Ataques contra territórios russos fazem parte de uma estratégia mais explícita de Kiev, enquanto Moscou mira em áreas longe do front que até então haviam sido poupadas dos bombardeios

Ataques ucranianos contra navios russos no Mar Negro. Uma série de drones disparados contra Moscou. Um ataque russo a um porto ucraniano no rio Danúbio, próximo à fronteira com a Romênia. Neste domingo, múltiplas explosões atingiram mais uma vez pontes vitais para a ligação entre o território continental russo e a Península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014.

Quase um ano e meio após a invasão da Rússia na Ucrânia, os dois lados parecem cada vez mais dispostos a abrir uma nova dimensão para a guerra, levando o violento conflito a lugares que haviam sido poupados em grande parte até agora.

Os ataques acontecem num momento em que a Ucrânia segue com sua contraofensiva no sul e no leste do país, lançada há cerca de dois meses, sem nenhum sinal de que as linhas russas tenham recuado de maneira significativa.

Embora a Ucrânia geralmente seja discreta quando se trata de ataques dentro da Rússia, o presidente Volodymyr Zelensky e outras autoridades importantes sinalizaram recentemente que as ações na fronteira e em territórios ocupados são parte de um plano — agora declaradamente explícito — para forçar a população russa a sentir as consequências da guerra iniciada pelo Kremlin.

Neste domingo, as defesas aéreas russas abateram um drone que estava se aproximando de Moscou, de acordo com uma breve declaração no Telegram publicada pelo prefeito da cidade, Sergei Sobyanin. A alegação não pôde ser verificada de forma independente, e as autoridades ucranianas não comentaram o caso. Ao mesmo tempo, o aeroporto de Vnukovo, que serve Moscou, suspendeu temporariamente os voos por "razões de segurança", de acordo com a agência de notícias estatal russa Tass.

As autoridades russas não deram mais detalhes sobre o drone. Mas, na semana passada, acusaram a Ucrânia de lançar duas vezes ataques de drones que danificaram um arranha-céu num zona comercial de Moscou, que abriga ministérios do governo. Os disparos com dispositivos não tripulados parecem fazer parte de um padrão cada vez mais ousado de operações em território russo, incluindo um, em maio, no qual um drone atingiu o Kremlin.

A Rússia, por outro lado, tem tomado medidas para intensificar os ataques em diferentes áreas da Ucrânia. Durante um ano, a cidade portuária de Odessa, crucial para as exportações de grãos ucranianos desde antes da guerra, foi amplamente poupada dos ataques russos. Mas desde que Moscou saiu do Acordo de Grãos há três semanas, que permitia que Kiev continuasse a exportar commodities agrícolas pelo Mar Negro, as forças russas atacaram o porto várias vezes, danificando instalações e estoques de grãos.

O objetivo é impedir qualquer possível tentativa da Ucrânia de exportar seus produtos unilateralmente através das águas dominadas pela Marinha russa.

Além disso, mísseis russos atingiram os portos ucranianos no rio Danúbio nos últimos dias. Os portos, embora menores do que o de Odessa, são uma rota alternativa crucial para a exportação de milhões de toneladas de grãos e a única rota de acesso ao mar que restou para Kiev, passando por oito países da União Europeia (UE). Novamente, o objetivo parecia ser prejudicar o transporte de safras importantes tanto para a economia da Ucrânia quanto para os mercados globais.

Neste domingo, a Força Aérea da Ucrânia disse no Telegram que as defesas aéreas do país abateram 30 mísseis de cruzeiro e 27 drones de fabricação iraniana Shahed durante a noite. Kiev também indicou que a Rússia usou três mísseis hipersônicos Kinjal, mas não explicou se os projéteis foram derrubados.

A Rússia lançou um ataque aéreo contra Khmelnytskyi, na região oeste da Ucrânia e a centenas de quilômetros da frente de batalha, causando danos a edifícios e uma estação ferroviária, mas sem vítimas, de acordo com Serhiy Tyurin, vice-chefe da administração militar regional. A cidade abriga uma importante base aérea. Um funcionário do governo local, Sergiy Tyurin, afirmou que Khmelnytsky foi alvo de três ataques desde sábado à noite.

Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa russo, disse que a Rússia havia usado armas de precisão para atacar bases aéreas militares ucranianas perto da cidade de Starokostiantyniv, na região ocidental de Khmelnytskyi, e também em Dubno, na região noroeste de Rivne. Não foi possível checar a veracidade das alegações de forma independente.

Apesar do alto custo da guerra para as Forças Armadas de ambos os países e também para os civis ucranianos — mais de 9 mil foram mortos, de acordo com dados das Nações Unidas — as negociações sobre o fim aos combates não tiveram nenhum progresso significativo.

Isso se deve, em parte, ao fato de que ambos os lados estão tentando obter ganhos territoriais no campo de batalha. Zelensky também propôs uma fórmula de paz que inclui a cessação das hostilidades por parte da Rússia e a retirada de Moscou de todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, exigências que o Kremlin rejeita categoricamente.

Como parte de um impulso diplomático, no entanto, representantes da Ucrânia e de cerca de 40 outros países — com a notável exceção da Rússia — reuniram-se na Arábia Saudita no fim de semana em um esforço para criar um consenso internacional para um acordo de paz.

Além dos Estados Unidos e dos países europeus, entre os participantes notáveis estavam Brasil, China, Índia e África do Sul, aliados da Rússia nos Brics, bem como algumas das nações do Golfo ricas em petróleo, que tentam manter boas relações com ambas as partes do conflito.

A China, que se posicionou como neutra, disse estar aberta à ideia de realizar mais discussões, de acordo com uma autoridade da UE. A Rússia discutirá os resultados das conversas com outras nações dos Bricsque participaram da reunião, disse Sergei Ryabkov, vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, à Tass neste domingo.

Enquanto as negociações aconteciam, uma bomba aérea russa guiada atingiu o distrito de Kupiansk, na região nordeste de Kharkiv, no final do sábado. A explosão provocou um incêndio, matando pelo menos duas pessoas, de acordo com Oleg Sinegubov, chefe da administração regional.

Uma terceira pessoa — uma mulher de 58 anos — foi morta no domingo após mais bombardeios russos em Kupiansk, disse Sinegubov no Telegram.

Não houve confirmação independente dos ataques, mas a região de Kharkiv está entre os principais alvos russos fora das linhas de frente na guerra. As forças ucranianas reconquistaram a cidade de Kupiansk em setembro passado como parte de uma rápida contraofensiva, mas os ataques de mísseis russos desde então tornaram impossível qualquer retomada da normalidade.

Em junho, a Ucrânia lançou uma nova contraofensiva, para a qual suas forças se prepararam durante meses, com o objetivo de isolar as forças russas no sul da Ucrânia das terras que controlam no leste. Ambos os lados sofreram baixas significativas, enquanto as tropas de Kiev tentam romper com as defesas russas.

Duas mulheres na região oriental de Donetsk foram mortas por bombardeios ucranianos no sábado, disse a agência de notícias estatal russa RIA Novosti, citando o líder russo instalado na região, Denis Pushilin. O relatório não pôde ser verificado de forma independente.

Um funcionário nomeado por Moscou na Crimeia, Vladimir Rogov, disse no domingo que a Ucrânia havia lançado ataques contra a ponte Chonhar, que liga a Crimeia à região de Kherson, no sul da Ucrânia. A Crimeia foi anexada ilegalmente pela Rússia em 2014. Rogov não disse quando o ataque ocorreu e disse que a extensão dos danos era desconhecida.

A Ucrânia tem atacado com frequência a ponte, que fica atrás da linha de frente, nas últimas semanas. A estratégia faz parte de um padrão de ataques à Crimeia ocupada.


Fonte: O GLOBO