Em entrevista ao Globo, a psicóloga americana Tracy Dennis-Tiwary explica porque não devemos ter medo de sentir ansiedade

A psicóloga americana Tracy Dennis-Tiwary, diretora do Emotion Regulation Lab da Hunter College, nos EUA, dedicou sua carreira ao estudo da ansiedade. Ela acreditava que se fosse possível entender o que está acontecendo no cérebro quando estamos ansiosos, quando sofremos emocionalmente, seria possível resolver isso.

No entanto, há cerca de seis anos ela teve uma espécie de epifania e se perguntou: se temos uma extensa base científica sobre a ansiedade e tratamentos maravilhosos, por que os níveis de ansiedade estão cada vez piores em vez de melhorarem? Foi quando ela descobriu que o problema está na forma como tratamos nossas emoções negativas e decidiu escrever o livro "Não tenha medo da ansiedade", lançado em julho no Brasil pela editora Sextante.

Em entrevista ao GLOBO, Dennis-Tiwary explica por que acabar com a ansiedade não é o melhor caminho para uma boa saúde mental. Pelo contrário. Segundo ela, por mais desagradável que seja esse sentimento, ele é um dos responsáveis por nos fazer sobreviver, nos proteger e nos manter esperançosos.

Afinal, o que é a ansiedade?

Hoje usamos a palavra “ansiedade” para descrever tudo o que é desconfortável, em especial coisas como estresse e medo e há muita confusão sobre esses conceitos. Mas a verdade é que ansiedade não é sinônimo de estresse nem medo. 

A ansiedade é uma emoção e é muito importante entender isso porque, em geral, quando nos referimos à ansiedade, estamos nos referindo a um transtorno de ansiedade. Ou seja, se eu tenho ansiedade, significa que estou debilitado por ela. Mas a ansiedade não é um distúrbio. É uma emoção muito específica. É o que sentimos quando estamos pensando ou antecipando o futuro ainda incerto. 

Por exemplo, quando estamos nos preparando para uma entrevista de emprego ficamos ansiosos pensando que tudo poderia dar errado. Mas eu só fico ansiosa porque, na verdade, eu sei que existe uma chance de tudo dar certo e eu conseguir o emprego dos meus sonhos. Porque quando só existe a possibilidade negativa, é desespero, não ansiedade. 

A ansiedade diz que algo ruim pode acontecer, mas algo bom também. E é isso o que é tão fascinante na ansiedade, porque o outro lado da ansiedade é a esperança. Quando estamos ansiosos, ainda temos esperança, mas não falamos sobre isso dessa maneira. 

Já o medo está associado a um perigo que acontece no presente, como quando você está fazendo uma trilha e encontra uma cobra, que está prestes a te atacar. Seu corpo inicia uma resposta de luta ou fuga para lidar com o perigo, naquele momento. Já a ansiedade está nos preparando para planejar e preparar o futuro. Então essa é uma emoção ativadora que pode ser produtiva e criativa.

Por que encaramos a ansiedade como algo negativo ao invés de algo que pode nos ajudar?

Porque a ansiedade pode causar sensações desconfortáveis, como o coração acelerado e a sensação de ter algo preso na garganta. É por isso que igualamos medo e estresse à ansiedade. Mas existe um espectro da ansiedade que vai desde o frio na barriga até um estado de pânico total. Então, a ansiedade pode causar sensações desconfortáveis, mas também positivas.

A ansiedade causa alterações biológicas?

Sim. Biologicamente, muitas coisas estão acontecendo. Tem a ativação do sistema de luta e fuga, como acontece em uma situação de medo. Mas também há um aumento da liberação de dopamina, o hormônio do bem-estar. 

A dopamina é um neurotransmissor que nos ajuda a focar nas coisas que queremos, como quando você está trabalhando em algo com que realmente se importa ou quando está diante de um pedaço de doce ou de uma droga. Nesses momentos, há mais liberação de dopamina para que o cérebro trabalhe de forma coesa para perseguir aquele objetivo. 

Quando estamos ansiosos, a dopamina aumenta porque está nos ajudando a trabalhar para tornar o futuro que imaginamos uma realidade. Também há liberação de oxitocina, que é o hormônio de conexão social. A oxitocina aumenta quando estamos com pessoas que amamos e quando uma mãe dá à luz, mas também aumenta quando estamos motivados a procurar outras pessoas para obter apoio. 

A conexão social é um dos maiores blocos na construção da saúde mental. Quando estamos sozinhos, nossa saúde física e mental sofre muito. Quando estamos ansiosos, a oxitocina está nos guiando para nos conectar com outras pessoas e obter apoio.

Se a ansiedade é uma emoção, quando ela se torna uma doença?

As pessoas sempre querem saber "como você sabe que tem um transtorno de ansiedade?" A ansiedade se torna um transtorno quando há um comprometimento funcional. Quando paramos de encarar determinadas situações porque isso nos causa ansiedade. Por exemplo, ficar nervoso diante de outras pessoas é chamado de ansiedade social. 

Mas só haverá um transtorno de ansiedade social quando eu me recusar a dar entrevistas porque fico muito ansiosa ou quando a criança não quer ir para a escola ou quando um adulto não vai mais trabalhar. A ansiedade se torna um transtorno quando evitamos experiências que geram ansiedade. 

E, na maioria das vezes, é evitando, suprimindo e rejeitando a ansiedade que os transtornos de ansiedade surgem. É por isso que pensar na ansiedade como um aliado em vez de um inimigo é tão crucial. Isso nos ajuda a parar de evitá-la e começar a fazer outras coisas com ela. Quando você percebe e aceita que está ansioso, você pode começar a lidar com isso. 

A propósito, o principal tratamento para ansiedade é justamente ensinar o paciente a parar de evitá-la. Mas eu reforço que, apesar de acreditar que a ansiedade é uma emoção que pode nos ajudar, também acredito que quando isso nos faz sofrer, devemos buscar apoio de um psicólogo ou psiquiatra.

Qual é o lado bom da ansiedade?

Só somos ansiosos porque temos uma cérebro grande, com um córtex pré-frontal. Isso significa que o cérebro humano evoluiu para ser capaz de planejar, ou seja, executar simulações de algo que nunca existiu antes. 

Quando estamos ansiosos, estamos simplesmente imaginando o futuro. Há pesquisas que mostram que quando estamos ansiosos, não quando há um transtorno de ansiedade, mas apenas o sentimento, mesmo que de forma moderada ou forte, somos mais criativos. 

Como a ansiedade causa sensações desagradáveis, ela nos força a prestar atenção e fazer alguma coisa sobre isso porque queremos que esse sentimento ruim desapareça. Ou seja, a ansiedade nos ativa para realizar ações, persistir e ter coragem. Acho que se não fossemos ansiosos, não teríamos construído civilizações. 

Isso não quer dizer que não podemos fazer grandes coisas com sentimentos como esperança e alegria. Mas são as emoções desconfortáveis que nos fazem focar para fazer mudanças. Então, quando pensamos na ansiedade como uma oportunidade, nos tornamos uma espécie de ninjas emocionais, pois usamos essa emoção como ferramenta. 

Mas não podemos fazer isso até reconhecer que as emoções negativas fazem parte de quem somos. Essa mudança de mentalidade é realmente o primeiro passo que todos precisamos dar.

Como podemos usar a ansiedade a nosso favor?

Primeiro, precisamos entender que as emoções negativas, como a ansiedade, fazem parte da saúde mental. A saúde mental é a capacidade de experimentar plenamente as emoções, aprender a lidar com elas ou usá-las para tornar sua vida melhor. Dito isso, é importante ouvir a ansiedade. Normalmente, queremos suprimir esse sentimento. 

Mas essa não é a maneira certa de encará-la. Precisamos ouvir a ansiedade e pensar no que ela está nos dizendo, no que ela quer que prestemos atenção. É claro que nem toda ansiedade traz uma informação útil e quando for esse o caso, está tudo bem ignorá-la. Mas, muitas vezes, ela pode nos trazer uma informação útil e podemos usar isso para fazer algo bom. 

Por exemplo, você acorda de madrugada pensando no prazo para entregar um trabalho. Você tenta deixar de lado, mas isso continua voltando à sua mente. Quando decide prestar atenção à ansiedade você percebe que a preocupação com esse trabalho é o motivo do seu incômodo e pode tomar providências específicas para resolver essa questão. 

Então ouvir a ansiedade é algo poderoso porque você descobre que pode enfrentá-la e descobrir o que fazer com ela.

Como você começou a estudar sobre a ansiedade?

Sou psicóloga, mas antes de iniciar minha carreira profissional, decidi que queria fazer ciência. Eu pensava que se pudéssemos entender o que está acontecendo no cérebro quando estamos ansiosos, quando sofremos emocionalmente, seria possível resolver isso. Ao mesmo tempo, como cientista, eu sabia que as emoções também são funcionais, que elas evoluíram para servir a propósitos. 

Mas, como psicóloga, ficamos imbuídos nessa cultura de que os transtornos de ansiedade e os transtornos emocionais são como qualquer outra doença que precisa ser erradicada. Por muito tempo eu pensei dessa forma. Até que um dia, há cerca de seis anos, eu me dei conta de que se temos uma extensa base científica sobre a ansiedade e tratamentos maravilhosos, todo mundo deveria estar melhor, certo? Errado. 

Na verdade, estamos pior do que nunca. Então, eu decidi escrever esse livro para tentar explicar por que as soluções para ansiedade não funcionam. E descobri que é por que ao tratarmos nossas emoções negativas como um câncer, uma doença ou um vírus, começamos a evitá-las, reprimi-las e rejeitá-las. E é aí que tudo piora e elas ficam mais fora de controle. tudo piora e elas ficam mais fora de controle.


Fonte: O GLOBO