Planalto defende que a discussão sobre a dificuldade de alcançar a meta fiscal proposta por Haddad teria de ser travada em breve

A admissão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o governo não cumprirá a meta de zerar o déficit público no ano que vem reacendeu uma disputa interna no governo: as diferentes visões dos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Fazenda, Fernando Haddad, sobre gastos públicos. 

Logo após a declaração, representantes da Fazenda viram influência de Costa no conteúdo do discurso, enquanto Rui mantém os movimentos para tentar evitar que a meta fiscal gere corte de investimentos. Em meio ao embate, outros membros do governo se apressaram em tentar colocar panos quentes para evitar que o imbróglio prejudique o Executivo.

Desde a repercussão da fala, proferida em um café da manhã com jornalistas na última sexta-feira, o Planalto vem tentando amenizar o teor da declaração. Embora a equipe econômica tenha sido pega de surpresa — Haddad estava, inclusive, em um voo de Brasília para São Paulo —, auxiliares do presidente apontam, agora, que se tratou apenas de um debate antecipado, a ser travado em algum momento.

Integrantes da Fazenda acreditam que o discurso do presidente reflete o grau de influência de Rui Costa sobre ele. O anúncio descartando o cumprimento da meta estaria relacionado ainda a uma preocupação com os rumos do Programa de Aceleração do Crescimento, sob alçada da Casa Civil, devido ao receio do titular da pasta de que o bloqueio ou corte de recursos comprometa iniciativas do PAC, uma das principais bandeiras da gestão petista.

Publicamente, nem os ministros, nem os ministérios divulgaram qualquer comunicado no fim de semana. O silêncio faz parte da estratégia do Planalto para serenar os ânimos e evitar a possibilidade de novos ruídos. A avaliação é que uma queda de braço entre dois dos nomes mais influentes do governo poderia trazer prejuízos maiores neste momento.

Também faz parte da tática para afastar atritos a defesa de que a fala de Lula configurou somente uma opinião pessoal, focada na dificuldade de cumprir a meta — previsão compartilhada por vários membros do governo. Interlocutores do presidente acrescentam que a discussão sobre o déficit zero entraria na pauta em breve, de um modo ou de outro. Isso porque o governo teme o impacto que a meta fiscal, tida internamente como apertada, causará sobre os gastos no ano que vem, em que haverá eleições municipais.

Pelas redes sociais, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), sustentou que Lula protegeu Haddad ao reconhecer que a meta não seria atingida. A parlamentar e o ministro já protagonizaram, no começo do governo, embates sobre medidas econômicas, como a cobrança de impostos sobre combustíveis.

Temor no mercado

Ao elaborar o arcabouço fiscal, a Fazenda prometeu zerar o déficit em 2024, mas com uma margem de tolerância de até 0,25% do PIB, para baixo ou para cima. Auxiliares de Costa já viam essa meta como muito estreita desde o início das discussões.

Lula, no entanto, afirmou na sexta-feira que o governo não deve cumprir a meta fiscal zero no próximo ano, alinhando-se à visão do titular da Casa Civil e indo de encontro ao compromisso firmado pelo Ministério da Fazenda.

— Eu acho que muitas vezes (o mercado) é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida. Então, sei da disposição do Haddad, da minha disposição. O que eu quero dizer é que nós dificilmente chegaremos à meta zero — disse Lula, acrescentando que irá mirar a parte inferior da meta fiscal e que pretende fazer de tudo para cumprir a regra.

O resultado das contas públicas é o balanço de receitas e despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros. Para 2024, enquanto a equipe econômica quer zerar esse saldo negativo, o mercado financeiro está projetando déficit próximo a 0,8% do PIB.

A fala de Lula gerou receio de investidores de que se abra caminho para uma alteração na meta em 2024. Isso impediria que o arcabouço fiscal acione, nos próximos anos, gatilhos de contenção de despesas previstos pelo texto aprovado em agosto no Congresso.


Fonte: O GLOBO