Pesquisa do Instituto Igarapé mostra ainda que houve no período 765 ataques contra defensoras que combatem a exploração ilegal dos recursos naturais da floresta, a invasão de terras e expropriações

Ativista e líder ambiental, Dilma Ferreira foi assassinada dentro de casa em 22 de março de 2019. Coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), teve a morte encomendada por ameaçar denunciar a extração ilegal de madeira em uma fazenda ao lado de seu assentamento, o Salvador Allende, na zona rural de Baião, a 60 km de Tucuruí, no sudeste do Pará. Segundo as investigações, Dilma foi amarrada, amordaçada, torturada e teve o pescoço cortado.

A pescadora Nilce de Souza Magalhães, conhecida como Nicinha, também fazia parte do MAB e foi encontrada morta no lago da barragem da Usina Hidrelétrica Jirau, em Porto Velho. Os pés e mãos estavam amarrados e ligados a uma pedra, o que escondeu os restos mortais da ativista debaixo d’água por meses. Foram mais de 150 dias de buscas, que só tiveram fim em junho de 2016. Nicinha era uma das principais líderes na defesa das populações atingidas pela Usina.

O assassinato de Dilma e Nicinha traduzem a realidade de centenas de mulheres à frente da luta pelo meio ambiente e os direitos humanos na Amazônia Legal. De 2012 a 2022, a região somou 765 ataques contra defensoras que combatem a exploração ilegal dos recursos naturais da floresta, a invasão de terras e expropriações.

Os números foram compilados pelo Instituto Igarapé, a partir de dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do projeto Tierras de Resistentes. Eles incluem intimidação, tentativa de assassinato, prisão, entre outras violações. Dos 765 ataques, 36 resultaram em assassinatos. Os agressores são, em sua maioria, grileiros e fazendeiros. E os casos estão concentrados no Pará, Maranhão e em Rondônia — em particular, nos municípios de Altamira(PA), Formosa da Serra Negra (MA) e Porto Velho.

Dilma Ferreira: morta no Pará após denunciar extração ilegal de madeira — Foto: Divulgação/Presidência da República

Violência invisível

O relatório Desafios e Recomendações para a Amazônia a Partir da Voz de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente também inclui os resultados de uma pesquisa qualitativa feita de entrevistas com 23 defensoras e um grupo focal com outras oito mulheres.

— A gente tem visto um aumento da violência contra essas mulheres e, infelizmente, o poder público não tem feito todo o necessário para garantir a proteção delas. Muitas vezes, é uma violência invisível, que não é considerada como tantas outras que observamos em realidades distintas — diz Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé.

Nicinha: corpo foi encontrado em lago de barragem em Porto Velho — Foto: Divulgação/MAB

Claudelice Santos criou o Instituto Zé Claudio e Maria depois que seu irmão e sua cunhada, o casal de extrativistas paraenses José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, foram assassinados, em 2011. A ativista lembra que os dois foram pioneiros ao ajudar na criação do Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira, em 1997, em Nova Ipixuna, no Pará, que apoiava 500 famílias. A iniciativa contrariava o interesse de madeireiros, carvoeiros e médios e grandes fazendeiros da região.

À frente do instituto, a ativista e advogada também é vítima de ameaças. Já recebeu um bilhete, deixado na caixa de correio de sua mãe idosa, com promessa de morte à família. Mais recentemente, sua filha e sobrinha foram perseguidas. Claudelice foi uma das defensoras que conduziram as entrevistas para o Igarapé.

— Em todos os relatos, chama atenção a invisibilidade da violência. Essas mulheres sequer conseguem fazer um boletim de ocorrência. Ou porque a delegacia recusa ou porque são desencorajadas com o discurso de que aquilo não vai dar em nada — conta. — Muitas se afastam da luta depois de não conseguirem denunciar ou acabam assassinadas.

O Instituto Zé Claudio e Maria oferece espaço físico para a proteção de defensores ameaçados de morte. Segundo ela, os programas oferecidos pelo governo federal não se atentam às especificidades de cada caso.

— É preciso que a sociedade ouça os pedidos de socorro. Nicinha foi amarrada e jogada no fundo do lago. Mãe Bernadete (quilombola baiana) teve o caixão fechado porque levou 12 tiros no rosto. Irmã Dorothy (Stang) foi assassinada agarrada à Bíblia. A forma violenta com que se está matando essas mulheres passa um recado para outras — afirma Claudelice.


Fonte: O GLOBO