Em votação histórica, senadores aprovaram o texto da PEC com dezenas de exceções. As modificações terão que ser avalizadas pelos deputados antes da promulgação

Em uma votação histórica, o Senado Federal aprovou na quarta-feira a Reforma Tributária, que unifica cinco tributos sobre consumo, alinhando o Brasil, depois de décadas, a um sistema de cobrança de impostos já adotado em outros países. A proposta foi aprovada por 53 votos favoráveis a 24 contrários no primeiro e no segundo turnos, numa votação apertada, já que eram necessários os votos de pelo menos 49 senadores.

A reforma já havia sido votada na Câmara, em julho, mas, como houve alterações do texto no Senado, as mudanças precisarão ser analisadas pelos deputados. O presidente da Câmara, Arthur Lira, promete concluir a votação da reforma ainda neste ano.

O que os parlamentares discutem agora é fatiar o texto. Ou seja, promulgar o que for consenso entre as duas Casas e discutir de forma separada o que for divergente.

Mudanças com a Reforma Tributária — Foto: Criação O Globo

A discussão sobre a necessidade de uma reforma para tornar o sistema de impostos mais simples e mais equilibrado já dura quase 40 anos. É a primeira vez que um texto avança a esse ponto, numa convergência inédita entre Câmara e Senado.

O atual modelo brasileiro de tributação foi instituído na década de 1960 e sofreu algumas alterações na Constituição de 1988. Ao longo dos anos, especialistas afirmam que a tributação sobre consumo se tornou disfuncional, complexa e ineficiente, o que fez o sistema ficar desequilibrado e injusto.

Exceções de última hora

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o amadurecimento do debate foi fundamental para que a população, as empresas, os estados e os agentes públicos pudessem entender a necessidade de mudar o sistema de impostos.

— A reforma aprovada por esse plenário se impôs porque não havia mais como adiá-la. A reforma se impôs porque o Brasil não podia mais conviver com o atraso.

Alíquotas — Foto: Criação O Globo

O relator do texto na Casa, Eduardo Braga (MDB-AM), comemorou o resultado:

— No regime democrático, é a primeira vez que o Senado aprova uma Reforma Tributária. Quero agradecer a confiança no trabalho que realizamos.

A reforma aprovada pelo Senado agora é discutida pelo Congresso desde 2019, mas avançou neste ano nas duas Casas quando o tema virou prioridade do governo Lula e passou a constar em quase todos os discursos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Ontem, o ministro destacou os avanços da proposta:

— Estamos saindo de um sistema tributário nota dois, não para um sistema nota 10, porque teve que haver muita discussão e acordo para chegar a essa resultado, mas certamente estaremos, se promulgada, numa situação muito mais confortável. Essa PEC (proposta de emenda à Constituição) merece nota 7,5 com louvor. Pode ser admirada por investidores e trazer investimentos para o Brasil.

Reforma — Foto: Criação O Globo

O texto aprovado ontem foi negociado até o último momento. Minutos antes de o projeto entrar em votação, Braga acatou emendas que aumentaram ainda mais o rol de exceções da reforma, já criticada pela quantidade de setores fora da regra geral — a lista de concessões já fora ampliada no primeiro relatório do senador, em outubro, e na segunda versão, divulgada na terça-feira.

O setor de eventos fará parte da lista de alíquotas reduzidas em 60%. E a geração distribuída de energia (por meio de painéis solares) foi incluída dentro dos regimes específicos. Braga também igualou os servidores tributários de União, estados e municípios.

Ofensiva para aprovação

Para garantir os votos necessários, a tropa de choque governista ganhou reforço de dois dos senadores mais influentes da Casa: Davi Alcolumbre (União-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL) circularam entre as bancadas para convencer mais senadores a entregarem o voto sim.

O deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da proposta na Câmara, e o secretário do Ministério da Fazenda Bernard Appy se uniram aos líderes partidários e acertaram possíveis alterações do texto junto com o relator no Senado.

Mudanças — Foto: Criação O Globo

Appy é o autor da proposta inicial aprovada na Câmara e secretário de Reforma Tributária da Fazenda.

— Estou extremamente feliz. Preferia um placar mais folgado, mas foi — disse Appy.

A quantidade de exceções da reforma foi criticada por especialistas e parlamentares ao longo da tramitação, mas o governo vê isso como o custo político necessário para a reforma avançar. Essas concessões deixam o sistema menos simples e pesam a alíquota para quem não é contemplado.

A estimativa mais recente da Fazenda indica alíquota total entre 26,9% e 27,5%, uma das mais elevadas do mundo.

No campo oposto, governadores do Sul e Sudeste chegaram a defender o adiamento da votação e pregaram voto contra o texto após reunião com Haddad. Eles questionam os benefícios para as montadoras no Nordeste, a sobretaxa a produtos importados de fora do Brasil e que sejam produzidos na Zona Franca de Manaus; e mudanças no Conselho Federativo (que vai gerir a repartição da arrecadação).

— Tem movimentos que foram feitos dentro do Senado que entendemos que pioram muito a situação dos entes federativos e merecem análise — disse o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

Para especialistas, apesar do aumento das exceções no texto, o novo sistema representa uma conquista na comparação com o emaranhado tributário do país.

— Trata-se da maior mudança estrutural no sistema tributário sobre o consumo desde o regime militar. A redução do custo das transações é gigantesca, o país ganha produtividade. Apesar das modificações feitas, os pilares da reforma foram preservados, trazendo alíquotas uniformes em todo o país — diz o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. (Colaborou João Sorima Neto)


Fonte: O GLOBO