Força-tarefa com cientistas pesquisa outras causas além do clima, como poluição sonora e presença de venenos
Botos-cor-de-rosa e tucuxis mortos ou em agonia se tornaram a imagem mais simbólica da seca que assola o Sul da Amazônia e se agrava a cada dia. E também trouxeram desafios e mistérios. Mais de 120 botos-cor -de-rosa e tucuxis cinzas morreram no Lago Tefé, no Amazonas, desde a semana passada. Como eles, o lago, que na verdade é a foz do rio homônimo, agoniza. E, por ora, além de tentar resgatar os sobreviventes, não há fim à vista para a tragédia ambiental nesta que já é a pior seca desde 2010.
Cientistas estão estudando as causas das mortes — Foto: Divulgação / Instituto Mamirauá - André Monteiro
Uma força-tarefa de cientistas do Instituto Mamirauá e outras organizações, agentes ambientais do ICMBio e voluntários se esforça para salvar os animais sobreviventes e descobrir qual a causa da mortalidade.
É sabido que os gatilhos foram a baixa do nível e a elevação da temperatura da água, que chegou a impensáveis 39,1C, às 16h do dia 28, quando mais animais — 70 — morreram. Mas uma combinação de fatores associada à ferocidade do clima deve estar envolvida, afirmam os cientistas.
— Ver os botos morrendo em agonia, se debatendo, foi a imagem mais dramática que já presenciei na vida — afirma o coordenador da área Geoespacial do Instituto Mamirauá, Ayan Fleischmann, que lidera o monitoramento ambiental do lago durante essa crise.
Mortes estão associadas ao calor, mas todas circunstâncias ainda são mistério
Ainda não se sabe por que os botos não conseguiram escapar, já que havia canais por onde poderiam, em tese, fugir e procurar águas menos quentes. Fleischmann diz que um canal com entre 1,5 m e 2m de profundidade ainda comunica o lago com o Rio Solimões. Tampouco se entende porque os mamíferos aquáticos começaram a morrer antes dos peixes. Até o momento apenas peixes menores morreram.
A especialista em mamíferos aquáticos bióloga Míriam Marmontel, do Instituto Mamirauá, destaca que a mortalidade é a maior já vista. Ela levou os botos de Tefé ao limite, pois o número de animais mortos superou a taxa de reposição natural dos botos, que fica entre 5% e 10%.
Até o fim de semana haviam morrido cerca de 120 animais, dos quais 80% são botos-cor-de-rosa ou vermelhos e os demais, tucuxis. Essa última espécie, menor e cinza, é considerada mais sensível a alterações ambientais. O Instituto Mamirauá estima que existam cerca de 900 botos-cor-de-rosa e 500 tucuxis no Lago Tefé.
Rios estão extremamente secos na Amazônia — Foto: Divulgação / Instituto Marimauá - André Zumak
Marmontel diz que tamanha mortalidade não se explica somente pela baixa das águas e a elevação da temperatura. É fato que a morte em massa está associada ao calor. A água chegou a 39,1C a dois metros de profundidade. E o lago está muito abaixo do nível, com trechos de apenas 30 cm de profundidade. No entanto, ainda existem áreas em que a profundidade chega a oito metros e o lago não é fechado e sim o próprio rio.
No início, foram fêmeas com filhotes que começaram aparecer mortos às margens do Lago Tefé.
— As fêmeas do boto-cor-de-rosa protegem muito os filhotes e poderiam ter bobeado com a situação e ficado com eles até o ponto de também não conseguir escapar. Mas depois começaram a aparecer machos mortos e também tucuxis. Todos eram animais até então saudáveis. Por que não fugiram e por que tantos morreram? É uma questão ainda misteriosa e não se explica com um fator só — diz Marmontel.
Fleischmann salienta que um somatório de desastres pode ter conspirado para a morte dos botos. A hipertermia, causada pelo estresse térmico, é o primeiro fator. A temperatura do lago normalmente é quente, mas não costuma passar de 29C mesmo nas secas e a maior já registrada até semana passada fora 31,5C. Na última quinta-feira, todavia, alcançou 39,1C. Baixou para 37C, depois 32C e voltou a subir ontem, domingo, para 37,8C, sempre medida às 16h, o horário mais quente.
— A Amazônia é vasta, mas nunca foi registrada água tão quente quanto essa — salienta Fleischmann.
Ele diz que não foi detectado sinal de contaminação. Mas uma hipótese é que se trate de uma biotoxina, uma substância liberada por microalgas ou outro micro-organismo em resposta à temperatura elevada
— A temperatura certamente foi crucial. Nenhum animal suporta quase 40ºC sem passar por estresse térmico. Mas os botos poderiam ter procurado águas menos quentes — observa a Marmontel.
Ela desconfia, principalmente, de toxinas na água associada às condições extremas desta seca. Cianobactérias, como as que causam mortandade de peixes em lagoas do estado do Rio de Janeiro foram, a princípio, descartadas porque não houve a mudanças na coloração da água (fica azulada), que caracteriza a proliferação desses micróbios. Mas outros integrantes do fitoplâncton podem ter liberado grandes quantidades de toxinas ainda não identificadas.
Outra possibilidade seria um patógeno, também beneficiado pelas alterações causadas pelo aumento da temperatura e a redução do volume de água. Marmontel diz que até timbó — veneno feito de plantas e usado por populações locais — chegou a ser cogitado e depois descartado.
Resultados da necrópsia demorarão dias
Amostras da necrópsia de animais mortos e da água foram enviadas para análise em laboratórios de Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro. Mas os resultados ainda devem levar dias para ficar prontos.
Outra hipótese que não exclui as demais é que os botos tenham ficam desorientados não apenas pelo calor extremo quanto pelo barulho e agitação do grande fluxo de embarcações na ligação que restou entre o Tefé e o Solimões.
Os botos usam os sons para se orientarem nas águas muito turvas desses rios amazônicos. O barulho dos motores pode tê-los “cegado” completamente, aprisionando-os na água quente.
— Imagine o terror desses animais, atormentados simultaneamente por calor e sons intoleráveis. AS pessoas e os animais da Amazônia estão sofrendo com desastres compostos, e eles estão certamente ligados às mudanças climáticas — lamenta Fleischmann.
O chefe do Laboratório de Química e Toxicologia, perito criminal Thalmanny Goulart, responsável pelo exame, explicou que a unidade laboratorial do IC recebeu do IML de Maceió amostras de humor vítreo, sangue, conteúdo estomacal e urina coletadas durante o exame de necropsia para análise. Para chegar ao resultado final, o perito analisou essas amostras usando o equipamento de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas
Fonte: O GLOBO
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