De um Flu mais tarimbado a um projeto autoral: ex-atacante Washington, parte do time vice-campeão da Libertadores, compara campanhas e vê leve favoritismo do tricolor
Não há como passar despercebido esse grande paralelo entre as trajetórias: um confronto contra um grande clube brasileiro, favorito no jogo e com a vantagem nas mãos. Há 15 anos, Thiago Neves encontrava a cabeça de Washington, aos 46 minutos do segundo tempo do jogo com o São Paulo, para colocar o tricolor carioca nas semifinais da Libertadores pela primeira vez; há menos de um mês, John Kennedy raspou na bola, e Cano marcou aos 41 da etapa final, diante do Inter, para levar o Fluminense à decisão pela segunda vez.
Os times finalistas do Fluminense — Foto: Editoria de Arte
— Vejo trajetórias mais ou menos parecidas com relação aos méritos dos dois times de chegar à final. Da mesma forma que em 2008, no início desta Libertadores o Fluminense não era favorito para ir à final. Mas conseguiu chegar com qualidade, com estilos diferentes e com grandes jogadores decisivos. Assim como o jogo contra o São Paulo, o do Internacional de agora valorizou a campanha — compara Washington ao GLOBO.
Perfis distintos
Mas as semelhanças param aqui. O tricolor de 2008 pode ser considerado mais badalado, mais caro na montagem — o time custou cerca de 60% a mais em relação ao deste ano — e mais custoso mensalmente — a folha de pagamento atual representa algo entre um terço e um quarto daquela da época da parceria com a Unimed.
A equipe de 2008 contava com o zagueiro em franca ascensão Thiago Silva, que foi vendido pelo Fluminense por 10 milhões de euros (R$ 90 milhões no valor corrigido pela inflação) ao Milan no fim daquele ano.
Ainda tinha Thiago Neves em grande fase, o argentino Conca dominando o meio-campo, Dodô, considerado um dos grandes atacantes da época, e Washington, que seria o artilheiro do Brasileiro naquela temporada. Além da conhecida marra do técnico Renato Gaúcho.
O time de 2008 do Fluminense. De frente, Washington e Thiago Neves — Foto: Ivo Gonzalez
O tricolor de hoje tem o virtuoso Ganso, um jogador que, pelas circunstâncias da carreira, entregou menos do que se esperava de seu talento; o multicampeão Marcelo, já perto da aposentadoria; e o jovem André (principal ativo do clube, com valor de mercado estimado em 30 milhões de euros). Ainda assim, é um time mais autoral, que conta com grande entrega dos atletas.
O estilo de jogo do técnico Fernando Diniz muitas vezes se impõe aos nomes do elenco. E é do dinizismo que se espera algo diferente diante de um Boca Juniors que carrega toda a tradição de segundo maior vencedor da Libertadores, com seis troféus (atrás apenas do também argentino Independiente, com sete taças).
— Acho que tínhamos um time mais tarimbado, um pouco mais experiente do que o de hoje. Agora, é a forma como o Diniz coloca o time para jogar que chama a atenção. Não tínhamos essa parte do toque de bola desde a saída do goleiro, que é prioridade dele. Mas também era um time de estilo ofensivo — compara Washington.
O andamento na competição também não se deu da mesma forma. Há de se levar em consideração a mudança do modelo da Libertadores nestes 15 anos. Em 2008, a competição era concentrada no primeiro semestre. O Fluminense estreou no fim de fevereiro contra a LDU e, diante do mesmo adversário, fez o último jogo, no Maracanã, no início de junho — a decisão ainda era em ida e volta.
Tanto que deu tempo de o técnico Renato Gaúcho “brincar” no Brasileirão e se recuperar na reta final.
Agora, a principal competição do continente atravessa todo o calendário, passando pelos Estaduais, pela Copa do Brasil e encerrando na reta final da Série A. A vitória contra o Sporting Cristal, em Lima, na primeira rodada, aconteceu antes da conquista do título carioca.
Naquele momento, não havia qualquer indício de que Diniz estaria dividindo seu tempo entre o Fluminense e a seleção brasileira em meio às fases decisivas do torneio continental.
— Naquela época, não tivemos altos e baixos na Libertadores. Fomos chegando melhor a cada fase. Iniciamos a competição sem sermos os favoritos, mas, na final, éramos favoritos — analisa o Coração Valente.
— Hoje, esse tempo mais longo de competição permite que o time dê uma caída e se recupere. Este ano, por ser um jogo só no Maracanã, o Fluminense é um pouco mais favorito que o Boca. Mas a tradição dos argentinos equilibra um pouco.
Cano e Arias, referências do Fluminense de 2023 — Foto: Alexandre Cassiano
Níveis de contato
Todo o contexto do futebol se modificou ao longos dos últimos 15 anos, amplificando as diferenças entre os times e as decisões de ontem e de hoje. O contato entre jogadores e torcida é outro. Na campanha de 2008, o tricolor ainda treinava na sede das Laranjeiras. Desde a fase de mata-mata, o famoso rachão dado por Renato Gaúcho na véspera das partidas era aberto ao público.
Após a derrota em Quito (4 a 2), o treinador até pensou em concentrar o time na Granja Comary, casa da seleção em Teresópolis, Região Serrana do Rio. Mas o que se viu foram milhares de tricolores nas arquibancadas das Laranjeiras apoiando o time um dia antes da final.
Agora, o tricolor sequer anunciou a programação de treinos detalhada até sexta-feira. O mais próximo que o torcedor tem chegado do time é nos embarques e desembarques no aeroporto.
— O futebol está diferente em todos os sentidos. Hoje, os jogadores ficam mais isolados. Aquele ambiente não nos desconcentrava, só permitia que sentíssemos mais o clima do jogo antes de ele começar. Não faz diferença para o jogador, mas para a torcida, sim — compara Washington, que estará na final a convite de empresas patrocinadoras do torneio.
Entre semelhanças e diferenças, o que importa mesmo, para Washington, é a certeza de que a história terá outro desfecho neste sábado, no Maracanã. O peso da dolorida derrota nos pênaltis para a LDU recai sobre a torcida e, no máximo, em alguns dirigentes.
— O time não vai ficar influenciado, apesar de saber o que aconteceu. É um jogo diferente, são jogadores diferentes. Não vai acontecer de novo — profetiza.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários