Em meio à exibição de fortunas no mundo digital, a moda agora é o luxo silencioso: 'Poder não é postar, é comprar primeiro', avalia especialista

"É um código. Você telegrafa status sem parecer fazê-lo", explicou William Norwich, um romancista e editor que ocupou um lugar na primeira fila da elite endinheirada de Nova York como colunista de fofocas na década de 1980. Essa é a "riqueza furtiva", uma tendência que cresce entre multimilionários em meio à aversão à "pornografia da riqueza".

A exibição da fortuna é perceptível, mas apenas para aqueles que sabem o que estão procurando. Os multimilionários sinalizam a riqueza com joias domésticas e peças discretas, qualificadas pelos materiais, pelas marcas de luxo e pela exclusividade.

Os itens do "luxo silencioso" são como os bonés Loro Piana do personagem Kendall Roy na série "Succession". No site da marca, eles vão de 390 euros (R$ 2.042) a 690 euros (R$ 3.613).

No vestuário de luxo, são roupas como as do estilista italiano Brunello Cucinelli. O italiano lançou um casaco esportivo tão discreto que parece genérico, uma peça que poderia estar em qualquer loja da Itália ou do mundo. Mas alguns vão reconhecer que aquela não é qualquer peça e não vão se assustar com a etiqueta de US$ 24,5 mil (R$ 116 mil).

Estilista Brunello Cucinelli faz 'uniformes para ricos', mas sem ostentação — Foto: Reprodução/Instagram

O filho de um fazendeiro da Úmbria que transformou uma linha de suéteres de caxemira em uma fortuna pessoal de bilhões de dólares não desenha roupas para qualquer pessoa. Ele cria com orgulho "uniformes para os ricos", como disse por telefone.

São também sistemas de café TopBrewer operados por computador que mandam trazer da Dinamarca por US$ 15 mil (R$ 70 mil, na cotação atual). Ou mesmo toalhas de linho bordadas à mão com monogramas de US$ 700 (R$ 3,3 mil) da loja Loretta Caponi e interruptores de US$ 200 (R$ 1.039), da marca inglesa Forbes & Lomax.

Toalhas de linha da Loretta Caponi e sistemas de café da TopBrewer são itens do luxo discreto — Foto: NYT/Reprodução Site TopBrewer

Para os ricaços, a discrição passa a ser o ápice, ressaltou Stellene Volandes Volandes, da Town & Country.

— O movimento de poder não é postar, não é compartilhar — disse ela. — É saber aonde ir primeiro, o que comprar primeiro, se distanciar da multidão, não segui-la de forma alguma e não se exibir.

Ultimamente, em todo o Brooklyn gentrificado — ou Hollywood no Hudson, como alguns chamam um bairro que agora abriga Adam Driver, Matt Damon, Michelle Williams e Daniel Craig e Rachel Weisz —, os ricaços sinalizam o luxo doméstico com detalhes decorativos.

— São joias domésticas — disse David Hottenroth, sócio do escritório de arquitetura Hottenroth & Joseph, referindo-se aos elegantes interruptores no estilo dos anos 1930 feitos de níquel, bronze e latão.

"Nada deve ser notado" é uma expressão muitas vezes atribuída à herdeira Bunny Mellon. Era no hábito ostensivamente modesto de Mellon de encomendar aventais de jardim de alta costura da Givenchy e pendurar seu melhor Braque numa sala escondida que se podia detectar as bases iniciais sendo lançadas para o que acabaria sendo comercializado como "luxo silencioso", de acordo com Mac Griswold, biógrafo de Mellon.

— Esse tipo de atitude 'O que, eu? Rico?' Origina-se dela — disse Griswold.

Interruptores e boné estão entre discretos itens de luxo — Foto: NYT

'Riqueza furtiva'

Privacidade, discrição e, em grande medida, anonimato são a base para a riqueza furtiva. A alegoria silenciosa do luxo foi desenvolvida para ocultar a verdade invariável de que o marcador de status essencial é "quanto espaço você ocupa", como disse Norwich. Quer dizer espaço econômico.

No que diz respeito às tendências, a "riqueza furtiva" foi bem adequada para um momento em que a mídia social transformou a todos em voyeurs de fato enquanto os grotescamente ricos exibem seus carros, suas roupas de grife e os armários em suas mansões Calabasas dedicados às bolsas Hermès Birkin.

Essa tendência se recupera num momento em que estamos gastando coletivamente mais tempo verificando o que os ricos e famosos estão fazendo, com narrativas apresentadas a nós por estranhos bem-sucedidos.

Pessoas como a modelo e filantropa Karlie Kloss, casada com Josh Kushner - um investidor cuja participação em empresas iniciantes como Instagram, Spotify e Slack rendeu uma fortuna pessoal estimada em US$ 3,6 bilhões (R$ 17 bilhões).

Em postagens criadas para o deleite de seus 12 milhões de seguidores no Instagram, Kloss evoca uma narrativa na qual ela e sua família habitam um império digital, num lugar distante das preocupações com o contracheque.

— Pornografia de riqueza — classificou Stellene Volandes, editora-chefe da Town & Country, em referência a essas postagens. E, como acontece com qualquer permutação de entretenimento adulto, é gratuito e qualquer um pode assistir.

Nem sempre foi assim. Os anos 1980 também foram uma era de criação desenfreada de riqueza. A exibição de status opulento pode ter sido ocasionalmente grotesca (pense em festas de aniversário para 500 pessoas no Templo de Dendur do Metropolitan Museum of Art) — e, ainda assim, eram muito menos visíveis para os público geral. Os excessos de ocasião foram notados por poucos.

'Poder não é postar, é comprar primeiro'

Se os excessos do estilo dos anos 80 permanecem — e com certeza permanecem — eles são minimizados, discretos, escondidos à vista de todos. Isso foi sutilmente evidenciado em um evento beneficente em Manhattan realizado este ano para o Society of Memorial Sloan Kettering Cancer Center, um evento que celebra a abertura da prestigiosa TEFAF Art Fair.

O que chamou a atenção no evento não foi tanto a presença de compradores que não se intimidaram com etiquetas de preços de seis e até sete dígitos para objetos como um estudo de esboço de Gustav Klimt, mas sim, como os participantes estavam discretos em sua maneira de se vestir.

Não havia nenhuma bolsa "it" para ser vista naquela noite. E, embora as pessoas estivessem, sem dúvida, vestidas com grifes caras, as grifes que usavam eram da Khaite, Row ou Prada — chiques, mas decididamente sem logotipo. Os homens portavam casacos esportivos sutis de Brunello Cucinelli ou Loro Piana. Usavam joias, mas não eram criações de marcas a que os zilionários tradicionalmente recorreriam.

— Sabe, eu quero algo que eu possa usar todos os dias sem parecer ridícula — disse uma cliente da Hemmerle na feira TEFAF, com a condição de que o conhecido nome de sua família não aparecesse na imprensa.

De certa forma, o status em todos os momentos e em todas as sociedades é calibrado "de acordo com o grupo ao qual você se associa, sua posição e posição em relação aos outros", explica Ronit Lami, psicólogo da riqueza e terapeuta dos UHNWIs (Indivíduos com elevado patrimônio líquido). Segundo ele, a ostentação de riqueza é desaprovada nos níveis mais altos de renda.

— Digamos que você tenha um avião particular: e daí? —, disse Lami. — Para um multibilionário, um avião particular provavelmente não será considerado um símbolo de status. Eles podem ter cinco ou seis.


Fonte: O GLOBO