Desconfiança com a ascensão chinesa e sua diáspora persiste nos países do Sudeste Asiático, mas é superada pelos laços econômicos e pelo interesse em atrair investimentos

Ao menos cinco cidades da China têm voos diários para Bornéu, a ilha na Malásia que tem o tamanho de duas Alemanhas e uma das biodiversidades mais ricas do planeta. O resultado é visível das ruas às florestas, onde turistas chineses estão por toda parte. É um destino conveniente não só pelos preços em conta, mas pela afinidade cultural: 23% da população malaia têm origem chinesa.

Após três anos sem poder viajar ao exterior devido às restrições da política de Covid zero, os turistas chineses voltaram a dominar as estatísticas regionais, dando um alento às economias locais. Mas a retomada do fluxo que havia sido estancado é também motivo de preocupação, e não apenas em paraísos ecológicos como Bornéu, onde casos de desrespeito à preservação do meio ambiente envolvendo turistas chineses causam indignação. O pano de fundo é o delicado tecido multiétnico da sociedade malaia e históricas tensões étnicas.

Sobretudo com a minoria de origem chinesa. Ninguém esquece o traumático 13 de maio de 1969, quando centenas morreram numa explosão de violência sectária na capital, Kuala Lumpur. O episódio manteve o país sob estado de emergência por dois anos e levou à implementação de políticas destinadas a corrigir uma suposta distorção deixada pelo sistema colonial britânico, em que os malaios só controlavam 1,9% da economia do país, enquanto a minoria chinesa detinha mais de um terço dela.

Cinco décadas de implementação das políticas reduziram a disparidade de renda entre a minoria e o resto da população, mas prevalece a percepção de que a comunidade chinesa tem influência desproporcional na economia. Entre os dez mais ricos da Malásia, nove são de origem chinesa. A percepção é parecida na vizinhança. A diferença é que, em países como Tailândia e Indonésia, a diáspora chinesa está mais integrada.

Já na Malásia, a identidade chinesa permanece bem viva. A comunidade se comunica em mandarim e habita um universo cultural próprio, apesar de estar há várias gerações no país. É o caso de Luke, cujos avós deixaram a província chinesa de Guandong no início do século 20, quando a China estava mergulhada na instabilidade política. 

Ator bissexto, com papéis em produções malaias faladas em mandarim, Luke foi forçado a se virar para ganhar a vida como guia turístico, depois que seu restaurante foi levado à falência pela pandemia.

Dos turistas chineses que visitam Bornéu, ele ouve falar da pressão e das restrições à liberdade na terra de seus antepassados. Mas o que mais lhe salta aos olhos é o poder aquisitivo superior ao seu e o desenvolvimento econômico do país do qual seus avós saíram para escapar da pobreza. Ao ser perguntado se gostaria de viver na China, Luke não pensa duas vezes. “Claro que sim”, diz ele, “lá eu teria muito mais oportunidades”.

A desconfiança com a ascensão da China e sua diáspora persiste nos países do Sudeste Asiático, mas é superada pelos laços econômicos e pelo interesse em atrair investimentos. Em março, o primeiro-ministro malaio, Anwar Ibrahim, encontrou-se com o presidente chinês, Xi Jinping, e causou controvérsia ao dizer que estava aberto a negociar as disputas territoriais com Pequim, em meio ao anúncio de bilhões em investimento chinês no país. Uma das áreas em disputa fica justamente na costa de Bornéu, a ilha onde o turista chinês é quem dá as cartas.


Fonte: O GLOBO