Após registrar a maior produção de pluma de sua história, Brasil deve se tornar o principal vendedor da fibra no planeta

O sucesso do algodão no Brasil — que deverá se tornar o maior exportador global, superando os Estados Unidos, na esteira de uma safra recorde — chama a atenção para conhecidos gargalos da logística nacional. Segundo produtores, exportadores e operadores logísticos, o escoamento da supersafra já está lotando terminais portuários.

Após a produção de algodão registrar recorde na safra 2022/2023, cuja colheita terminou neste mês, os exportadores brasileiros projetam recorde também na exportação. As vendas de algodão ocorrem ao longo dos 12 meses seguintes ao término da colheita, após a fibra passar pelo beneficiamento — com o objetivo principal de separar o caroço da pluma.

Por isso, os recordes de exportação costumam vir no ano seguinte à produção recorde. Os embarques começam em meados do ano e se concentram mais no segundo semestre. Apenas em agosto, as exportações brasileiras de algodão em pluma saltaram 66%, em volume, na comparação com igual mês de 2022, informa a Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea).

Para dar conta da demanda de transporte da supersafra do algodão brasileiro, a Maersk, uma das gigantes globais do transporte marítimo, incluiu mais cinco navios nas rotas para o Brasil. A multinacional dinamarquesa destacou as exportações da fibra no Maersk Brasil Trade Report, seu levantamento trimestral sobre comércio exterior.

Produção e exportação de algodão no Brasil — Foto: Editoria de Arte

Atrasos nos cais

Karin Schönner, presidente da companhia para a Costa Leste da América do Sul, observa que o escoamento de supersafras, como no caso atual do algodão, evidencia gargalos de infraestrutura do Brasil:

— Trouxemos navios a mais só para escoar a safra do algodão. Os terminais estão saturados. Os atrasos que estão acontecendo agora na costa do Brasil têm a ver com a supersafra do algodão. O Brasil vai abastecer o mundo com algodão, mas, com a safra a mais que chegou, os portos não aguentaram. Está havendo congestionamento na costa brasileira.

Diferentemente de outras commodities vendidas pelo Brasil, como soja, milho, minério de ferro e petróleo, a pluma de algodão é transportada em contêineres — os mesmos que carregam produtos da indústria.

Por isso, a alta dos custos do frete marítimo provocada pela pandemia — que atingiu mais o transporte de cargueiros de contêineres que o de graneleiros e petroleiros — também contribuiu para apertar a rentabilidade dos produtores de algodão, diz Gustavo Piccoli, que produz a fibra há 23 anos em Sorriso, em Mato Grosso.

O produtor atribui o sucesso do algodão brasileiro a um processo de anos, fruto de investimentos em tecnologia, seleção de sementes e certificação de qualidade, tudo para apoiar a estratégia comercial no exterior. Ele considera que um dos obstáculos para a continuidade do processo é a série de gargalos logísticos.

— O problema é muito preocupante. Temos problemas nos portos, para escoamento da produção, e problemas logísticos para levarmos a produção daqui até os portos. E o custo aumentou muito. A nossa margem está muito estreita — afirmou Piccoli, que também é vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), ponderando que, mais recentemente, o custo do frete marítimo tem experimentado um alívio.

Outra particularidade do escoamento do algodão é que as exportações exigem terminais específicos, onde ocorre a “estufagem”, o processo de encher os contêineres com os fardos da pluma do algodão. A capacidade instalada desses terminais, que ficam no entorno dos portos, está no limite no país, avaliaram executivos e produtores ouvidos pelo GLOBO.

Concentração em Santos

De acordo com Miguel Faus, presidente da Anea, 95% das exportações de algodão saem pelo Porto de Santos. A Maersk tem um terminal em Rondonópolis (MT), mais próximo do polo produtor, e a Wilson Sons opera outro, com capacidade de 12 contêineres por dia, no Porto de Salvador.

Para Faus, apesar dos gargalos, os exportadores darão um jeito de escoar a produção, como fizeram na temporada 2020/2021, quando o Brasil enviou ao exterior 2,4 milhões de toneladas de algodão.

Com a supersafra, a expectativa do presidente da Anea é que as exportações cheguem a 2,5 milhões de toneladas na temporada até meados do ano que vem. Com isso, o Brasil deverá se o maior exportador global, ultrapassando os EUA, como anunciou este mês o Departamento de Agricultura americano (USDA).

Se depender dos produtores, o crescimento deve se manter nos próximos anos. Segundo Piccoli, da Abrapa, a entidade projeta aumento de 8% na produção de 2023-2024, a depender do clima. Mas, se a chuva demorar a cair no Centro-Oeste neste início de primavera, pode haver atrasos no plantio da soja e do algodão.


Fonte: O GLOBO