Árabes e judeus estão presos em um ciclo de derramamento de sangue há décadas na região, mas ataques de colonos estão se tornando mais ousados, mais mortais e ininterruptos desde 7 de outubro

Na manhã de sábado, Bilal Mohammad Saleh, um vendedor ambulante palestino de sálvia e tomilho, saiu com sua família para colher azeitonas. É época de colheita na Cisjordânia, e Saleh estava ajudando a catar os frutos das árvores frondosas que sua família possui há gerações. Então, quatro colonos judeus armados apareceram, segundo testemunhas. Eles começaram a gritar, e os catadores de azeitona pararam o que estavam fazendo e começaram a correr. Mas Saleh esqueceu seu telefone.

— Eu já volto — disse ele à esposa.

Dois tiros soaram e, em um instante, Saleh, que era conhecido por seu amor por folhas frescas e por ser um pai divertido, caiu de bruços no olival, morto.

Enquanto a atenção do mundo está voltada para a Faixa de Gaza, a violência na Cisjordânia, uma área de maioria palestina muito maior e mais complexa, está atingindo os níveis mais altos dos últimos anos.

Alguns dos incidentes específicos, como o assassinato no bosque de oliveiras, refletem um problema antigo na Cisjordânia que piorou muito desde os ataques terroristas de 7 de outubro: extremistas fortemente armados operam impunemente há anos, dizem muitos palestinos, e agora seus ataques estão se tornando mais ousados, mais mortais e ininterruptos.

Observadores experientes acreditam que o pico de violência faz parte de uma campanha mais ampla para afugentar os palestinos de suas terras, que foi autorizada a se acelerar em meio ao clima de raiva e sofrimento de Israel. Desde 7 de outubro, a violência dos colonos deslocou mais de 800 palestinos, incluindo comunidades inteiras de pastores.

— A estratégia é a seguinte: estamos aqui, esta terra nos pertence e vamos expulsá-los dela, com todos os meios que temos — explicou Dov Sedaka, um general israelense da reserva que trabalha para uma fundação que apoia a cooperação entre israelenses e palestinos. — É horrível.

Segundo ele, devido à intensa batalha dentro de Gaza e à angústia que todos os israelenses sentiam em relação às atrocidades cometidas pelo Hamas, os soldados de Israel estavam agora, mais do que nunca, deixando de cumprir seu dever de proteger os civis palestinos nas áreas ocupadas.

— Eles não estão impedindo os colonos extremistas — comentou. — Eles estão fechando os olhos.

De acordo com depoimentos de testemunhas, imagens de vídeo e analistas que examinaram os padrões mais amplos da violência, os colonos extremistas da Cisjordânia têm atacado casas e empresas palestinas, explodindo seus geradores e painéis solares, queimando as tendas de pastores beduínos seminômades — e até mesmo atirando em pessoas.

As autoridades das Nações Unidas afirmam que, desde 7 de outubro, os militares israelenses e os colonos armados mataram mais de 120 palestinos na Cisjordânia — a maioria dessas mortes ocorreu em confrontos com soldados israelenses.

Mesmo antes dos ataques do Hamas, a violência dos colonos estava atingindo seus níveis mais altos desde que a ONU começou a monitorá-la em meados dos anos 2000. De acordo com os números das Nações Unidas, costumava haver um incidente de violência de colonos por dia. Agora são sete.

Os palestinos e os ativistas de direitos humanos atribuem a atmosfera cada vez mais inflamável ao governo de direita de Israel, cujos ministros prometeram expandir os assentamentos e distribuir mais armas aos colonos. 

Os ataques palestinos mortais contra israelenses na Cisjordânia também estão em seu ponto mais alto desde os anos 2000, aumentando as tensões e a sensação de que todo esse território está no limite. Na quinta-feira, as autoridades israelenses disseram que os palestinos abriram fogo contra um carro e mataram o motorista, um colono judeu.

Gaza e a Cisjordânia são duas áreas separadas que Israel conquistou na guerra árabe-israelense de 1967. Israel se retirou de Gaza em 2005, fechando-a efetivamente e deixando seus residentes sujeitos a um bloqueio rígido que estrangulou sua economia.

Mas Israel ainda ocupa a Cisjordânia sob um sistema altamente controverso que deixa os palestinos apátridas, limita seus movimentos e os julga em tribunais militares israelenses — restrições que não se aplicam aos colonos. Os soldados rotineiramente bloqueiam estradas, expulsam os palestinos das ruas e controlam rigorosamente o acesso de uma área a outra.

Os Acordos de Oslo de 1993 dividiram a Cisjordânia em três zonas: a Área A, totalmente governada pela Palestina; a Área B, de controle mútuo; e a Área C, totalmente governada por Israel. A Área C é, de longe, a maior delas, compreendendo 60% do território. Nela moram meio milhão de colonos judeus e 300 mil palestinos, com dois sistemas jurídicos paralelos: a lei civil israelense para os primeiros e a lei marcial para os segundos.

O que complica ainda mais a Cisjordânia é o número crescente de assentamentos de colonos judeus — mais de 130 — que a maior parte do mundo considera ilegais por terem sido instalados em terras ocupadas.

Essas comunidades, geralmente construídas em topos de colinas estratégicas e cercadas por muros e arame farpado, estão intercaladas entre uma colcha de retalhos de cidades e vilas palestinas administradas pela Autoridade Palestina, um órgão semiautônomo. Cerca de meio milhão de colonos judeus vivem na Cisjordânia, ao lado de um número estimado de 2,7 milhões de palestinos.

Muitos colonos rejeitam a reivindicação dos palestinos à terra, argumentando que os judeus vivem nesse território desde os tempos bíblicos e que Israel conquistou o território com justiça há décadas em uma guerra.

Nos últimos dias, panfletos ameaçadores, que se presume terem vindo de colonos extremistas, foram colocados sob os limpadores de parabrisa de carros palestinos.

“Uma grande catástrofe cairá sobre suas cabeças em breve”, dizia um folheto. “Destruiremos todos os inimigos e os expulsaremos à força de nossa Terra Santa que Deus escreveu para nós. Onde quer que estejam, carreguem suas malas imediatamente e saiam de onde vieram. Estamos indo atrás de vocês.”

Sam Stein é um ativista da paz judeu de Long Island, Nova York, que passou anos trabalhando na Cisjordânia e se colocou fisicamente entre os colonos extremistas e os palestinos. Ele disse que toda a violência recente "não foi um ato aleatório de ódio".

Em vez disso, afirma, trata-se de uma "abordagem guiada" para criar "uma continuidade judaica" na Cisjordânia.

Os colonos judeus são auxiliados nesse projeto pelo fato de terem permissão para portar armas e os civis palestinos não. Outro incidente recente, um de muitos, mostra como os palestinos geralmente pagam o preço.

Em 13 de outubro, Zakariya al-Arda, um trabalhador palestino da construção civil que mora em uma pequena cidade da Cisjordânia chamada At-Tuwani, estava subindo uma colina após as orações de sexta-feira com cerca de oito amigos. Um vídeo daquele dia mostra que nenhum dos integrantes do grupo de al-Arda está portando armas de fogo, embora um deles esteja segurando uma pedra.

Um colono de Havat Ma'on, um posto avançado que faz fronteira com At-Tuwani e que é considerado ilegal mesmo segundo a lei israelense, desce a colina brandindo um rifle. Ele golpeia al-Arda com a coronha. Quando al-Arda tenta se defender, o colono atira nele. A bala perfura seu estômago, alguns centímetros abaixo dos pulmões. Ele sobrevive. Mas essa única bala semeou o medo em toda a comunidade.

— Não fizemos nada contra os colonos — disse o irmão de al-Arda, Khaled. — Eles estão constantemente nos assediando, vandalizando nossa propriedade e ameaçando nossa segurança. O que eles querem de nós?

Boaz Natan, um colono e ex-soldado que supervisiona a segurança em Havat Ma'on e no assentamento vizinho de Ma'on, sabia sobre o tiroteio, mas disse que não queria "entrar em detalhes sobre se isso foi bom ou não". Ainda assim, o comitê de segurança do assentamento imediatamente tirou a arma do homem porque não queria que "atores solitários fizessem o que achassem que precisava ser feito", afirmou.

A polícia israelense está investigando o incidente, de acordo com o Exército de Israel.

Os líderes palestinos dizem que seu povo está mais assustado — pelo que está acontecendo em Gaza e agora em toda a Cisjordânia — do que há muito tempo.

— Israel diz que tem o direito de responder. Eles responderam — disse Mustafa Bargouthi, um político palestino experiente. — Quantos milhares de palestinos ainda devem morrer antes que eles parem? (Com El País)


Fonte: O GLOBO