Governo Tarcísio deu início a operação para localizar autor do crime, cujos desdobramentos deixaram 16 mortos até agora; organizações pedem fim da missão

Uma megaoperação envolvendo 1,7 mil policiais militares de três estados (SP, SC e RS) atuou na região de Santos quatro dias antes da morte do PM da Rota Patrick Reis, da Rotas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), no Guarujá, no último dia 27. A ação foi coordenada por um grupo de secretários de Segurança Pública linha-dura criado neste ano.

No fim de semana, o governo de São Paulo deu início à Operação Escudo para localizar o autor do crime, cujos desdobramentos deixaram 16 mortos até agora. Organizações da sociedade civil pedem para que o governador Tarcísio de Freitas interrompa a missão, que tem levantado relatos de violações de direitos humanos.

O grupo interestadual, chamado de Sulmassp e de predominância bolsonarista, tem feito operações que atravessam fronteiras visando combater o tráfico de drogas. Nos bastidores do Congresso, seu papel é outro: fazer lobby junto aos deputados e senadores para endurecer a legislação penal. 

Além dos três estados citados, Paraná e Mato Grosso do Sul também compõem o grupo, mas não enviaram tropas para Santos naquela data. Um dos secretários ouvidos afirmou que acha temeroso enviar agentes para uma região tão peculiar quanto a baixada, policiais que não têm costume de atuar em favelas para subir os morros.

O batalhão em que o PM Reis atuava fazia parte da Operação Impacto Guarujá — simultaneamente à Operação Sulmassp, feita entre 20 e 23 de julho. Dois coronéis da PM disseram ao GLOBO, no entanto, que a Rota estava no local como "rescaldo" da ação interestadual.

O governo cita apenas que a polícia "fazia patrulhamento na comunidade" quando foi atacada por criminosos, isto é, uma ação cotidiana. Em São Paulo, 1.186 pessoas foram presas na Operação Sulmassp, sendo 880 procurados, além de 609 veículos recuperados e 7,9 toneladas de drogas apreendidos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP).

Estratégica para o crime

Pela localização privilegiada e geografia peculiar, a Baixada Santista se tornou um dos pontos mais estratégicos para os negócios internacionais do Primeiro Comando da Capital (PCC). A proximidade com o maior porto do Brasil, em Santos, ajuda no escoamento das remessas de cocaína pura escondidas em cargas lícitas dentro de navios. Já as comunidades encravadas em áreas de mangues e morros de difícil acesso favorecem as fugas dos criminosos e a camuflagem da droga.

Em outros locais, não é da natureza da facção paulista entrar em confronto com a polícia. Ao manter as áreas pacificadas, o grupo afasta as forças de segurança e toca seus negócios do tráfico de drogas com tranquilidade. Na Baixada Santista, entretanto, a dinâmica é diferente. O PCC se estabeleceu ali no início dos anos 2000, e sempre com um perfil mais combativo. Isso porque os morros e mangues são essenciais para esconder a droga que será exportada para países europeus.

O delegado Fabrizio Galli, chefe da Delegacia de Repressão a Drogas da Polícia Federal de São Paulo, explica que o crime nas comunidades do Guarujá tenta atuar de forma semelhante ao do Rio de Janeiro, com o domínio do território.

— O crescimento da criminalidade é porque o Estado entra pouco, quase não aparece, e os bandidos vão ocupando os espaços. Quando a polícia entra, é de forma violenta — ressaltou.

Galli já coordenou várias operações para combater o tráfico internacional de cocaína via porto de Santos. A primeira de maior fôlego foi a Oversea, em 2014, que resultou num mandado de prisão de um dos narcotraficantes mais proeminentes da Baixada, André Oliveira Macedo, o André do Rap, foragido desde 2020. Galli conta que a fundação e o crescimento da facção na região se dão a partir do porto de Santos, o maior terminal da América Latina.

— Todo mundo que entra para trabalhar ali é cooptado pelo PCC, mesmo quem não tem antecedente. Além disso, nas comunidades da Baixada, muitos estão se especializando no crime. Tem desde aquelas fazendo curso de mergulho para colocar a cocaína do navio e mandar para a Europa até os que se dedicam a conhecer a entrada na baía do porto, para atuar na logística — informou.

Só neste ano, oito PMs, incluindo Reis, foram mortos na região da chamada CPI-6 (Comando de Policiamento Interior), responsável pelo policiamento de toda extensão do litoral, segundo a SSP. Sete deles estavam fora de atividade. Outros 12 foram feridos, sendo oito em serviço.

O GLOBO apurou com investigadores que a morte do PM da Rota é parte deste contexto mais amplo de conflagração da Baixada Santista. Um dia antes da morte de Reis, o 21o Batalhão de Polícia Militar havia matado uma pessoa no Guarujá. A Rota chegou para dar reforço e entrou na comunidade do crime.

É consenso entre os agentes ouvidos que o atirador que acertou Reis não tinha a intenção de matá-lo. Os suspeitos de terem acertado o soldado sequer sabiam que ele era da Rota. Eles teriam confundido a viatura e acreditavam que, na realidade, se tratavam de agentes do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), segundo seus depoimentos à Polícia Civil.

(Colaborou Hyndara Freitas)


Fonte: OGLOBO