instituições atribuem crescimento da modalidade às baixas taxas de juros, à facilidade na contratação e ao pagamento que não entra no orçamento mensal
A contratação de crédito para antecipação do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) disparou nos bancos. O volume total de empréstimos até o início deste mês já superou em R$ 3 bilhões o volume de crédito de todo o ano passado. Em 2022, o total de recursos foi de R$ 46,8 bilhões, e, neste ano (até 1º de setembro), atingiu R$ 49,6 bilhões.
Já há bancos que oferecem empréstimo antecipando recursos de até 12 anos, num tipo de empréstimo no qual praticamente não há risco.
Desde que foi criado, em 2020, até 1º de setembro de 2023, cerca de 17 milhões de trabalhadores contrataram mais de R$ 112,3 bilhões em empréstimo para antecipação do saque-aniversário do FGTS. Na prática, quase metade dos 32,7 milhões que optaram pela modalidade de retirada anual de parte do fundo antecipou recursos via crédito.
Isso equivale a uma média de R$ 6.600 de empréstimo por pessoa. O volume de operações cresceu ano a ano, mas entre 2021 e 2022 deu um salto passando de R$ 15,5 bilhões para R$ 46,8 bilhões.
As instituições financeiras atribuem o crescimento da modalidade às baixas taxas de juros — equivalentes às aplicadas ao crédito consignado, a partir de 1,33% ao mês—, à facilidade na contratação e, principalmente, ao pagamento que não entra no orçamento mensal. Neste caso, o saldo do FGTS é totalmente ou parcialmente bloqueado para o pagamento da operação.
FGTS/saque — Foto: Criação O GLOBO
Só na Caixa, quase 7 milhões de cotistas contrataram o empréstimo no ano passado, com volume de transações que alcançou mais de R$ 7 bilhões.
Neste ano, até o início do mês, foram mais de 3,3 milhões de clientes que anteciparam R$ 3,1 bilhões. No Bradesco, cerca de 700 mil clientes aderiram ao empréstimo.
Empréstimo sem risco
Luiz Miguel Santacreu, analista de bancos da Austin Rating, diz que o crédito é interessante para as instituições financeiras por apresentar boas garantias. Segundo ele, o aumento da inadimplência, o endividamento das famílias e os juros ainda altos tornam a linha de crédito mais atraente.
— O risco é baixo (para bancos) porque o dinheiro já existe e está no sistema do Fundo de Garantia, que é seguro, com contabilidade correta, e que existe há muitos anos.
Santacreu diz que os bancos estão mais restritivos na hora de conceder crédito. Por isso, com dinheiro parado no caixa, têm que tomar a decisão entre aplicar em títulos públicos ou conceder empréstimos:
— A antecipação do saque-aniversário do FGTS é uma forma de os bancos ganharem mais dinheiro do que em títulos públicos e incorrerem em riscos menores do que em outras operações, como cartão de crédito, que tem taxas mais altas, mas é mais arriscado.
Há três anos, a analista clínica Adriana do Nascimento Costa aderiu ao saque-aniversário do FGTS para bancar as despesas da casa que divide com o marido e dois filhos. Porém, dessa vez, não conseguiu esperar novembro, o mês de seu aniversário, para fazer a retirada. Em agosto, pediu a antecipação de um ano do FGTS:
— A gente estava apertado, precisava pagar umas contas de casa, aí fizemos a antecipação. O problema é se precisar lá na frente. Se for demitida, não vou ter direito a sacar.
Pela regra atual, trabalhadores que optam pelo saque-aniversário ficam impedidos de fazer o resgate do valor integral do Fundo em caso de demissão sem justa causa, recebendo apenas a multa de 40% sobre o valor depositado pela empresa no período trabalhado. Quem adere e desiste paga um pedágio de dois anos para poder voltar a usufruir dos benefícios do saque-rescisão.
Mas uma proposta do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que será encaminhada ao Congresso, prevê que o trabalhador possa retirar também o saldo do FGTS em caso de demissão sem justa causa e não apenas a multa rescisória. Se for adiante, ela permitiria o saque em caráter retroativo.
Entre os bancos, o Nubank é o que permite maior prazo de antecipação: em até 12 anos, que pode ser contratado diretamente pelo aplicativo, com taxa a partir de 1,3% ao mês. O valor é descontado todo ano do saldo da conta no FGTS, mas há possibilidade de quitação antecipada das parcelas anuais, caso o cliente queira fazer a amortização.
No C6 Bank, é possível antecipar até dez saques-aniversário, com valor mínimo de R$ 200 somando os valores dos dez anos. As taxas podem variar de acordo com o cliente. O banco Inter também concede prazo de dez anos, cobrando taxas a partir de 1,79% por mês. Para isso, é necessário ser correntista. O banco Mercantil também oferece dez anos, com juro de 1,49% ao mês.
Quitar dívidas mais caras
A Caixa limita o empréstimo a cinco anos. Se a solicitação for feita pelo aplicativo Caixa Tem, o prazo máximo é reduzido para três anos. A taxa de juros começa em 1,79% ao mês, e o valor mínimo para contratação é de R$ 500. No Bradesco tem taxas de juros a partir de 1,69% ao mês, sendo possível adiantar o montante de até sete anos.
A contratação é 100% digital, e o valor é liberado na hora na conta do cliente. No Banco do Brasil, as taxas têm início em 1,33% ao mês, sendo possível antecipar até sete ciclos.
O professor da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Tiago Sayão, alerta que é preciso fazer uma análise criteriosa antes de pedir a antecipação do saque.
— É preciso saber o custo efetivo total, que inclui IOF e a taxa de administração. Quem optar pela antecipação pode ter a capacidade de financiamento imobiliário afetada, ao não mais dispor de todo o recurso do seu Fundo.
O economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, vê a antecipação do saque-aniversário como uma chance de quitar dívidas mais caras, como a do rotativo do cartão.
*Colaborou Mayra Castro, estagiária sob supervisão de Danielle Nogueira
Fonte: O GLOBO
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