A despeito do “desafio fiscal”, o Brasil “está muito bem posicionado” por desfrutar de uma situação externa vantajosa “como poucos países do mundo”, da perspectiva de mais uma safra excepcionalmente forte no agro e de uma tendência de deflação que viabiliza corte de juros, resume Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander no Brasil. A conjuntura explica o otimismo da ex-secretária do Tesouro Nacional, que admite ter se surpreendido positivamente com o crescimento do PIB este ano.

O Santander prevê que o PIB brasileiro cresça pelo menos 2,5% este ano, podendo chegar a 3% de alta, mesmo com juros acima de 12%. Para o ano que vem, a previsão é de uma expansão de 1%.

— O Brasil tem uma situação macroeconômica que funciona como um agente suavizador de ciclo. (…) Há uma dicotomia, entre o externo e a fragilidade fiscal, mas ela permite uma atenuação — disse a economista, nesta terça-feira, em conversa com jornalistas na sede global do Santander, em Madri. — O país tem desafios macroeconômicos, mas está muito bem posicionado.

Fed: ponto de atenção

A fortaleza externa brasileira se explica, segundo Ana, pelo fato de dois terços de nossas exportações serem commodities, cujos preços se estabilizaram em níveis vantajosos para países produtores. O resultado é um superávit comercial que, pelas contas do Santander, deve fechar o ano em US$ 85 bilhões.

— Isso pode atenuar o déficit em transações correntes, para algo como 2% do PIB, o que é uma taxa historicamente muito baixa — explicou. — E somos recebedores de investimento estrangeiro direto, com um fluxo entre US$ 60 bilhões e US$ 70 bilhões este ano, o que nos permite financiar o déficit.

O bônus exportador se combina ao recuo da inflação, a principal condição para a redução de juros. O Santander espera que os preços acumulem alta de 4,6% este ano e de 3,8%, resultado de o Banco Central ter sido um dos primeiros a subir juros, disse. (A Selic está em 12,75% ao ano hoje e, na expectativa de agentes do mercado financeiro, deve ser reduzida para 12,25% na reunião do Comitê de Política Monetária desta quarta-feira).

— Isso permite que os juros cheguem a 9,5% no fim do ano que vem. Mas temos que observar o comportamento Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), que poderá restringir nossa redução de juros — argumentou. — O Fed colocou suas taxas em 5,5%, o que é alto, mas a comunicação está em aberto. O mercado não descarta que possa haver uma nova alta.

PIB surpreendente, mas déficit fiscal

Metade do desempenho surpreendente do PIB este ano se deve a uma super-safra, sobretudo de soja, cuja expansão foi de 25% em um ano. O PIB agrícola, embora represente apenas 6% de toda a economia, deve saltar 13,5% este ano, calcula o Santander.

— A outra metade da surpresa com o PIB é um mercado de trabalho super resiliente, com a volta do setor de serviços ajudando a sustentar a renda das famílias — acrescentou.

O copo meio vazio da análise de Ana Paula Vescovi, claro, se concentra na conjuntura fiscal. Enquanto precisa gerar superávit para estabilizar sua dívida como proporção do PIB, o país registrou déficit nos últimos dez anos. Ela calcula que o déficit ficará em 1% este ano, mas o superávit que seria necessário para estabilização da dívida é de mais de 1%.

Além disso, o esforço fiscal previsto no plano do governo apresenta fragilidade por estar “assentado em uma recuperação de receitas que exigiria um volume substancial.”

* O repórter viajou a convite do Santander


Fonte: O GLOBO