Levantamento mostra que total aplicado chegou a R$ 567 bilhões este ano. Governo quer tributação similar a de fundos

Na mira do Ministério da Fazenda, o patrimônio dos fundos exclusivos para "super--ricos" cresceu 40% nos últimos cinco anos e chegou a R$ 567 bilhões este ano, mostra um levantamento feito pela Quantum Finance a pedido do GLOBO.

O governo quer mudar a tributação desses fundos para compensar a perda de arrecadação com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, que entrou em vigor este ano.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) define esse tipo de fundo como aqueles que são constituídos para receber aplicações exclusivamente de um único cotista. Na prática, dado os custos operacionais, a entrada para investimento nessa classe costuma ser alta: começa em, pelo menos, R$ 5 milhões, segundo um gestor desse tipo de fundo consultado pelo GLOBO.

Mas o valor de entrada pode ser ainda maior, chegando aos R$ 10 milhões.

O número de fundos exclusivos registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quase dobrou no período: subiu de 1,2 mil, em 2018, para 2,3 mil até abril deste ano.

— A lei não estipula um valor mínimo para constituir um fundo exclusivo. Mas os custos envolvidos para manter a estrutura são altos. É preciso um montante mínimo que pague essa estrutura do fundo e ainda gere lucros — explica o advogado tributarista Rogério Fedele, do escritório Abe Advogados.

Hoje, os fundos dos "super-ricos" têm a vantagem de serem tributados apenas no resgate ou quando são encerrados. Como uma das medidas para aumentar a arrecadação e cumprir a meta de déficit zero das contas públicas no próximo ano, o governo quer incluir o chamado "come-cotas", que é a cobrança semestral ou anual dos rendimentos dos demais fundos, também para os exclusivos.

— É um benefício grande para o investidor essa diferença do imposto, com a tributação somente no resgate— diz Igor Cavaca, líder de gestão de investimentos na Warren. — Isso, de certa forma, faz com que o cotista consiga se diferenciar de uma grande base de investidores que tem o come-cotas.

Meta de arrecadar R$ 10 bilhões

Na terça-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) informou que a tributação será proposta a partir de uma Medida Provisória a ser enviada ao Congresso pelo governo. A expectativa da equipe econômica é arrecadar R$ 10 bilhões, no longo prazo, como destacou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em entrevista ao GLOBO.

A medida faz parte de uma série de iniciativas da Fazenda para aumentar a arrecadação e atingir as metas determinadas pelo arcabouço fiscal, aprovado na noite de terça-feira pela Câmara dos Deputados, e enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre elas, estão também a regulação das apostas esportivas e a tributação de offshores, que será proposto via projeto de lei.

Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio e pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), avalia que as medidas, juntas, têm potencial arrecadatório relevante, mas não devem ser a única forma do governo atingir o equilíbrio das contas:

— No caso dos fundos exclusivos, a medida está dentro da estratégia do governo de tributar os super-ricos, que proporcionalmente pagam menos impostos no Brasil. A medida vai atingir um grupo de pessoas que é bastante restrito no país, que são aquelas com capacidade de investir milhões nesse tipo de fundo.

Fundos de previdência exclusivos

Apesar da associação com os super-ricos, os fundos exclusivos não são constituídos apenas por famílias endinheiradas que buscam vatangens tributárias. Empresas previdenciárias, como Petros e Brasilprev, também costumam constituir esse tipo de fundo. Isso significa que eles são formados por um único cotista, mas com patrimônio que atende a milhares de pessoas.

Justamente para mirar o universo dos super-ricos, o levantamento da Quantum exclui da amostra os fundos previdenciários. O estudo leva em consideração fundos com funcionamento normal e com somente um cotista em suas respectivas datas de referência, que são os fechamentos de abril entre 2018 e 2023.

Em julho deste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que a tributação desses investimentos envolvia um patrimônio de R$ 800 bilhões e que o Brasil havia criado uma "conta paradisíaca para essas 2 mil famílias". Naquele mesmo mês, um levantamento feito pela TradeMap contabilizou 2,5 mil fundos exclusivos no país, com patrimônio de R$ 756 bilhões, número próximo do sugerido por Haddad.

Tanto a projeção do ministro, quanto a da TradeMap, no entanto, não excluíram da conta os fundos previdenciários, que também têm um único cotista. A plataforma, depois, refez o cálculo com foco nos super-ricos e chegou a um montante bem menor, de R$ 245 bilhões, como explica Einar Rivero, responsável pela pesquisa.

O GLOBO entrou em contato com o Ministério da Fazenda para entender se as previsões de arrecadação com a medida levando em consideração um patrimônio de R$ 800 bilhões, incluiria o come cotas para fundos exclusivos previdenciários. A pasta decidiu não comentar.

Risco de judicialização

Para tributaristas ouvidos pelo GLOBO, a inclusão do come-cotas nos fundos exclusivos que já estão em operação pode levar à judicialização por parte dos cotistas. Para Lygia Canedo, sócia do ALLAW Advogados, a tributação dos fundos exclusivos já constituídos anteriormente à criação do come cotas poderia ferir o princípio da anterioridade.

— O correto seria que o que está em vigência hoje não seja tributado. O que eu entendo como legal, nesse caso, é que a tributação valha para os novos investimentos em razão do princípio da anterioridade — diz a advogada.

O professor da FGV Direito Rio, Gustavo Fossati, concorda com a avaliação. Ele diz que os super-ricos tomaram a decisão de constituir os fundos com a expectativa de não terem o come-cotas e só pagarem na saída ou fim do fundo. Ao instituir a tributação ao longo do rendimento do investimento, o governo tributará "decisões tomadas no passado", o que abre brecha para judicialização pelos cotistas.

Rogério Fedele, do escritório Abe Advogados, avalia que o ideal seria que o projeto pudesse segregar os ganhos que foram obtidos antes e depois da aprovação da regra.

— Muitas vezes, a estratégia do investidor envolve a aplicação em ativos que vão gerar liquidez, fluxo de caixa, dali a cinco, dez anos. Se a lei cobrar lucros do passado, muitos fundos não terão disponibilidade financeira. Faria sentido, a meu ver, fazer uma régua temporal para lucros posteriores a legislação.


Fonte: O GLOBO