmeras acopladas nas fardas dos policiais, não se verifica o momento” referido pelos policiais. “Seria esperado que as imagens captassem o ofendido apontando e até explicando o fato para os policiais militares, o que não consta das mídias", destaca o acórdão.

Em outros casos, a defesa ou o Ministério Público pedem as imagens, mas elas nem sempre chegam ao Judiciário. Em 25 de julho, por exemplo, a 1ª Vara Criminal julgou o caso de um homem que havia sido acusado dos crimes de tráfico de drogas e resistência à prisão. A defesa pediu as gravações, mas a polícia não as concedeu porque informou que as imagens só ficavam armazenadas durante 30 dias.

De acordo com o protocolo da própria PM, as imagens devem ficar armazenadas entre 90 dias a um ano. O homem foi condenado pelo crime de tráfico de drogas, mas absolvido pelo crime de resistência porque não havia provas corroborando o depoimento dos agentes que fizeram a abordagem.

Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que ainda não há estudos sobre o uso das imagens gravadas por câmeras corporais de policiais militares na Justiça, mas as gravações têm o potencial de serem utilizadas como provas em processos judiciais. Ela argumenta que para que o uso seja feito no Judiciário, é preciso primeiro que a imagem exista, que ela seja de fácil acesso, que seja armazenada com todos os critérios de confiabilidade e que esse acesso seja dado às outras instituições e que as instituições queiram usar.

— Primeiro, depende de quão disponíveis as imagens estão — e no meu entendimento, em São Paulo as imagens estão disponíveis — mas depende muito da intenção de promotores e defensores de usar. 

O uso de câmeras corporais é positivo porque se você filmar com uma câmera na rua, dificilmente isso poderá ser usado como prova, porque não fica marcado quem filmou, que horas filmou, se a imagem foi adulterada. 

Já uma imagem da polícia tem toda a cadeia de custódia, quem usou, quem acessou, e isso é importante. Mas depende dos promotores e defensores fazerem uso. Uma coisa é o caso do Guarujá, que teve amplo apelo público, outra coisa é saber se as imagens das câmeras são requisitadas no dia a dia.

Movimento contra as câmeras

Após a deflagração da Operação Escudo, que deixou 16 mortos em Santos e Guarujá em decorrência de intervenção policial — de acordo com o governo, todos eram suspeitos de crimes e foram mortos em confrontos — deputados bolsonaristas se movimentaram na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a fim de rever a política de câmeras corporais.

Rafa Zimbaldi (Cidadania) enviou um requerimento à secretaria de Segurança Pública pedindo que Derrite se apresente à Comissão Permanente de Segurança da Alesp, para discutir a possibilidade de acabar com as câmeras. Para o parlamentar, os equipamentos “são utilizados como ferramenta punitiva aos agentes de segurança pública da PM”. O deputado Gil Diniz (PL) defendeu que “está na hora de debatermos em São Paulo, a retirada das câmeras no peito dos nossos policiais” porque “a bandidagem não pode ter essa vantagem”.

Reportagem do GLOBO mostrou que, apesar da obrigatoriedade do uso de câmeras corporais, a PM não gravou as primeiras mortes no Guarujá (SP) ocorridas no último fim de semana durante a Operação Escudo, segundo pessoas ligadas à investigação. 

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) pediu à Polícia Militar os vídeos dos agentes presentes nas cenas das primeiras mortes, mas a resposta formal do órgão é de que não há imagens, porque os agentes daqueles casos não estavam usando câmeras durante parte do patrulhamento.


Fonte: O GLOBO