Avaliação árabe foi passada para altos funcionários do governo do presidente Joe Biden
Autoridades sauditas alertaram os Estados Unidos nos últimos dias que uma incursão terrestre de Israel na Faixa de Gaza poderia ser catastrófica para o Oriente Médio. Essa avaliação foi passada a altos funcionários norte-americanos em várias conversas, de acordo com um oficial saudita e uma segunda pessoa com conhecimento das discussões.
Essas conversas aconteceram enquanto as tensões se espalhavam a partir da Faixa de Gaza. Itens essenciais como água e combustível estão cada vez mais escassos à medida que Israel bombardeia e bloqueia o enclave palestino em resposta ao ataque de 7 de outubro ao Estado judeu pelo Hamas, o grupo armado palestino que governa Gaza.
Um oficial do governo de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, afirmou que era evidente que os sauditas não queriam uma invasão israelense em Gaza. Autoridades do país árabe também transmitiram os avisos sobre a incursão terrestre a parlamentares no Congresso. Todas essas pessoas pediram para não serem identificadas na reportagem devido à sensibilidade do assunto.
O senador democrata Richard Blumenthal, de Connecticut, e membro do Comitê de Serviços Armados, foi um dos dez senadores que se encontraram no último fim de semana com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o governante do reino, na capital saudita, Riad.
— A liderança saudita estava esperançosa de que uma operação terrestre pudesse ser evitada por razões de estabilidade, bem como pela perda de vidas — disse Blumenthal na última quinta-feira (26).
Os Estados Unidos têm respaldado o direito de Israel à autodefesa desde o ataque do Hamas que matou mais de 1.400 pessoas em Israel.
— Que não haja dúvidas — disse o Presidente Biden recentemente. — Os Estados Unidos estão do lado de Israel.
Ao mesmo tempo, os oficiais norte-americanos afirmaram que Biden pediu a Israel para adiar a invasão por uma série de razões, incluindo ganhar mais tempo para negociações de reféns, enviar ajuda humanitária para Gaza e planejar melhor a guerra. Há também indícios de que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, está hesitante em relação a uma invasão.
A Casa Branca se recusou a comentar.
Em uma ligação nesta semana, o príncipe Mohammed e Biden "concordaram em buscar esforços diplomáticos mais amplos para manter a estabilidade na região e evitar a expansão do conflito", disse a Casa Branca em comunicado na terça-feira (25), que não mencionou discussões sobre uma invasão terrestre.
Inspeção de danos causados por ataques aéreos de Israel em Gaza — Foto: Yousef Masoud / The New York Times
Após um período de relações tensas, Mohammed e Biden encontraram terreno comum no início deste ano ao explorar um possível acordo no qual a Arábia Saudita reconheceria Israel e estabeleceria laços diplomáticos. O presidente norte-americano e seus principais assessores estavam ansiosos para chegar a um acordo, argumentando que isso remodelaria o Oriente Médio. Mas eles também reconheceram as muitas dificuldades na diplomacia.
Muitos governos árabes, incluindo a Arábia Saudita, há muito se recusam a estabelecer um vínculo diplomático com Israel antes da criação de um Estado palestino. Mas, ao longo da última década, esse cálculo mudou à medida que os líderes autoritários da região pesam a opinião pública negativa em relação a um relacionamento com Israel contra os benefícios econômicos e de segurança que poderia oferecer —e o que poderiam obter dos Estados Unidos em troca.
Em 2020, Bahrein, Marrocos e os Emirados Árabes Unidos estabeleceram laços com Israel sob um acordo chamado Acordos de Abraham, intermediado pelo governo do republicano Donald Trump. Esses acordos foram impopulares entre as pessoas comuns na região — onde a causa palestina continua sendo um poderoso apelo à mobilização— e apenas se tornaram mais impopulares com o tempo à medida que o governo israelense se inclinou mais para a direita e expandiu os assentamentos na Cisjordânia.
Desde o início, as discussões entre o governo Biden e a Arábia Saudita, a potência política do mundo árabe, foram mais abrangentes e delicadas do que as conversas da era Trump sobre esses acordos anteriores.
Autoridades sauditas disseram que só estariam dispostas a considerar uma relação mais próxima com Israel em troca de benefícios a serem fornecidos pelos Estados Unidos: um pacto de defesa mútua entre os norte-americanos e os árabes, com apoio da Casa Branca a um programa nuclear civil saudita e mais vendas de armas dos EUA.
Autoridades dos dois países também discutiram concessões que Israel poderia fazer aos palestinos. Mas em uma entrevista ao canal de TV Fox News no mês passado, o príncipe Mohammed pareceu sinalizar que essas concessões poderiam não incluir a criação de um Estado palestino.
Então, o Hamas atacou Israel, que respondeu sitiando os mais de dois milhões de palestinos que vivem na Faixa de Gaza, cortando água e eletricidade e bombardeando o enclave com ataques aéreos.
Na quinta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza divulgou os nomes de 6.747 pessoas que, segundo o órgão, foram mortas desde o início da guerra, acrescentando que outros 281 corpos ainda não foram identificados.
Manifestantes foram às ruas em todo o Oriente Médio para expressar solidariedade com os palestinos, condenando Israel e os Estados Unidos. Autoridades sauditas denunciaram o cerco de Israel e pediram um cessar-fogo, mesmo enquanto tentavam manter o foco na narrativa do príncipe sobre os planos de transformar a Arábia Saudita em um centro de negócios global.
No entanto, em reuniões particulares e chamadas com autoridades dos Estados Unidos, os líderes sauditas apresentaram uma mensagem muito mais direta. O príncipe e outros oficiais sauditas adotaram um tom sombrio com a delegação do Senado, disse Blumenthal e o senador republicano Lindsey Graham, do estado da Carolina do Sul, que ajudou a organizar a visita.
— (O príncipe) entende que foi um ato de terror — disse Graham, referindo-se ao ataque do Hamas a Israel. — Mas ele gostaria de uma resposta que não se transforme em um conflito mais longo e profundo.
Pesquisadores sobre o Hamas têm alertado que qualquer tentativa de eliminar o grupo, como Israel prometeu fazer, poderia semear mais violência e extremismo, aprofundando os sentimentos palestinos de subjugação sob a ocupação e controle israelenses.
Uma invasão também poderia aumentar a agitação em países vizinhos e ser especialmente desestabilizadora para governos que já lutam para conter o descontentamento devido a problemas econômicos ou repressão política, como Bahrein, Egito e Jordânia.
O Irã apoia há muito tempo o Hamas, e milícias regionais apoiadas pelos iranianos e hostis a Israel ameaçaram abrir novas frentes na guerra, dependendo da resposta militar do Estado judeu. A Arábia Saudita é, neste caso, um alvo potencial.
Desde o início da guerra, autoridades sauditas têm feito apelos específicos por um processo de paz substantivo entre Israel e Palestina, bem como pela criação de um Estado palestino com Jerusalém como capital.
— Se não estivermos dispostos a superar todas as dificuldades, todos os desafios, toda a história envolvida nessa questão, então nunca teremos uma paz real e segurança na região — disse o príncipe Faisal bin Farhan, o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, a repórteres nesta semana.
Apesar da escalada da violência, parece que autoridades sauditas e dos Estados Unidos ainda mantêm a esperança de um acordo de normalização com Israel. Sem esse passo formal, os laços limitados existentes entre os dois países —separados por uma viagem de 35km via Jordânia— permaneceram em grande parte clandestinos.
Senadores disseram que deixaram Riad com a impressão de que os líderes sauditas ainda gostariam de reconhecer Israel quando o momento certo chegar. Autoridades americanas e israelenses frequentemente apresentam essa condição como uma maneira de ajudar a conter o Irã.
Na região, os iranianos são os rivais da Arábia Saudita mais proeminentes. O príncipe Mohammed lançou uma intervenção militar desastrosa liderada pela Arábia Saudita no Iêmen em 2015, com o objetivo de expulsar os rebeldes Houthi apoiados pelo Irã, que, no entanto, continuam firmemente no poder.
No entanto, o príncipe herdeiro, correndo para diversificar a economia do reino árabe, adotou recentemente uma abordagem menos agressiva e buscou construir pontes. No início deste ano, ele restabeleceu laços diplomáticos com o Irã. No entanto, o senador Blumenthal afirmou que um pacto entre a Arábia Saudita e Israel parecia improvável antes que o Estado judeu "concluísse a operação".
Durante a ligação na terça-feira, o príncipe Mohammed e Biden "afirmaram a importância de trabalhar para uma paz sustentável entre israelenses e palestinos assim que a crise diminuir", disse a Casa Branca em comunicado.
O príncipe Mohammed enfatizou a necessidade urgente de interromper as operações militares e retornar a um processo de paz para garantir que os palestinos "obtenham seus direitos legítimos", afirmou o governo saudita em comunicado próprio. Nenhuma das declarações mencionou a criação de um Estado palestino.
O possível acordo que autoridades sauditas estavam trabalhando antes da guerra incluía um caminho para um Estado para os palestinos, disse uma das pessoas com conhecimento das negociações.
Apresentar a perspectiva de estabelecer laços com Israel como uma forma de garantir maiores direitos para os palestinos poderia ainda permitir que o príncipe Mohammed limitasse as críticas populares em seu próprio país, onde a hostilidade em relação a Israel e o apoio aos palestinos são generalizados.
Em resposta a perguntas sobre os alertas sauditas, o Departamento de Estado dos Estados Unidos afirmou que "embora os esforços diplomáticos dos EUA estejam atualmente focados na crise imediata, permanecemos comprometidos com o objetivo de longo prazo de uma região do Oriente Médio mais estável, próspera e integrada, incluindo a normalização e o avanço de uma solução de dois estados".
No entanto, antes dos ataques do Hamas, autoridades norte-americanas e analistas em Washington informados sobre as negociações disseram que as discussões entre os dois países haviam se concentrado principalmente nas demandas de segurança sauditas feitas pelos Estados Unidos. Esses oficiais e especialistas disseram que não houve discussão detalhada sobre a questão palestina.
Um ensaio de Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, publicado no site da Foreign Affairs esta semana, afirmou que os funcionários americanos estavam "comprometidos com uma solução de dois estados".
No entanto, os editores permitiram que Sullivan reescrevesse uma versão anterior do ensaio de antes dos ataques de 7 de outubro. A versão original, publicada na edição impressa da revista, não menciona a nação palestina. Apenas dizia que, embora as tensões persistissem entre Israel e os palestinos, o governo Biden havia "desinstalado crises em Gaza".
Fonte: O GLOBO
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